28 fevereiro, 2017

Temer e o Carnaval



Querido diário:

Veio do Facebook:

No baile da terça-feira gorda (assim é que dizem?), nada melhor que um pouco de política e carnavalismo.


DdAB

24 fevereiro, 2017

A Cavalo Dado...


Querido blog:

Acabo de lançar este negócio no Facebook:

Às vezes, fico pensando na vida e digo coisas que jamais me imaginei sendo capaz de pensar... E, em alguns casos, tenho a ousadia de colocar em comentários aqui mesmo no Facebook, ou -mais livre me sinto- para fazê-los lá no blog.
Hoje é dia de Facebook: vi no site de Maria Lucia Sampaio uma nota sobre o destino dos catadores de lixo de Porto Alegre. Como sabemos, o candidato derrotado da coalizão de mais de duzentas centenas de partidos à prefeitura da capital, Sebastião Mello, nos tempos em que foi vereador, fez um projeto que se transformou em lei. Seu objetivo era proscrever as carroças (protegendo, claro, os cavalos) e talvez, para disfarçar, também os veículos de tração humana, oferecendo certo consolo para aqueles que consideram que ele/s considera/m que um semovente, um bem de capital, como é o caso do cavalo, tenha mais importância que o ser humano puxador de carga. Muitos cavalos do tempo da promulgação da lei (que entrará em vigor no próximo dia dez de março) já morreram, o mesmo -suponho- tenha acontecido com muitos condutores.
Nossa América, felizmente (em certo sentido), não é pré-colombiana, pois os catadores usam rodas para transportar sua discutida carga. Mas ainda assim, há pontos de vista que contestam radicalmente o direito que a prefeitura tem de usar estes trabalhadores em condições tão estupefacientemente precárias de trabalho. Quando nasci (1947), vigorava a constituição da república promulgada em 1946. Lá podia-se ler em algum artigo relevante: "todos terão direito a um emprego que lhe possibilite existência digna". Cassado por uma daquelas incontáveis constituições outorgadas pelos militares (com aquiescência, em meia dúzia delas, dos deslustrados políticos brasileiros com acentos no congresso nacional).
Ao chegar ao Facebook, eu já escrevera um manifesto contra os responsáveis pela existência de condutores de veículos de tração humana, eis que li o registro, em Zero Hora, feito pelo colunista Paulo Germano. E aqui reproduzo, com edições maiúsculas.
Parece que pouca gente vê -como iluminados de meu porte e de meia dúzia de outros- a verdadeira solução para o problema dos catadores e dos carroceiros. De acordo com a OIT, eles não detêm empregos decentes [ou seja, detêm empregos precários]. Solução: criar empregos decentes.
Para este grupo de iluminados, parece óbvio que esta "terceirização" a que a prefeitura submeteu o lixo da cidade é criminosa. Já imaginou se essa legião de desvalidos cidadãos tivessem empregos decentes? Que seria de seus filhos, que seria deles com pais tendo o domingo remunerado e férias anuais? Para nós, provavelmente sairia muito mais barato, se pensarmos apenas na carga roubada que a "catigoria" transporta. Pois é, a verdade é que, além de contraventores, como fração ínfima da prevalência da cleptomania entre políticos, este material que eles carregam (com talvez uma ou outra exceção) é propriedade privada dos "lançadores", que o transferem ao DMLU.
Acentuo o ponto: catadores são perversamente terceirizados pela prefeitura para auxiliarem-na a lidar com o lixo urbano. Eles deveriam "entrar na justiça" para verem seus direitos reconhecidos.
P.S. Fui buscar uma foto para ilustrar esse negócio que transplantarei ao blog (que tem um bom público próprio não coincidente com o Facebook, I presume...). E vi que no original, fala-se em cavalos desvalidos, mas nem se fala em infância desvalida. Eu no que nos antecede nem referi diretamente o trabalho infantil, além daquele onírico argumento de que pais com empregos decentes terão filhos com vidas decentes. [As coordenadas do site dos garotos e um cavalo decapitado estão aqui:http://projetos-de-lei.blogspot.com.br/p/proibicao-de-carro…]

DdAB
P.S. Na foto, um cavalo contrafeito e três meninos cujo custo de oportunidade em matéria de empregos no futuro seriam, por exemplo, um clarinetista especializado em Beethoven, um sargento-atleta da força pública e um professor de ciências econômicas.

23 fevereiro, 2017

Aliados do Outro Lado?


Querido diário:

Recebi a dica de olhar no Facebook uma postagem específica de Eduardo Affonso. Achei interessante haver oposição não-esquerdista ao governo F. Temer. Claro que fui olhar melhor quem é Eduardo Affonso e constatei que não gosto, em geral, de sua visão política. Ainda assim, acho complicado tomar posição hoje em dia, pois muita coisa que ele diz parece-me totalmente procedente.

Vai lá, Eduardo:

Fora Temer, quem mais os petistas odeiam?
Todo mundo que participa do seu governo (ilegítimo, inconstitucional, fisiológico, entreguista, feio, bobo, golpista etc).
Compactuo do horror que os petistas têm ao Temer, ao seu governo, aos seus ministros.
Com a ressalva de que eu não votei no Temer.
Eles, sim.
O Temer me caiu de paraquedas, me foi enfiado goela abaixo.
Os petistas, ao contrário, escolheram-no.
E não uma vez só, mas duas.
Aceito o Temer como quem aceita uma injeção de Benzetacil.
Não quero, não gosto, é horrível – mas ou é isso ou a infecção generalizada.
Respiro fundo, prendo o choro, xingo a mãe do moço da farmácia e toco o barco.
Como os petistas, não suporto olhar para a cara do Edison Lobão, nobre presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Mas, ao contrário dos petistas, eu também não o suportava quando ele era Ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma.
Compartilho com os petistas uma profunda antipatia pelo Presidente do Senado, Eunício Oliveira.
 Só que eles o achavam simpaticíssimo quando era Ministro das Comunicações de Lula.
Eliseu Padilha, braço direito do golpista, quem consegue confiar nesse sujeito?
Os petistas, certamente – pelo menos enquanto foi Ministro da Aviação Civil da finada Presidenta.
Como não me solidarizar com os petistas no asco pelo Geddel Viera Lima, o do apartamento com vista pro mar em Salvador?
Mas o asco deles é recente, só desabrochou depois que ele deixou de ser Ministro da Integração Nacional do viúvo de D. Marisa.
Ah, Romero Jucá, o surubático Romero Jucá...
 Impossível não ser tomado de ojeriza ao vê-lo, ouvi-lo, imaginá-lo.
Exceto os petistas, que surubaram com ele sem pudor algum enquanto era Ministro da Previdência Social do Lula.
E Silas Rondeau, encalacrado na Lava Jato, indiciado por tráfico de influência?
Abominável, diriam os petistas - e eu concordo.
Mas os petistas só acham isso depois que ele deixou de ser Ministro de Minas e Energia.
De quem?
Ganha um sítio em Atibaia quem adivinhar.
E tem ainda Moreira Franco, estrategicamente nomeado pelo nefasto Temer apenas para adquirir foro privilegiado.
Se bem me lembro, ele teve o mesmo foro como Ministro de Assuntos Estratégicos de Dilma, e ninguém falou nada.
Eu não gosto do Temer, mas desde sempre.
Os petistas, esses só começaram a desgostar quando ele se cansou de ser um vice decorativo e resolveu partir para novos desafios e se reposicionar no mercado.
Por isso entendo quando entram transe (e em loop) com seu mantra “Fora, Temer”.
É que levaram cinco anos para perceber que ele existia (e que existiam Moreira Franco, Jucá, Eunício, Rondeau, Padilha, Geddel), e só aí começar a ladainha.

Não me sinto comprometido com Eduardo Affonso, precisava ter mais paciência e olhar mais seu site/blog. Imagino que não teria chance de colocar-lhe uma questão direta: como você pensa que se deve agir para reduzir a desigualdade na sociedade brasileira e ainda como você pensa que o país poderá elevar a produtividade do trabalho. Tenho referido que espero que surja para 2018 uma candidatura de esquerda e que os termos básicos para a formação da coalizão partidária devem ser: 

.a luta pela implantação do governo mundial

.b voto universal secreto, direto, facultativo e distrital

.c república parlamentarista.

Para não falar em programa econômico... Mas, se falarmos, entrarei na linha de uma reforma tributária dado destaque aos impostos diretos sobre a renda, o patrimônio e a herança, redirecionamento do gasto público para setores de alta regressividade, como a educação, a saúde, a previdẽncia, a moradia, e por aí vai. E por aqui fico.

DdAB
A imagem veio daqui: http://jornalggn.com.br/noticia/aliados-de-temer-pressionam-por-nome-do-meio-politico-ao-stf.

22 fevereiro, 2017

Kenneth Arrow e os Seguros Generalizados

Querido diário:

Ontem, fiquei sabendo no mural de Flávio Comim, no Facebook, que morreu Kenneth Arrow. Fiz um comentário dizendo que o economista americano, ganhador do prêmio Nobel da área em 1972, ano em que, como sabemos, ganhei o título de bacharel em ciências econômicas. Ele beirava os 52 anos e eu, os 25.

Inseri-me entre os comentaristas da postagem de Flávio. Como acabo de demostrar, a postagem não era minha e sim do prof. Comim, o que me forçou a procurar brevidade from scratch. Falava-se do pouco que se estuda o pensamento dele, Arrow, na formação básica do economista. Eu disse algo como: ele será lembrado nem tanto pelo nome, mas por contribuições que abalaram os alicerces da economia, resultando em mais solidez e, claro, alguma indeterminação.

Dei como exemplos as contribuições para a teoria da escolha social e -reproduzo- "o inesquecível artigo (difícil pra burro) do learning by doing." Segui lendo os comentários de Flávio e de novos comentaristas, até que falou-se da contribuição para a teoria dos mercados de seguros, ou seja, do tratamento do risco. Vou falar mais disto, é o que desejo com esta postagem. Em outras postagens no blog, localizáveis por seu próprio motor de busca, falo nele em diversos momentos, às vezes de modo oblíquo e outras tantas, de modo frontal.

Então agora vou falar da teoria do equilíbrio geral, pois ela resulta na concepção arrowiana de seguros generalizados. Pois lá no mural do Comim, fala-se haver uma disciplina no/s curso/s de economia da/s faculdade/s da av. João Pessoa, 52. Seu nome é "economia política" e parece que ensina-se "economia política marxista", naturalmente uma redução de escopo absolutamente indesculpável. Esse atropelo às taxionomias do JEL é talvez justificável pela evolução das ideias sobre o ensino de economia no Brasil, pois queria-se, em tempos pré-cabralinos, com o ensino de 60 horas de economia marxista, fazer frente às 240 horas de ensino de micro-macro. Oslt, claro.

Da economia marxista, aprendemos que o mecanismo fundamental do funcionamento das economias capitalistas é a concorrência. E a própria palavra "concorrência", usada para traduzir o termo "competition" do inglês tem um bom pedigree, eis que acredito que os primeiros tradutores daqueles novos livros (diferentes dos franceses) que nos chegavam lá pelos anos 1950s para o ensino introdutório de economia eram, eles próprios, comerciantes, banqueiros, ou, no dizer moderno, empresários. Mas muita gente passou a associar a palavra "concorrência" com uns riscos num pedaço de papel ou em giz no quadro-negro. E passou a odiá-la, como se odeiam as disciplinas ensinadas sem amor. E o amor vem quando passamos a entender que modelo é uma simplificação da realidade e, portanto, um modelo não "espelha" a realidade, que é  alta e proibidamente incapturável pela mente humana. No caso daquele por muitos desprestigiado modelo da "concorrência perfeita", o que ocorre é que a maior previsão dele é absolutamente a mesma da economia marxista: no longo prazo preços e custos tendem a igualar-se. É a lei da concorrência!

Eu, felizmente, desqualificado intelectualmente para voos mais interessantes, já fui logo misturando tudo o que estava aprendendo. Como disse o prof. Flávio, em um daqueles momentos de bondade com relação a minha pessoa, valorizo tanto "marginal" quanto "mais-valia". A verdade é que dificilmente terei lido algo que não tentei encaçapar naqueles outros milhares de algos que vão crescendo em minha cachola. No caso, pensei que "se tem concorrência num mercado e em outro mercado e em um terceiro, tem que ter um concorrencião valendo para todos os mercados." Depois vim a entender (pois não cheguei a aprender isto na faculdade, mas apenas dois ou três anos depois já estudando em nível de pós-graduação) que falávamos de equilíbrio geral. E que sobre essa minha constatação juvenil poderíamos acoplar uma teorização adulta: a teoria do equilíbrio geral. Esta, também a meu ver, tem como precursores Marx (1818-1883) e Walras (1834-1910) e depois, meus dois grandes ídolos Wassili Leontief (1906-1999) e Richard Stone (1913-1991), fazendo-se suceder por Andrew Brody (nome original em húngaro é algo como András Brody. Achei isto aqui, que nem fala no livro difícil para mim, mas que tanto estudei que cheguei a adorar, seu "Proportions, prices, and planning", eis que cheguei a ele na frenética busca do entendimento do sistema de preços do modelo de Leontief. E ganhei muito mais que apenas isto, permitindo-me também eu endeusar aquela viagem de "marginal" e "mais-valia").

Pois então, quando começamos a modelar coisas na linha desses gigantes do pensamento econômico (expressão que copiei e Maurício Coutinho), parece óbvio que estamos pensando que o sistema econômico em que vivemos é mesmo esse de carne e osso e que, no final do dia, todos os mercados, os milhões de mercados que abriram de manhã e encerraram no final da tarde (e todos os que abriram de noite e não fecharão de manhã, mas -bem atijolados- podem ser pensados como tendo um horário de fechamento de balanço), todos os balanços dessa turma toda, mostrou que tudo o que foi vendido igualou tudo o que foi comprado. Esta dualidade básica da vida econômica é desprezada por muitos economistas -insiro o termo agora- heterodoxos, inclusive alguns que entendem aquela "economia política" como "economia marxista".

Então: pensarmos num mundo de miríades de mercados que se mexem em torno de miríades de posições de equilíbrio, com alcances parciais e fugas obrigatórias, coloca-nos ao lado dos gigantes, deixando de lado talvez alguns outros gigantes, mas muito -muito, muito, muito- pigmeu. Pois.

Pois voltamos a Kenneth Arrow e à publicação de Flávio Comim. Eu, que falara em equilíbrio geral e na "economics of learning by doing", omiti a contribuição sobre os mercados de seguros. Mas talvez seja a mesma contribuição da própria teoria do equilíbrio geral (e nem falei nos modelos de equilíbrio geral computável, que seguem Walras, Marx, Leontief e Stone, além do "jovem" Leif Johansen) que me leva ao que considero a mais revolucionária de todas as formas de criarmos utopias sobre um futuro humano mais igualitário. Primeiro, falei que o capitalismo acabou há mais de 15 dias. Segundo, Fernand Braudel disse que a instituição mercado é uma curva envoltória de vários sistemas econômicos, culminando com aquele que acabou há mais de 15 dias, o sistema que o sucedeu e o que sucederá este em que vivemos e o que o sucederá, se não houver contratempo. Se fugirmos do planeta antes do colapso do sol, aquelas coisas de bar e de hospice.

Então, pois então. Kenneth Arrow disse que podemos conceber mercados inclusive para transações que apenas vão ocorrer no futuro. A mais óbvia destas é o risco: pode ser que minha casa pegue fogo daqui a 24 dias. E faço um seguro, a fim de -caso esta baixaria ocorra- volte-me algum dinheirinho, de sorte a permitir-me fazer outra. E podemos pensar em outras, com dificuldades que podem ser superadas, como o mercado de seguros fez para o risco moral (franquia) e a seleção adversa (carência). E fará outras, por exemplo, um seguro contra o desemprego, outro seguro contra a intensidade com que nos dedicamos ao trabalho, um seguro contra escorregão em casca de banana daqui a 24 anos, e por aí vai. Seguros para tudo, seguros contra ofensas no ônibus, contra bolada na praia, contra cachorro-quente estragado, contra cachorro-vivo mordedor, tudo o que podemos imaginar, mais nave que empaca na hora de abandonar o planeta, sei lá.

Será que Braudel tem razão? Será que Arrow tem razão? Será que tenho razão? Sim, sim, sim.

DdAB
 Quem tiver interesse em seguir nestas minhas viajações pode procurar no motor de busca de meu blog o próprio nome de "Arrow", que tem coisas interessantes para o clube dos igualitaristas.

21 fevereiro, 2017

Uma Fila de 50 Anos


Querido diário:

Ao voltar de minha estada de cinco anos na Inglaterra, cheguei à Rua Demétrio Ribeiro, em Porto Alegre, com ganas de contribuir para a articulação das ações comunitárias. Deparando-me com filas enormes nos bancos, e conhecendo aquela praxe inglesa de não deixá-las crescer, convocando mais funcionários que -otherwise- estariam fazendo serviços administrativos, escrevi a cartinha que segue, endereçando-a a um gerente. Não lembro se a remeti.

Gerente.001
Prezado Gerente:
Dei-me conta de ter ido um pouco além de minhas chinelas, ao sugerir que posso pensar por ti o que fazer para resolver o problema das filas nos bancos do país. Meus primeiros pensamentos são óbvios: estudar matemática, pois sempre que não sabemos o que fazer, é bom estudar algum teorema que nos dará a resposta. Fácil, não? A questão consiste em criar uma forma de não considerar a afluência de público um mal e sim um bem. Ela tem que reverter para fortalecer as relações bancário-cliente e não enfraquecê-las, fortalecendo apenas o lucro do banqueiro.

Nosso problema tem uma formulação matemática tradicional, chamada de teoria das filas. A essa teoria voltarei abaixo. Por enquanto, preciso dizer outras coisas, para qualificar o que quero dizer. Primeiramente, não sou contra seu, ainda que considere que toda a atividade bancária deveria ser estatizada, ou pelo menos o setor público deveria controlar a toda. Com isso, evitaríamos, por exemplo, as contas-fantasmas, que tanta dor de cabeça deram (e espero não deem mais) a nossa sofrida república. Evitaríamos também, como fui testemunha ocular anos atrás, que um gerente de banco privado envolvesse todo o sistema financeiro nacional em uma fraude de proporções, feliz ou infelizmente, tão pequenas que tal sistema não foi abalado, mas a fraude durou alguns meses.

Na verdade, como professor universitário, imagino que recebo um tratamento bastante inferior ao que este banco dá a seus próprios funcionários. Por exemplo, com o que ganho, não tenho a menor possibilidade de ser um cliente especial, eu que me tenho em tão alta conta. Com efeito, para elevar-me também aos olhos de seu banco, eu precisaria de uma caderneta de poupança com um depósito de cerca de três vezes o que ganho em um mês. Não quero, com isto dizer, que sou inferior (nem tampouco superior aos funcionários). Talvez a oportunidade me permita dizer que ouço a queixa de alguns segmentos da sociedade de que os funcionários do banco ganham remunerações extremamente mais elevadas do que as dos demais funcionários públicos (meu caso) ou de bancários privados. A esta queixa, minha resposta vai até certo ponto em favor dos funcionários dos bancos estatais: não são vocês que ganham muito, e sim os bancários do setor privado e eu que ganhamos pouco. Ademais, acredito que se a sociedade organizada desejasse sinceramente fazer algo contra as remunerações excessivas de quem quer que seja (e.g., empresários privados, marajás, políticos, e por aí vai), esta atuaria no sentido de reduzir-lhes os ganhos via imposto de renda e não de uma campanha de redução de salários e vencimentos.

Passemos novamente à questão das filas, sem entrar, ainda em sua teoria. Acho que vocês têm em comum com os demais membros da classe trabalhadora do país alguns interesses. Um deles, que acabaria com filas, mas que aparentemente está fora de seu, Sr.Gerente, controle imediato, consistiria em lançar uma campanha tipo: Bancos 12 horas, por oposição à já existente do Banco 24 horas. Isto quer dizer: se os bancos estivessem abertos ao público por 12 horas, talvez as filas se diluíssem naturalmente: a fila do horário da abertura às 10h da manhã, e outras filas localizadas.

Com isto, ganharia a sociedade brasileira um número bastante expressivo de novos empregos, ela que tanto se ressente de volumes verdadeiramente estonteantes de desempregados. Não creio exagerado otimismo pensarmos em que diretamente haveria mais entre cerca de 50-75% de empregos, o que significaria um número expressivo de pessoas passando a dar contribuição muito mais digna para a geleia do trabalho social. Esta campanha, acredito, não seria muito difícil de V.S. tentar passar a seus colegas bancários, via sindicato ou outra instituição similar.

Em qualquer caso, acredito que haveria filas localizadas em momentos de pique. Vislumbro como períodos de pique algumas horas do dia, (e.g., a hora do lanche dos demais trabalhadores, o dia da folha de pagamento de uma instituição com um número enorme de funcionários, o último dia do prazo para o pagamento de um imposto, etc.). Para tratar delas foi que me dirigi a V.S., por estar inconformado com a perspectiva de perder cerca de meia hora de meu dia à espera, quando havia sete guichês de caixas ociosos. Acho evidente que, se trabalhassem, digamos 12 caixas abertos durante as 12 horas do dia, não haveria filas e, ao contrário, haveria muita ociosidade em várias delas. Isso pode ser calculado: quantas pessoas um funcionário-caixa atende, quantos minutos leva-se para dar vencimento a uma fila de cinco metros, etc.

Naturalmente, a fila de cinco metros seria exaurida em segundos se tivessem afluído às sete caixas vazias sete funcionários treinados, de modo que estes poderiam estar fazendo serviços internos na maior parte do tempo, sendo chamados para o atendimento emergencial sempre que a fila atingisse, digamos, 1.2 metros.

Acredito, mesmo, que um indicador importante da performance bancária deveria ser precisamente o tempo de espera nas filas, sendo considerada má performance algo em torno de 2 ou 3 minutos. E bancos que não conseguissem oferecer isto a seus clientes deveriam ser penalizados pela sociedade, de modo que seu lucro (praticamente financiado pelo tempo dos clientes que o perdem em filas) seria transferido a mais trabalhadores via empregos ou a consumidores via redução de tarifas (e.g., emissão de cheques, emissão de extratos de contas, etc.).


Temos ainda a questão das externalidades: se todo o sistema funcionar melhor, e.g., os cheques forem compensados no dia do lançamento, mais pessoas vão usar cheques e menos pessoas virão ao banco. O mesmo com usar mais o correio para valorizar a questão de pagamentos de contas de pequeno valor com cheque pelo correio e não no banco, etc., e particularmente, os de luz, telefone, etc.

Fim da carta ao banco.

DdAB
P.S. Também pensei em outras iniciativas:
.a campanha com a indústria de alimentos para tirar o açúcar e reduzir a gordura, e informação ao consumidor.
.b botar todo este tipo de correspondência e assemelhadas em um mural de meu edifício.
.c fazer uma campanha pela moralização do trânsito (maus motoristas, maus automóveis, má sinalização, má fiscalização e más ruas e estradas).
.d fazer uma campanha promocional para montar uma carrocinha de cachorro-quente com distribuição gratuita aos interessados, especialmente direcionada para as populações despossuídas.
.e por analogia, se houver sucesso, expandir para:
Campanha de Guerra à Fome e Pobreza. Brigada Militar mobilizada para alimentar, nutrir e criar condições higiênicas de habitação.

P.S.S. A imagem é daqui.

20 fevereiro, 2017

Alvíssaras, ainda que no singular


Querido diário:

Eba! Mudanças nas regras da aposentadoria não precisarão mais ser tão drásticas. A capa do jornal Zero Hora anuncia que "violência reduz expectativa de vida em 2,7 anos".
Eita mundão bem bão.

DdAB

17 fevereiro, 2017

Indústria: 70 a um


Querido diário:

Recebi este estonteante clip sobre os 70 x 1 que a Alemanha nos aplica nos dias que correm. E daí? Este é um dos exemplos que costumo dar sobre o delírio industrializante que tomou conta dos dirigentes brasileiros. Pensam que tratores podem construir engenheiros. Eu costumava falar no Starbucks, uma rede voltada a comercializar café acabado e laterais. E hoje em dia falo no Uber, no Facebook, no Google: será que nunca, nunca de núncaras, um brasileiro -tosco e bizarro como somos- vai inventar um troço destes? Education, education, education.

DdAB
Postagem duplicada do Facebook. O aspecto interessantemente trágico da história é que, digamos, nos anos 1950, o Brasil poderia ter adotado a estratégia alternativa de investir mais em seu agronegócio, educar sua população, etc. Depois disto, já consolidados os monopólios alemães e italianos de aquisição do café brasileiro, ainda sobrou espaço para agentes criativos, tanto é que os americanos fizeram a rede Starbucks (aqui). E daqui a mais 60 anos? Claro que ainda não inventaram nada, mas -se inventarem- será que o Brasil terá força para ser ele próprio, ou seguir sonhando em produzir aviões e telefones, deixando escoar-se toda oportunidade originária do agronegócio? Também já avisei que temos os dias contados, pois no dia em que a água do mar for dessalinizada, adeus Deserto do Saara e adeus verduras e flores da América para a Europa: custos de transportes, lei do preço único.

14 fevereiro, 2017

Industrialização e a Desigualdade Brasileira


Querido diário:

Não se vão muitos anos na contagem regressiva, no tempo em que o prof. Adalmir Marquetti era presidente da FEE, a seu convite, participei de um seminário sobre industrialização, ou desindustrialização, sei lá. Tentando centrar minha análise "na vida como ela é", busquei um referente no tipo ideal de um menino de rua, mais carente de educação (alimentação, uniforme, psicólogo, professor, caderno, ônibus, etc.) do que de um daqueles empregos que alegadamente são criados para gerar renda. Pois um amigo que faleceu pouco tempo depois do épico evento achou esdrúxulo que um professor doutor PhD, especialista em economia industrial e economia do insumo-produto, não tivesse um filão mais nobre em que centrar a falação.

Pois não é que não é que Jessé Souza permitiu-me ler a página 52 de seu livro

A tolice da inteligência brasileira; ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: LeYa, 2015.

E que li? Vai lá, Jessé:

   "O que queremos neste livro e neste esforço é precisamente articular as ideias força, ou seja, as ideias que s tornam vida prática da sociedade brasileira contemporânea. A 'sacada genial' de [Sérgio] Buarque [de Hollanda, no livro "Raízes do Brasil"] de constituir uma visão de mundo liberal-conservadora - posto que esconde as verdadeiras razões da desigualdade e da injustiça social - com a aparência e o 'charme' de uma suposta crítica social é a ideia-força mais importante para o entendimento da manutenção da desigualdade e da injustiça social. Afinal, a injustiça flagrante dos privilégios que se tornam permanentes tem que ser, na sociedade capitalista que 'diz' ter acabado com todos os privilégios de nascimento, 'legitimada' para que possa se reproduzir.
   "Essa legitimação tem de esconder o mundo social injusto como ele é, se possível, ainda 'deslocar a atenção' para aspectos falsamente importantes - ou, pelo menos, de importância secundária com relação às questões mais importantes - de modo a perceber o mundo social escondendo o essencial e enfatizando o secundário. [...]".

Aqui temos -mutatis mutandis- que "a luta pela industrialização" (título de um livro de história econômica muito popular há 30 anos) esconde "as verdadeiras razões da desigualdade e da injustiça social", que -a meu ver- pouco ou nada têm a ver com os atropelos que vive o setor industrial numa economia fechada como a brasileira. Por isso, entendendo que o foco deve ser "a condição da classe operária no Brasil" e seu artelho representado pelo lumpen-proletariado. Centralizar minha preocupação no menino de rua é muito mais "economia política" do que economia industrial ou economia do desenvolvimento.

Ou seja, Jessé Souza está sugerindo que as explicações (na verdade, Buarque, Raymundo Faoro -no mesmo capítulo- e Roberto da Matta no seguinte) estão evadindo a questão central, nomeadamente, a manutenção da desigualdade e da injustiça social. Quando vejo que vai-se falar em financiamento governamental da industrialização, voltado à geração de "emprego e renda", invariavelmente já vou espichando a mão para meu copo de cachaça. Para uma expressiva fração dos economistas de esquerda, não há evidência que os faça repensar a encrenca toda, o que apenas uma meia dúzia já fez. Primeiro, desde o artigo "Possibilidades Econômicas de Nossos Netos", de John Maynard Keynes, temos até o nome para a hidra: desemprego tecnológico. Mesmo que tenha havido e venha a haver períodos de excedentes de demanda por trabalho, a dura realidade é mesmo o desemprego crescente da mão-de-obra em todo planeta. Segundo, mesmo que houvesse demanda por trabalho, como é que um povo analfabeto iria atender o chamado desses empregos modernos sinalizados por baixa produtividade? Education, education, education. Terceiro, a "abissal desigualdade" (Jessé, página 53, in fine) guarda no bojo de seu combate uma estratégia mais realista: "para longas caminhadas, pequenos passos." O que eu acho é que, ao invés de nos iludirmos com a quimera da "ascensão ao primeiro mundo" devemos é nos compungir com esse estado de coisas e paralisar o país, como é possível no impacto, mas imitando a forma dos movimentos chineses (Grande Salto Para Frente e Revolução Cultural) e começar a cuidar da educação, do saneamento, da moradia,

Constatar a existência da corrupção de agentes públicos (e obviamente de corruptores "do mercado"), não nos impede de vislumbrar um papel central para o governo voltando-se à realocação dos recursos (tributos e crédito) para a formação de capital humano e social. Pois a questão central é que, mesmo que o Brasil tenha "fechado um parque industrial" de modernidade média, seu crescimento extensivo (mostro isto em minha tese de doutorado) pré-1980 e rastejante, desde então, não poderia ter sucesso com uma mão-de-obra de tão baixo nível de treinamento. Se a Nissan processava um milhão de sugestões de melhoria do serviço (cf. a biografia de Akio Morita), o trabalhador brasileiro mal sabe escrever e a empresa local não teria a menor capacidade de processar tanta informação.

DdAB
Imagem aqui.

13 fevereiro, 2017

Industrializar ou... Desenvolver


Querido diário:

Ontem, falei que estava lendo "Furacão Elis", que estamos em falta de quem fabrique um hino que sirva para tirar o Brasil do impasse em que o vemos. Mas eu não tenho nem mesmo uma palavra de ordem: nem "Fora Temer", nem -menos ainda- "Fica Temer". Quero "nem paz nem guerra", como Trotsky e outros revolucionários russos negociavam com os alemães no final da I Guerra Mundial.

E ontem mesmo Maria Gloria Leal falou gostar de coisas que escrevo. Pois bem, escrevi acima, mas acho que ela gosta mesmo das viajadas literárias. Pois bem, agora vai outra, agora em instantes. Acabei de ler o citado livro de Elis Regina e o de Jessé Souza (ainda falta-me coragem para ler aquele da ralé brasileira, parece que ele quer que, antes de começarmos por ali, leiamos outras milhares de obras suas). Estou lendo Tolstói, com a morte do jovem Ivan Illicht. Em compensação, começando a ler:

SANTIAGO, Silviano (2016) Machado. São Paulo: Companhia das Letras.

Estamos no ambiente em que o prefeito Pereira Passos e o engenheiro Paulo de Frontin estão botando abaixo meia cidade, para construir a Avenida Central (hoje, sabe-se lá o nome, Av. Brasil? Corina Dick saberá?). Nas páginas 26 (in fine) e 27 (caput), encontrei:

"Os vendedores de jornais e de bilhetes de loteria se misturam às cadeiras de engraxate e aos balcões de vender bicho. Cada um e todos gesticulam como loucos de hospício e apregoam aos gritos a mercadoria que lhes traz moedas e sustenta as famílias."

Pois tem muita coisa: é a vida no Largo da Carioca. Não menos de 20 anos do final da escravatura, pois Machado ainda estava vivo, no fim da vida, ou quase. Pois é a massa de trabalhadores informais, ex-escravos ou não. E que ficou por aí mesmo, vendendo milho verde, alugando cadeiras de praia, enquanto que os suecos, suĩços e eslovacos estão noutra.

É aquele Brasil que deu tanta alegria a tantos contemporâneos nossos (e até eu, antes de meu 'heureka'), por ter iniciado seu processo de industrialização com o capital governamental nacional, ou seja, o nacional-socialismo. Aqueles rapazes vendedores de bilhetes, se tivessem sido jogados aos cuidados do engenheiro, teriam sido transformados em tratores...

Ou seja, o que faltou mesmo, desde aqueles tempos, foi educação. Imagina se, despido da mania de industrializar-se, que se tornaria uma doença a partir de Raúl Prebish lá no início dos 1950s, tivesse virado, por exemplo, para uma rede ferroviária federal, de norte a sul, de leste a oeste, de pontos colaterais... O 'pobrema', diria Cristina Kirschner é que não deveríamos importar nem um prego. Aí é que começam os problemas. E para que exportaríamos?

DdAB
P.S. Todo o texto veio do Facebook, exceto os dois parágrafos finais.

12 fevereiro, 2017

Brasil 2017: Elis, Henfil, Bêbados e Equilibristas


Querido diário:

Pois então. Coloquei o que segue no Facebook há um par de horas:

Então. Acabei de ler o Jessé Souza's "A tolice da inteligência brasileira". Em compensação, retomei a leitura de
ECHEVERRIA, Regina (1994) Furacão Elis. Rio de Janeiro: Globo. 2ed. rev. aument.
Quase no final, mas parei para citar. Elis cantou nas olimpíadas do exército. Henfil "enterrou-a". Depois se reconciliaram, pois Elis gravou "O Bêbado e a Equilibrista", de Aldir Blanc e João Bosco.
Na página 118, lemos um encaixe do próprio Henfil, trecho da carta que escreveu "ao irmão do Henfil":
"Agora temos um hino. E quem tem um hino faz uma revolução."
Tempos atraś, lá no blog, sugeri que hoje em dia, no Brasil, estamos precisando de uma pessoa como a Elis Regina, que praticamente inventou, ajudada, claro, a MPB. Tem que surgir um hino com o simbolismo daquele bêbado e daquela equilibrista para dar um fecho nesta crise de mentirinha que vivemos por aqui. Tem que ter um verso contra a ladroagem. E outro contra a intolerância. E mais um contra o desmonte do estado de bem-estar social. Em outras palavras, é preciso que nossa revolução traga em seu bojo o compromisso com os menos aquinhoados.

DdAB

10 fevereiro, 2017

As Prisões e o Igualitarismo


Querido diário:

Andei falando pra cima e pra baixo no problema das rebeliões nas prisões brasileiras, novos carandirus, que marcaram o início de 2017: Manaus e Rio Branco e Natal. Mas haverá outras, quero dizer, talvez haja 'crimes menores', odiosos assassinatos ou tortura de presos, que nem chegaram a nosso conhecimento. Meu mote é que vejo colegas de esquerda, com posições um tanto diversas das minhas em muitas áreas, mas companheiras/os de fé em tantas outras, contestando a produção privada de certos bens públicos (isto é, aqueles cuja provisão é impossível de ser feita pelo mercado, como é o caso da justiça, das amenidades ambientais, e por aí vai).

Penso que... Bem, nem preciso pensar, pois já me tornei fã do escritor Ismael Canappele, que vive por aqui e que leio às vezes no caderno PrOA do jornal Zero Hora. Se bem entendo, ele está escrevendo um romance em fascículos. Na edição de 8-9 de janeiro, o capítulo/crônica intitula-se 'Sozinha na Praia' e conta a história de uma garota que evadiu-se de Porto Alegre para a praia, na busca da solidão para cercar sua entrada em 2017:

[...]
Claro que a família estranhou o meu desejo de ficar só. A função da família é estranhar. Logo depois da meia-noite, um ex me manda mensagem desejando paz em 17. O cara até que tinha pegada, mas quando capitaneou manifestações pró-golpe chamando Dilma de 'vadia', eu simplesmente não consegui mais. Lhe respondo desejando autocrítica, mas não envio a mensagem. Penso na autocrítica que a esquerda vem sendo obrigada a fazer publicamente, e me pergunto o que significa ser de esquerda hoje. Me pergunto se eu mesma sou esquerda hoje.
[...]

Mesmo antes de me identificar com a garota que não gostou de ler gente chamando Dilma Rousseff de 'vadia', ou melhor, identificar-me com a crônica de Canappele, eu já lera o editorial do primeiro caderno do jornal e, a sua direita, o artigo de Céli Pinto. Falo da página 22 desse jornal de sábado 8 e domingo 9 desse indigitado mês de janeiro deste ano bom de 2017. Dialeticamente, Céli, na direita, ocupa a posição de esquerda e Zero Hora, à la gauche, está inclinada para a direita. Ambos, à direita e à esquerda, preocupam-se com os massacres que estão na moda neste verão nas prisões brasileiras.

Mas a dialética mais vibrante foi-nos ensinada por Caetano Velloso ao falar do avesso do avesso do avesso, ad eternum. Então. Vejo pontos de um ideário esquerdista no artigo da esquerda, digo, no editorial de Zero Hora e ideário arcaico no que leio da professora de história da UFRGS (mas notável nos círculos a que tenho acesso por sua militância na pesquisa acadêmica da ciência política).

Ponto liminar é o que diz respeito ao próprio instituto da prisão. Raramente penso ou falo nisto, embora já tenha alguns escritos a respeito. Sou mais habituado a falar do trio criança-criminoso-louco, de quem reconheço que a sociedade deve retirar certa autonomia decisória. Quanto aos criminosos sem total autonomia decisória (por ser parcial a autonomia, por exemplo, entendo que devem reter o poder de escolha de muitas de suas prerrogativas sociais, que não vou enumerar por óbvias), vejo-os, claro, com um bom número de movimentos vigiados. E aí começa o assunto: vigiados por quem? Imagino que pela família, pela comunidade, pelo mercado ou pelo estado. E penso precisamente nesta ordem lexicográfica. Por que não deixar um réprobo aos cuidados da própria família, como a chamada prisão domiciliar com que são agraciados os figurões ladrões? Ganharíamos, de quebra, alguma supervisão comunitária à família, para garantir bons tratos ao parente, prestação de contas do dinheiro que lhe seria passado para exercer essas funções de cercear a liberdade do filho dileto, da filha intelectual ou do avô cachaceiro.

Se o assunto é um pouco mais sério, por que não submetê-lo (ao infrator) a sanções comunitárias, devidamente aplicada por meio de julgamento justo? Nem estou afirmando que este julgamento justo precisa ser presidido por um funcionário público, notou? Hoje em dia, entendo que a instância superior da vida societária é mesmo a comunidade (no Brasil contemporâneo sendo de uma fraqueza de doer, sindicatos ladrões, padres pedófilos ou achacadores, clubes corruptos, etc.), responsável pela manutenção da família, do mercado e do estado. Em particular, o estado é meu grande suspeito, dadas as tropelias do socialismo de estado (que andei lendo que uma aproximação foi o nacional-socialismo alemão e com outras derivações desde o stalinismo às dinastias comunistas da Coreia e de Cuba). Mas também carrego estrondosas suspeitas sobre o mercado, bastando citar o que fazem com os consumidores as empresas permissionárias dos serviços de telefonia. Ou uma enorme quantidade de empresas que pratica preços de monopólio ou ainda faz conluio com seus assemelhados, em detrimento dos interesses dos consumidores. E as práticas criminosas de muitas, como a adulteração de alimentos ou a falsificação de exames de emissão de poluentes em automóveis nos países capitalistas avançados.

Tenho amigos que expressam preferência absoluta pelo estado como instrumento de agregação das preferências sociais, em detrimento do mercado e nem levam em conta as possibilidades comunitárias, como é o caso da retenção de prisioneiros. Tendo-os como portadores de absoluta boa fé, penso que a melhor sina que pode tocar-me é mesmo que eles sejam os diretores gerais da coisa toda, pois temo que outros processos de escolha poderiam desfavorecer-me em dimensão absoluta. Por exemplo, já imaginaste se faço minha carreira como professor de economia política na Coreia do Norte, ou na Iugoslávia, ou na Albânia, na União Soviética, na Venezuela? Prefiro mesmo esses amigos que acham possível uma instituição do estado do jeito como a anteveem, pois estou certo de estarem absolutamente contrafeitos com os rumos que o socialismo de estado assumiu nos locais que citei, e muitos dos que omiti, talvez todos. Insisto: estado como "espírito encarnado" só mesmo se for dirigido por meus amigos, que são aqueles em quem confio absolutamente. Outros dirigentes, ungidos pelo processo político brasileiro convencional (voto obrigatório e proporcional, por todos os demônios do inferno) só pode gerar uma administração demoníaca. Como não deixar de sofrer se, especialmente no Brasil contemporâneo, temos Aécio Neves dando as cartas e Michel F. Temer jogando de mão?

Tanto amo a ideia de se "substituir o governo dos homens pela administração das coisas" que vivo propagandeando-a. E vim a aprender que minha memória falhou quando a atribuí a São Karl Heinrich Marx, parecendo-me agora que sua lavra é do socialista (chamado por Marx de ) utópico e nobre Saint-Simon. Mas ela é boa, de qualquer maneira, e em muito boa medida, meu ideal, pois administrar coisas, no devido tempo, poderá ser uma atividade absolutamente delegada às máquinas. Voltando a recitar Marx, parece que o lado alegre do capitalismo é mesmo incentivar (eu diria mesmo forçar) a substituição do trabalho vivo (humano) pelo trabalho morto (máquinas, cristalização do trabalho vivo). E tem mais, Marx lá no opúsculo chamado de "Crítica do Programa de Gota", fala na criação de condições para que os produtores independentes sejam livremente associados (quer ir a Gota? Siga o mapa lá de cima).

Pois até aí: tem gente de esquerda que não vê como supremo ideal humano a busca da liberdade humana (a maior liberdade possível compatível com a dos demais, o que me retira o direito de ter escravos ou alagar os apartamentos de baixo do meu com um cano d'água furado). É por colocá-la no topo da lista que vivo dizendo tanto admirar o conceito de justiça de John Rawls.

Não podemos esperar do mercado o que ele não pode dar. Ele não provê bens públicos, ele não dá comida grátis. Ele dá outras benesses à sociedade, inclusive a oferta de drogas ilegais, por exemplo, e talvez no caso estejamos falando em "malesses", mas o mercado vence barreiras espantosas. Quantas vezes já falei que a lei da oferta e procura é mais imponente que a lei da gravidade? A primeira mantém aviões voando, ao passo que a outra não consegue nem mesmo mantê-los em terra. O que podemos esperar, voltando ao tópico da fome, é que outra instituição (estado, comunidade) se encarregue da provisão de alimentos, no caso. A questão da produção é que pode ser delegada a qualquer dos componentes do trio.

Tampouco podemos esperar do estado o que ele não pode dar. Volta e meia, reclamo de colegas militantes da esquerda que tratam a teoria da escolha pública com desdém. Ao fazê-lo, eles negam as falhas de governo, sendo a mais flagrante delas a facilidade com que agentes públicos são corrompidos pelos demais atores de uma sociedade. Um exemplo de tráfico de influência marcou-me precisamente quando eu começava a aprofundar os estudos desta teoria, iniciado que fui pelo prof. Eugênio Cánepa, lá pelos idos de 1985. Era o governo Sarney, havia congelamentos de preços, havia importação de produtos alimentícios estrangeiros, havia escassez de alimentos em alguns pontos. Pimba: um deputado de Goiás, dono de silos alugados ao governo para que este armazenasse os cereais de sua propriedade, pressionou quem "de direito" para importar os tais grãos de São Paulo e deixar seu silo com lotação plena, pois sem ela não iria receber o aluguel.

Então volto ao editorial de Zero Hora que, pela dialética das dialéticas, esposa alguns pontos comuns com minha forma de ver o mundo. Por exemplo, "É simplório e oportunista atribuir a barbárie de Manaus à gestão privada, pois os presídios públicos do país, na maioria superlotados e em condições degradantes, registram com indesejável frequência motins, conflitos entre detentos, ingresso de armas e celulares, e até maus-tratos aos apenados por parte de agentes penitenciários." Mas torna-se claro que sua visão de direita de todo o processo passa a dar as cartas. Por exemplo, o editorial diz "A privatização de presídios e a terceirização de serviços penitenciários têm exemplos positivos e negativos em vários países, mas é inquestionável que tais recursos se tornam necessários em momentos de crise como o que atravessa o Estado brasileiros atualmente." Eita, Zero Herra, já meteu um erro de concordância nominal... Mas o problema é "maior", pois a crise fiscal se resolve com redução de gastos vergonhosos e elevação do imposto de renda. Além disso, o problema da provisão pública e produção privada não deveria ser apenas um artifício para debelar a crise de omissão do estado no trato das questões momentosas da vida nacional. Quero dizer, o problema central do Brasil é a desigualdade, em boa parte embalada na omissão e incompetência do poder judiciário, a impunidade e o mau exemplo de organizar-se como estamento interessado em salários (e vantagens correlatas, como o auxílio moradia, o vale alimentação) milionários.

Pois agora faço um ou dois comentários sobre o artigo da profa. Céli Pinto, "O massacre de Manaus". Parece-me que a professora é porta-voz de alguns pontos de vista daquilo que andei chamando de esquerda arcaica. Apoiando-se em Max Weber para delegar ao estado o "monopólio legítimo da violência", prossegue sustentando que "[o estado] é o único que pode regular democraticamente as relações sociais quando elas chegam ao limite de tirar a liberdade de seus cidadãos." Aí é que está: tenho razões para crer que o estado reflete em muito maior grau o poder e os interesses da classe dominante do que da sociedade como um todo. O próprio mercado, em muitas circunstâncias pode ser um freio razoável às arbitrariedades praticadas por governantes (estado), ao passo que o verdadeiro contraponto é a comunidade organizada. Ela prossegue "[... o massacre de Manaus] é um alerta para que o entusiasmo liberal para entregar as funções precípuas do Estado para a iniciativa privada seja pensado seriamente." Naquela via de argumentação que aprendi com Stephen Hymer, eu diria que também entregar as funções precípuas da comunidade (como por exemplo cuidar de réprobos que são moradores locais, confinando-os em pequenas unidades) e tudo deve ser pensado seriamente. Inclusive devemos pensar em formas de promover a ação comunitária e esvaziar as prerrogativas exclusivas do governo, pois queremos substituí-lo pela administração das coisas, não é mesmo? Ela conclui: "Não podemos confundir a desorganização do Estado em um dado momento com a negação de suas funções fundamentais." Pois este é que é o ponto: quais são as funções fundamentais do estado, isto é que é o objeto da discussão e não deve ser considerado um pressuposto. De minha parte, penso que as funções fundamentais do governo são a provisão de bens públicos e de mérito. Talvez até devesse acrescentar que sempre tentando delegar a produção em maior escala possível para a comunidade: prisões, escolas, hospitais, cuidados com a mata ciliar, cuidados com crianças e velhos, esse negócio todo.  Voltando à crônica de Ismael Canappele, e o apelo da garota na praia para reavaliar a esquerda, tá na hora de repensarmos as funções fundamentais da esquerda. Eu tenho dito que é

.a luta pela implantação do governo mundial
.b voto universal, secreto, facultativo e distrital (com recall) e
.c república parlamentarista.

Um outro mundo é possível.

DdAB
P.S.: Botei lá em cima o mapa da cidade de Gota para quem quiser ir lá ver o programa do ancestral do partido social-democrata alemão.

04 fevereiro, 2017

Eu e Robert Owen


Querido diário:

Quem ainda não olhou a lapela de meu blog? Rememoro (epa, relembro, pois "rememoro" lembra "moro" e, como sabemos,"juiz moro" é "oximoro), copiando e colando:

_1 três horas de ginástica por dia (para manter a coluna ereta),
_2 três horas de aula por dia (para manter a mente quieta) e 
_3 três horas de trabalho comunitário por dia (para manter o coração tranquilo).

Ainda em meus tempos de Jaguari, tentando inculcar alguma polidez uns nos outros, se alguém ouvisse outro alguém dizer "Eu e Robert Owen", comentaria "o burro vem sempre na frente". Então brinquei com o passado, mas chamando a atenção para a coincidência da legenda budista que incorporei -mutatis mutandis- na lapela do blog e o que acabo de ler na página 224 de

HARVEY, David (2013) Para entender o capital; Livro I. São Paulo: Boitempo. Tradução de Rubens Enderle.

Abre aspas, que cito o Harvey que cita o Marx que cita o Owen:

"[...] podemos ver em detalhe na obra de Robert Owen, brota o germe da educação do futuro, que há de conjugar, para todas as crianças a partir de certa idade, o trabalho produtivo com o ensino e a ginástica, não só como método de incrementar a produção social, mas como o único método para a produção de seres humanos desenvolvidos em seus múltiplos aspectos. (554)"

Que mais posso dizer? Quatro budistas (Owen, Marx, Harvey e Bêrni). E ainda que esse '554' é a página do volume 1 d'O Capital da própria editora Boitempo. Mas não pude conferir, pois encontro-me distanciado de meu exemplar da obra exemplar.

DdAB