16 julho, 2015

Os Malfeitores e os Malfeitos



Querido diário:

Na página 24 da Zero Hora de hoje, lemos um artigo de autoria de Marcelo Gonzatto (marcelo.gonzatto@zerohora.com). Intitulado "O Problema não são os Políticos" (aqui). O autor argumenta que

A sociedade brasileira é ainda pior do que o seu Congresso. Não igual, nem seu reflexo, pior mesmo. Só uma sociedade profundamente espúria consegue eleger legislativos tão ruins quanto o atual e, além disso, se manter nas primeiras posições dos rankings internacionais de homicídio e de acidentes de trânsito, aplaudir linchamentos e masmorras desumanas, seguidamente ofender e agredir quem é ou pensa diferente.


Gostei tanto da abordagem que achei que (eu mesmo) poderia fazer um adendo. Falo da "causa da causa", coisa de que falo com frequência neste blog. Compreendo que o brasileiro é mau cidadão e compreendo mais: somos bons cidadãos quando migramos. O migrante (turista, estudante, trabalhador) não são, claro, "o brasileiro médio", mas ainda assim esta observação dá-nos uma ideia sobre a natureza das mazelas internas. Isto sempre me levou a pensar que algo de profundo ocorre em nossas almas quando dirigimos um automóvel em Paris ou entramos na fila do supermercado em Berlim. 

Lá somos muito mais cumpridores da lei, sempre soube. A isto vim a batizar apenas há alguns anos como "instituições", seguindo a literatura, e notei que ainda tem o recorte do "capital social". Não que ela estivesse ausente de nossos raciocínios, nem mesmo da teoria econômica que nos foi ensinada na faculdade. Mas a evolução da economia do desenvolvimento como disciplina independente (digamos, da economia internacional, ou da teoria monetária e sua moeda fiduciária) é que deu lugar a este tipo de reflexão. E até a teoria dos jogos, que deixa claro que as regras do jogo definem o termo que uso desfocado: "a melhor maneira de jogar". Dá uma olhada na figura que nos ilustra hoje.

Temos ali o Jogo do Motorista e Pedestre, retirado das páginas 210-211 de nosso amado Teoria dos Jogos. O jogo busca entender o que eles fariam (nós faríamos...) ao enfrentar dois regimes jurídicos radicais: toda a responsabilidade para cima do pedestre ou para cima do motorista. A imagem está esmaecida, mas - diriam os colegas trocadilhescos - a lição é claríssima. Os sublinhadinhos mostram a busca do equilíbrio de Nash. E as quadrículas que têm sublinhadinho nas duas recompensas é que mostram esta posição.

Ou seja, no primeiro caso, vale a pena mover-se (ambos) com descaso, descuidadamente. No segundo, muda o regime de responsabilidade e o prejuízo passa a ser dividido entre eles. Já é um progresso. E a lição remanescente é que o regime legal, ou melhor, poderíamos desenhar mecanismos que iriam levar-nos ao paraíso.

Por fim, o que me parece é que a "causa causans" dos malfeitos nacionais tem dois ou três itens (que listo sem ordem hierárquica):


.a. a escandalosa qualidade da política (talvez até nossos políticos, transplantados para outros ambientes institucionais, agissem com lisura)

.b. a impunidade (faltam-nos incentivos para a atuação preventiva, repressiva e punitiva do trio polícia, justiça e presídio)

.c. a falta de "educação": formação de capital humano (escola, treinamento on the job, essas coisas), capital social (civismo, empatia, associativismo). 

Que fazer? Lênin indagou e Rosana Pinheiro-Machado respondeu: meter o pé no barro, ou seja, criar capital social. Ok, ela não falou o que eu disse depois da vírgula que sucede o substantivo "barro". E que dizer dos rapazes presidentes das duas casas do congresso nacional, que se recusam a ser enquadrados pela polícia federal por suspeita de corrupção? Malfeitores? Estes e assemelhados serão os malfeitos jurados de morte pela presidenta Dilma desde o discurso de posse do primeiro mandato?

DdAB
BÊRNI, Duilio de Avila e FERNANDEZ, Brena Paula Magno (2014) Teoria dos jogos; crenças, desejos, escolhas. São Paulo: Saraiva.

 P.S. então parece que tudo está centrado na variável capital social, pois nem é tão difícil construir todos os demais. Olha a Wikipedia (em inglês, lógico, que a em português é meio estranha...):

In sociology, social capital is the expected collective or economic benefits derived from the preferential treatment and cooperation between individuals and groups. Although different social sciences emphasize different aspects of social capital, they tend to share the core idea "that social networks have value". Just as a screwdriver (physical capital) or a university education (cultural capital or human capital) can increase productivity (both individual and collective), so do social contacts affect the productivity of individuals and groups.

Outro P. S.:
O blim-blim-blim do capital social tem na visão de mundo neo-heterodoxa uma função de produção do PIB = Q o seguinte modelo teórico:

Q = Q(MP, Lq, Ln, Kf, Kh, Ks)

onde MP são as matérias primas, Lq é o trabalho qualificado, Ln é o trabalho não qualificado, Kf é o capital físico, Kh é o capital humano e Ks é o capital social. Se passarmos ao modelo experimental, veremos haver acentuadas associações (derivadas parciais cruzadas) entre Lq e Kh, Lq e Ks, Ln e Ks e Kh e Ks. Talvez a derivada de Q com relação a Ln e depois Ks seja até negativa, pois o capital social socializa também o trabalhador não qualificado.

No mundo que idealizo para o futuro (embora não garanta que vamos chegar a ele em meu horizonte de vida), a maior parte do emprego se concentrará no "serviço municipal". Naquele tipo de sociedade com estratosféricos níveis de bem-estar-social, é provável que nem mais exista o Ln.

P.S. às 20h31min de 17/jun/2015 fiz mudanças substanciais na postagem e nas próprias imagens do jogo do pedestre e motorista.

P.S.S. E às 18h31min de 23/julho/2015, acrescentei o capital pessoal - Kp, tema que encontrei pela primeira vez no artigo
TOMER, John F. (2003) Personal capital and emotional intelligence: an increasingly important intangible source of economic growth. Eastern Economic Journal. V. 29 n. 3 p. 453-470. Deste modo, nossa função de produção agregada torna-se:

Q = Q(MP, Lq, Ln, Kf, Kh, Ks, Kp).

No wonder, os netos dos meninos de rua, ao terem sido mantidos na rua, terão acumulado pouquíssimo capital pessoal nesses anos todos.

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