20 abril, 2018

O Sol e o Pulso da Desigualdade


Querido blog:

Tempos atrás, meti-me, a convite de gente muito especial, numa aventura nas margens dos rios Capiberibe e Beberibe, sabidamente em cuja confluência forma-se o Oceano Atlântico. Pois foi precisamente lá, lazinho, que ouvi falar que, ao tomar o ônibus ou o lotação, o morador local, sabido que é, coloca seu telefone no "modo avião", ou seja, suas chamadas não são sonoras. Pois, se o fossem -e isto ocorre para os incautos que deixam o telefone celular no modo normal, sonante- ao soar "o bichinho", um ladrão, com bons ou maus modos, pede a gentileza de recolher o aparelho para uso próprio, venda ou revenda.

Isto, falei, foi e é em Recife. E em Porto Alegre? Mesmíssima coisa, mutatis mutandis, que aqui não formamos oceano nenhum. No máximo temos um Rio Guayba, já transformado em Lago Guaíba, o que -em média, leva-me a seguir chamando-o de Rio Guaíba. E por que temos aqui a mesmíssima coisa que em Recife? É que telefone ligado no ônibus atrai assalto da mesma forma que pulsos investidos de relógios atraem raios solares. Só que há rastro a investigar, modelística a testar. Em terra de ladrões, quem usa relógio na rua está avisado pelas autoridades -elas mesmas não lá muito santas- que a responsabilidade é do usuário e não do policiário. O setor de achados e perdidos (no caso, não são propriamente "perdidos") está fechado para trivialidades, como o roubo de relógios, telefones, automóveis, livros (raros), alimentos, e por aí vai.

Neste universo distópico em que vivo, sob protesto, comecei a perceber que as pessoas não apenas deixaram de usar relógios de pulso como já o fizeram há muito tempo. E como cheguei a esta conclusão? Criei uma teoria que leva à explicação deste fato. Escrevi:

C = f(D, R),

onde C é a função que explica a cor do pulso do cidadão porto-alegrense (convênio em andamento para aplicação do modelo também em Recife). Naturalmente, nossa expectativa é que, quanto mais relógio se usa, mais cor-da-pele é a cor-do-pulso. E esse trechinho "quanto mais relógio se usa" é explicada por uma função de demanda tradicional para relógios:

D = g(p, Y, G)

onde, agora, D é a quantidade demandada de relógios, p é o preço dos relógios, Y é a renda dos porto-alegrenses consumidores de relógios ou seus responsáveis ou proprietários (bebês não o fazem, alguns cães da classe alta, sim) e G é um vetor que captura todos os demais efeitos que o universo conhecido provoca sobre a demanda por relógios em Porto Alegre, faça chuva ou faça sol.

Ainda relacionado como argumento explicativo da função D, R é a variável roubo de relógios. Nossa expectativa teórica é que, quanto maior for o valor de R, menor será o taneamento do pulso do vivente. Minha expectativa, after all, é que -na sociedade igualitária- os pulsos sigam portando seus relógios, de acordo com os gostos e preferências dos consumidores, não dependendo tanto da renda, que será mais ou menos assemelhada, por causa da reduzida desigualdade em sua distribuição e a própria variável R seja desabotinadamente reduzida, pois os ladrões serão reciclados como policiais e haverá ainda mais policiais, reprimindo qualquer tentativa de roubo, inclusive as perpetradas diariamente pelos políticos.

DdAB
P.S. Inequívocas propensões americanófilas dos responsáveis pela modelagem já tentam encaçapar na língua portuguesa a palavra "taneamento", originária da língua inglesa, sendo tan bronzear, solear.
P.S.S. Na foto lá de cima, facilmente rastreável no Google Images, vemos um cidadão porto-alegrense, daqui de meu próprio bairro, mostrando seu pulso depois de ter-se havido com o terceiro furto de seus três relógios em menos de 12 horas de exposição entre as 9h45min da manhã e 17h da tarde de hoje. Minha expectativa, como lhe falei, é que -acabado seu estoque de relógios, a contínua esposição ao sol, acabará com aquela marca untanned. Ficamos -ele e eu- de aumentar o tamanho da amostra.

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