31 dezembro, 2015

Ulysses: o grupo de estudos


Querido diário:

No outro dia, eu estava lendo o livro "O Púcaro Búlgaro", de Campos de Carvalho, quando deparei-me com um anúncio que evocou outro que eu lera em 16/jun/1904 num jornal brasileiro.

Jornal Brasileiro (seção de classificados pagos):
Convidam-se brasileiras ou brasileiros portadores de uma das quatro traduções de "Ulysses", do britânico James Joyce a formar um grupo de estudos com o objetivo de fazer um documentário filmado sobre as discussões a serem levadas pacificamente, na tentativa de -apoiados no original já de posse do coordenador do grupo- reverter esta obra prima para o inglês contemporâneo e iniciar os estudos da língua irlandesa, de sorte a fazer o mesmo com esta. Tratar no telefone, etc., etc.

Gelei: parece que era meu telefone. Liguei para lá, atendi, o que me deixou ainda mais atônito. Mantive um longo -?- diálogo comigo mesmo, um solilóquio, um sei-lá-quê. Tomando novas e insuspeitadas liberdades, indaguei se a dona da casa estava. Do outro lado do mesmo telefone, pedi para ligarem a outro número e falarem com minha mãe. Atendeu-me uma -parece- garota de seus 25 anos, se bem associo idades e vozes. Por falar em vozes, havia vozeirões ao fundo.

Gelei mais ainda. Mesmo assim, o grupo de estudos instalou-se e instei o quarteto, senhor@s Mínteo, Mintena, Mintêgui e Montonera, cada um portanto seu exemplarzinho do "Ulyssses", nas traduções que ainda seriam feitas no Brasil e em Portugal.

Então o sr. Mínteo puxou a tradução de Antonio Houaiss, lendo-nos a página 9:
Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan vinha do alto da escada, com um vaso de barbear, sobre o qual se cruzavam um espelho e uma navalha.

Evocando a página 27 da tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro, a sra.
Mintena leu:
Majestoso, o gorducho Buck Mulligan apareceu no topo da escada, trazendo na mão uma tigela com espuma sobre a qual repousavam, cruzados, um espelho e uma navalha de barba.

Mal esta distinta senhora concluiu sua tarefa, o sr. Mintêgui tomou de seu exemplar, na página 97, o que seria a tradução de Caetano Waldrigues Galindo,
lendo:
Solene, o roliço Buck Mulligan surgiu no alto da escada, portando uma vasilha de espuma em que cruzados repousavam espelho e navalha.

Fechando o ciclo das leituras da primeira sentença, a sra. Montonera escandiu a tradução de Jorge Vaz de Carvalho, postada na página 9:
Soberbo, o roliço Buck Mulligan veio do cimo das escadas, trazendo uma bacia com espuma de sabão sobre a qual um espelho e uma navalha se cruzavam.

De minha parte, li a seguinte sentença fazendo as vezes do original:
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.

Decidimos todos começar nova sessão, na próxima season, precisamente onde paramos: ler a segunda sentença, ainda mais intrigante por causa das diferentes versões do próprio original em inglês. Nesse ínterim, pensei que, se fosse eu a intentar outra tradução para o português, jamais iniciaria com as quatro traduções já dadas para 'stately'. Iniciaria tentando 'faustoso'.

DdAB
Fui incapaz de dar o crédito desta imagem da Odisseia.

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