25 dezembro, 2016

Um Papai Noel Esquerdista


Querido diário:

Uma das tragédias que rendeu mais divertida a piada que vi em 2016 foi a que nos ilustra lá em cima. Ontem postei-a no Facebook, com a legenda:

Amadas/amados amigas/os: esta radiografia do Brasil/2018 foi enviada para mim. Estou no facebook a partir do celular, o que me faz ainda mais vacilante sobre a qualidade com que o algoritmo reproduz meu desejo. No caso, achei o conteúdo super 2016 e o desenho do artista que desconheco e cuja assinatura não identifico simplesmente geniais.

DdAB
Pelo menos algum traço da imagem está aqui. Mais de 1,2 milhões de visualizações.

As crianças:
-Papai Noel, você nunca vai se aposentar?
Papai Noel:
-Nunca. Nem vocês.

22 dezembro, 2016

Farenheit e a Corja


Querido diário:

Ontem, ao ler o mural do Facebook de Roberto Rocha sobre o fechamento da FEE, a ocorrer em certo futuro próximo, vi a reprodução de uma postagem de Laura Hastenpflug Wottrich em que ela fala em "José Ivo Sartori e sua corja." E fiquei inclinado a aceitar o substantivo "corja" como um termo técnico para definir as forças da administração estadual que ditam os rumos do governo Sartori. Por coincidência, comentei uma postagem no próprio Facebook de Luiz Faria e depois acrescentei um trecho de Karl Marx de seu famoso livrinho "O Dezoito de Brumário de Luiz Napoleão". Trata-se daquele famoso texto que inicia dizendo

"Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa."

Citei uma edição eletrônica cuja referência nem tentei rastrear. Mas prometera e hoje cumpri a citação da Apresentação (que encontrei na edição da Editora Boitempo, a que não fala em "mais valia", mas em "mais valor", tradução ordenada pelos proprietários que só pode ser explicada pelo uso imoderado da cachaça...), ergo, anterior à "boutade" que acabo de citar e que tem atualidade complementar à da farsa que vivemos no Brasil contemporâneo:

   "Dentre os escritos que trataram mais ou menos 'simultaneamente' do mesmo assunto que o meu livro, somente dois são dignos de nota: 'Napoléon le petit', de 'Victor Hugo', e 'Coup d'état', de 'Proudhon'.
   "Victor Hugo se limita a invectivas amargas e espirituosas contra o responsável pela deflagração do golpe de Estado. O acontecimento propriamente dito parece ser, para ele, como um raio vindo do céu sem nuvens. Ele vê no golpe apenas um ato de poder de um indivíduo em vez de diminuí-lo, atribuindo-lhe uma capacidade de iniciativa pessoal que seria ímpar na história mundial. [...]"

Editando alguma coisa que lá escrevi, chamo a atenção para dois pensadores contemporâneos: Sartori e Temer. Qual o menor, qual o mais pernicioso para as comunidades que os cercam? A selvageria da corja de Sartori perpetrada com a conivência dos "representantes do povo" na assembleia legislativa é inversamente relacionada com qualquer resquício de racionalidade ou de bondade.

Então temos esclarecidos os principais personagens dos dramas federal e estadual: Sartori, Temer e suas respectivas corjas. E que é que segue a destruição da FEE? Ocorreu-me que, deixado aos cuidados da administração pública estadual, que não vê relevância na "economia e na estatística", o acervo de dados e publicações será irremediavelmente destruído. Maus tratos culminam com sumiço.

Neste clima lúgubre, veio-me à lembrança aquela temperatura de 451 graus Farenheit. No caso, quem não lembra do livro de Ray Bradbury e do filme de François Truffaut? Fiquei imaginando quanta informação guardada no mundo eletrônico ficaria por conta de cada trabalhador da FEE, buscando preservá-la da degradação que fatalmente a envolverá. E os livros, os cérebros, a 'expertise', as horas de estudo? O 'learning-by-doing', essa realidade das tecnologias apropriadas, tudo aquilo que parecia relevante há um ano deixa de ser prioritário. Agora a prioridade é acabar com a farra dos jegues do zoológico. E manter a farra das isenções fiscais, da sonegação de impostos estaduais, e especialmente a farra dos altos salários da corja.

DdAB
A imagem veio daqui. E se consigo dar boa tradução àquele delírio piromaníaco de Farenheit 451, dói-me vê-los dizendo: "Temos grande prazer em destruir".

P.S. de 26/dez/2016: Hahahaha. Ninguém notou que o diabo do 18 de brumário não é de Luiz Napoleão, mas de Luiz Bonaparte...

21 dezembro, 2016

Fechamento da FEE


Querido diário:

Não posso narrar com mais dor do que sinto em meu peito com o fechamento da FEE e de várias outras organizações da administração indireta do governo do Rio Grande do Sul. Falo da FEE como se fosse minha: meu primeiro emprego como economista, aliás, como estagiário que foi contratado assim que rolou a formatura, semanas depois do olímpico dia da quinzena final de outubro de 1972, quando a "equipe" (Cláudio Einloft, myself, Marilene Ludwig, Moema Kray e Rubens Soares de Lima) reuniu-se pela primeira vez, sob a coordenação de Rudi Braatz. Até 1987, quando se deu minha saída definitiva, que eu pedira demissão em 1977, voltando em 1981, fiz muita coisa lá dentro. E amigos eternos que hoje também choram este "malfeito" do governo estadual.
No mural de Maria Lúcia Leitão de Carvalho, dias atrás, havia um daqueles testes típicos do ambiente do Facebook. Estes testes deixam-me inquieto, mas às vezes não resisto e tento resolvê-los. Em particular, o que resolvi numa planilha LibreOffice/Excel, vai aqui como homenagem àquele grupo que cresceu vertiginosamente e gerou conhecimento e informação para uso das diferentes instâncias da vida societária do Rio Grande do Sul. A tarefa é colocar um número no lugar daquele ponto de interrogação. Na primeira tentativa, coloquei 96, quando já vira gente colocando 40. Mas tudo aquilo me levou a pensar que todos fizemos o salto indutivo criticado por David Hume. E finalizei dando um encaminhamento assemelhado àquele dado por Edmar Bacha e Lance Taylor na fábula do rei da Belíndia.
Nós, economistas, também éramos "tabeleiros", pois até as máquinas de calcular eram racionadas e precisávamos de papel para ir acumulando os cálculos. E tinha o folclore das tabelas enormes dos 232 municípios (eu disse '232'?, quanto cargo público desnecessário nessa ampliação para quase 500 de hoje) que eram tão mas tão grandes que eram chamadas de 'lençóis".
O que não sabíamos era que, vencida a ditadura militar, as ameaças "saneadoras" dos projetos reacionários locais iriam concretizar-se de modo letal. E, por falar em Belíndia, haverá algo mais "Índia" que esta administração estadual e, by the way, da federal? Já referi ter sido enganado por mestres e amigos que, no final de minha adolescência, acenavam com um país decente em minha vida adulta. Pois esta chegou e passou e passei a acenar "como pobre papagaio" a alunos e amigos com o desenvolvimento econômico. E, na velhice, entendi que eu também enganei-os, pois o que vivemos aqui não pode ser chamado de país desenvolvido, ao contrário. Vivemos na lama e não vejo saída para este país de desenvolvimento institucional precaríssimo.
DdAB

Responsáveis diretos pelo fechamento: Carlos Búrigo, Cleber Benvegnú, Márcio Biolchi, assessores do governo sartori.

Comentários lá no Facebook:
Comentários
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Roberto Rocha Havia mais futuro no passado.
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Cecilia Schmitt Dor e tristeza. Sem explicação. Todos nós economistas, de uma ou outra forma, tivemos alguma relação com essa instituição. Inacreditável.
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Vanete Ricacheski Sentimento de impotência.
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Geni De Sales Dornelles Desmonte irresponsável do Estado brasileiro! Uma lástima!
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Ana Maria Barros Pinto Tristeza, revolta....quanta iniquidade. Mas não fala mal da ÍNDIA. É bem melhor do que isso aqui, meu amigo!
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Marisol Teles Duilio, compartilho deste sentimento! Abraço
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Sueli Maldonado É isso aí Duílio. O exterminador e sua gangue estão destruindo o RS.
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Jane Ortiz · 6 amigos em comum
Estou em estado de LUTO ... chocadaaaaaaaaaa, Duìlio! Chocada.
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Octavio Augusto Camargo Conceição Isso aí Duilio, sentimento compartilhado. Voltamos ao período colonial. Primitivo, reacionário e estúpido. Brutal retrocesso.
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Marcelo Avila Triste professor
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Lílian Palazzo É tudo muito triste
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Hoyêdo Nunes Lins Uma estupidez atroz!!
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Glaucia Michel de Oliva Duílio! A dor do descaso e irresponsabilidade também é compartilhada por mim.
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Volnei Picolotto O mais surpreendente são deputados que se dizem socialistas, Elton Weber, Liziane Bayer e Miki Breier, e trabalhistas, Gilmar Sossella e Vinicius Ribeiro, apoiarem essa proposta nefasta do desgoverno Sartori. O filho do Simon fez um discurso patético lembrando o compromisso do seu pai, destilou ódio no PT, mas votou pela extinção. Mais um canalha.
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Volnei Picolotto Desde que comecei a estudar Economia em 1999, a defesa da FEE foi a única pauta que unificou todas as correntes de pensamento econômico do RS, de neoclássicos a pós-keynedianos e marxistas. Só não convenceu os ignorantes como Sartori, Cairoli e seus deputados aliados.
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Vera Goldim Incrível! Lamento realmente!
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Silvio Cezar Arend precisamos atualizar nosso hino... foi o 20 de dezembro, o precursor da atrocidade... não sirva esta façanha de modelo a toda terra...
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Lisiane Paganotto Lamentável o que estamos assistindo
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Tiago DE Leão Pufal Um retrocesso... Difícil entender a mediocridade dos "representantes do povo". Lamentável... P dizer o mínimo
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Aniger de Oliveira Um dia muito triste. Acompanhei pessoalmente a lamentável votação que nos retira pesquisa e inteligência. Especialmente dolorosa a extinção da FEE Fundação de Economia e Estatística. Fui bolsista lá e me recordo com muito carinho daquele período, que me deixou relações que até hoje perduram. Uma brutalidade que nos custará muito caro.
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David Fialkow Sobrinho Inaceitável, injustificável, desmedido. Crime contra o Rio Grande e seu povo de largo impacto, mutilação vil de instrumento crucial de planejamento, tapa na cara de servidores qualificados e dedicados, seres humanos pisoteados às vésperas do Natal, em período de recessão e agigantamento da regressividade do governo federal. Indignação e tristeza.
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Luciana Kraemer Duilio, não lembro de ter sentido tanta tristeza motivada por uma decisão política. É o teatro do absurdo. Tudo o que nos pareceu mais inimaginável está acontecendo neste ano, acima e abaixo do Mampituba. E com aval de grande parte da sociedade.
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Maria Tereza Camino Boaz eu tenho amigos da FEE e estou muito triste por eles e pela imbecilidade geral que graça neste Brasil de hoje.
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Santa Irene Lopes de Araujo Pois é, querido Dondo. Hoje, de luto, mais que nunca sinto imensa saudade de nossa adolescência. Esta destruição do Estado, da dignidade e das construções históricas e referências de muitas gerações, me da um enorme sentimento de impotência e perda dos sonhos e ideais que cultivamos até a idade adulta. Velhos, agora, estamos sendo vilipendiados, humilhados, roubados. Enfim...
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Claudio Medaglia Dos erros cometidos, esse foi, certamente, um dos maiores.
Sempre me abasteci da FEE como boa fonte de informação, de referência, de pesquisa e de reportagem.
Absurda essa decisão.
Outras, talvez, nem tanto.
Mas essa, com toda a segurança...
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Rosemary Fritsch Brum Dei aulas de sociologia e politica.Sinto- me uma enganadora.
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Duilio De Avila Berni Nossa atenuante, Rosemary, foi que fizemos de boa fé, inspirados nos mais elevados ideais humanos herdados da revolução francesa e tristemente plagiados na bandeira do Rio Grande do Sul: liberdade, igualdade e fraternidade (humanidade que faltou aos algozes hoje instalados no poder estadual). O estado enfraquece, mas o governo segue impassível, pois é impossível tornar-se ainda mais fraco!

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Fabio Cristiano Pereira Compartilho o sentimento da perda, pois sempre admirei a FEE, achava que iria ao menos estagiar lá, quando aluno da ECO. Também é triste a lembrança do que vi ontem a noite, dentro do shopping aqui de Campinas, filas gigantes para tirar fotos no colo do Santa Claus, e não eram apenas crianças nas filas... pessoas deslumbradas como se vivêssemos em um país desenvolvido europeu... parece que vivemos em uma sociedade ultra alienada, além de manipulada. Nossos governos cada vez mais cretinos, e o povo cada vez mais tolo...
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Duilio De Avila Berni Para 2017, a palavra que será incorporada a meu vocabulário, Cristiano, será mesmo "corja". Há corjas municipais, estaduais e federais.
Ergo não esqueçamos que sempre defendi a tese de que muito teremos a ganhar se fecharmos:
.a os estados
.b as assembleias legislativas
.c o senado federal
Isto apenas para começar.


Por aqueles dias, escrevi:

As Periódicas Ameaças à Sobrevivência da FEE
No dia 19 de novembro, ao preparar-me para meu “ativismo de sofá”, ou seja, olhar o Facebook, ver e comentar as novidades, levei um enorme susto, pois os murais de Roberto Rocha e Fernando Lara estampavam avisos de alerta, chamando a atenção para a ameaça formulada pelo presente governo estadual à sobrevivência da Fundação de Economia e Estatística – FEE. Nos dias que antecederam aquela nefanda ameaça, eu via nos jornais da cidade a divulgação dos motivos governamentais para sua proposta de reorganizar as finanças sul-riograndenses. Falava-se que a FEE "gasta mais do que arrecada".
Trata-se, infelizmente, de um pensamento primário, divorciado de qualquer avaliação mais elaborada, como é o caso da análise de custo-benefício. Se eles tivessem falado que os custos são maiores que os benefícios, ainda assim teríamos que procurar no documento do governo exatamente qual teria sido a metodologia para avaliá-los. Ademais, aprende-se no primeiro semestre das faculdades de economia e escolas de governo a diferenciar custo social de custo privado, o que deve ser incorporado na análise de custo-benefício. Parece óbvio que nem tudo que a sociedade avalia como positivo merece endosso da dimensão “mercado” da vida comunitária, como é o caso da tradição e folclore e, com maior impacto em nossas vidas, o meio-ambiente e sua poluição industrial.
Num passado remoto, um tanto fora de nossos horizontes de vida, o governo brasileiro teve quadros funcionais qualificados. Não garanto que tenham sido os militares que os destruíram, o fato concreto é que, no espaço de vida que posso testemunhar, com as cassações de funcionários e outras práticas ditatoriais e, sobretudo, depois da redemocratização, o poder foi assaltado oportunistas de todos os tipos, tendo o número de "cargos em comissão" nos governos federal, estadual e municipal crescido enormemente.
Ora, a FEE se orgulha de não ter "cargos em comissão" em sua administração. E talvez seja esta uma das razões de tentarem sua condenação à morte, o que vem ocorrendo desde sua criação. Só que, em geral, o bom-senso tem vencido e as sanhas que se tornam dominantes dizem respeito mesmo à concorrência que a FEE faz à "iniciativa privada", consultores de diversos calibres que é impossível que tenham um quadro técnico mais sofisticado que aquele que conta com quase 40 doutores.
Na condição de sócio-fundador da FEE, não posso revelar-me mais escandalizado com a magnitude dessa assacada contra a liberdade de informação, de maneiras capazes de qualificar a informação (“o número fala nas publicações da FEE”) e sobretudo de tornar-se cada vez mais um verdadeiro portal de transparência da administração estadual. Como pode uma sociedade, ou melhor, seu governo legitimamente eleito, desprezar uma instituição idônea para preocupar-se com quantificação da evolução econômica, sócio-demográfica e ambiental de seu território? Como pode pensar em servir ao povo, quando vemos que despreza o trabalho que estuda a distribuição da população no território municipal e as tradicionais variáveis demográficas?
Como pode-se pensar que a destruição de uma equipe que já está em sua terceira ou quarta geração poderia começar do zero? A bem da verdade, a equipe a que orgulhosamente pertenci não foi a primeira. O Rio Grande do Sul teve, ao longo dos anos 1950 e 1960, várias tentativas de montar instituições com as atribuições que hoje a FEE abarca, sediando-se na universidade e na própria administração estadual, mas que tiveram vida curta. Ao empenhar-se na liquidação da FEE, o governo atual associa-se a essas malfadadas ações destrutivas, mas – principalmente – ameaça a destruição do capital físico e humano acumulado nos últimos 40 anos.
E a triste verdade é que, quando a economia gaúcha apresenta problemas com a manutenção ou queda no crescimento de seu PIB, maiores são as insatisfações governamentais com as tarefas que têm delegado à FEE desde a lei de sua criação, um projeto modernizante de 43 anos! “Informação é poder”, diz-nos Francis Bacon, sinalizando o que se encontra em jogo no presente momento.