28 setembro, 2017

Graciliano e o Messianismo


Querido diário:

Tem gente que já nasce sendo chamado de velho. No caso, parece que não foi o caso na infância, mas é certo que muita gente se referia a Graciliano Ramos como o velho Graça. E eu, que não me considero tão lá em fim-de-carreira, tenho o hábito -certamente com laivos de TOC- de ler alguns livros incansavelmente ao longo de meu curso de vida. Tal é o caso de algumas obras selecionadas de Érico Veríssimo e de Graciliano Ramos. Só falar que já me dá vontade de reler "O Sr. Embaixador" e "Memórias do Cárcere".

O fato da concretude insofismável da realidade tangível é que, no dia 21.jan.2007, há mais de 10 anos, portanto, em pleno pós-doutorado na Freie Universität Berlin, em pleno inverno, terminei pela primeira vez a leitura de "Caetés". Pois o tempo andou para frente e, em 17.dez.2012, sinalizei na página 219 da edição de 1998 da Editora Record, haver terminado mais uma leitura. E, seguindo esse andar do tempo, há poucas semanas, precisamente, em 14.ago.2017 (de volta de uma aprazível e "expensive" viagem a Londres) terminei o que assim podemos chamar de terceira leitura. Tão cedo não volto, pois cada vez mais cresce minha invocação com aquele João Valério. Cabra sem-vergonha, sô.

Então decidi, naqueles idos de agosto, escrever algumas reflexões que fiz e, felizmente, anotei no verso de uma caixa de fósforos, centradas na página 146:

Caminhamos em silêncio até o lugar onde existiu o cruzeiro verde, um cajueiro com dois galhos em forma de cruz, que a gente dos sítios próximos vinha adorar. Falei da multidão que ali encontrei uma tarde - mendigos, mulheres cm filhos pendurados aos peitos, curiosos, espertalhões que se arvoravam em sacerdotes.

Quando li esta passagem, este parágrafo, fiquei pensando se não haveria ali no meio uma garota que, sob o pretexto de adorar o cajueiro, conseguia permissão para sair de casa e encontrar-se com algum namoradinho sertanejo. Mas também pensei naquela consigna hoje super-comum no cotidiano da turma. Ao despedir-se já vai logo derramando um "fica com Deus",  e aí fico eu com meus pensamentos cogitando da melhor resposta: "et cum spirito tuo"? "Fica em paz"? Uma indesejável promoção daquele latinório é falar em RIP - "requiescet in pacem," que dá direitinho em inglês o "rest in peace". Gosto deste "fica em paz", pois -além de fugir do messianismo- evoca meu finado amigo Jesiel de Marco Gomes, que assim se despedia quando lhe endereçavam aquele "fica com Deus".

DdAB

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