31 maio, 2015

Três Visões sobre Etiqueta


Querido diário:

Tento fazer neste blog "postagens diárias ou quase". No mundo mundano, tento ler o jornal Zero Hora "diariamente ou quase". O jornal de domingo é feito no sábado, mas eu leio no domingo mesmo. Para poder ler um jornal por dia. Se lesse no dia, seriam dois no sábado e nenhum no domingo. Se é que a tabuada de adição e as decomposições aditivas ainda funcionam, o que me leva a duvidar.

E por que duvidaria? Pois há muitas visões sobre etiqueta. A mais escorreita delas é a da cronista Célia Ribeiro, que escreve há muitos, muitos anos, nessa mítica Zero Hora. Por razões que volta e meia levam-me a filosofar sobre a natureza humana, leio-a tão regularmente quanto posso e, além disso, leio-lhe os livros, tenho-os cinco. Não que sejam apenas cinco, mas tenho os cinco que tenho. Epa!

A visão de Célia sobre etiqueta não está em questão nesta postagem. O que está e a do novo cronista Roberto Romano e de Vladimir Ilianov Lenine. No caderno PrOA, página 10, Romano escreve, com visível aprovação, e eu cito um tanto fora de contexto:

'Duas coisas a burguesia nos legou, e delas não podemos abrir mão: o bom gosto e as boas maneiras' (Lênin).

Pensei: Lênin disse isto? E aquela tirada sobre os sonhos?
[Sonhos, acredite neles! É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com o sonho, realizar escrupulosamente nossas fantasias.]
E concluí, o velhinho era mesmo um romântico mal-ajambrado.

Depois, por isto mesmo, veio-me à mente outra frase que reputo de extraordinária. Trata-se agora do gramático Domingos Paschoal Cegalla:

Maldizer da Gramática seria tão desarrazoado quanto malsinar os compêndios de boas maneiras só porque preceituam as normas da polidez que todo civilizado deve acatar. 

À extraordinária visão de Cegalla, nada mais restou-me do que acrescentar a terceira reflexão que hoje trago a estes Escritos, agora falando de uma extraordinária descoberta de minha própria autoria: 

E vice-versa.

Então seriam apenas três opiniões mesmo?

DdAB
Imagem aqui.

30 maio, 2015

Ulysses: buscar mensagens psicológicas


Querido diário:

No mundo mundano em que muitos de nós vivem e, certamente, aquela turma da ponte do Rio Liffey viveu, muita água rola diariamente. Parte da água que, deste modo, é rolante, uso-a para fazer a barba, em geral, de manhã. Nunca usei navalha, já usei gilete e agora uso as mais várias variantes dos aparelhos G2, G3 e até mais Gs. Precisamente por isto é que decidi tornar-me especialista na primeira sentença do Ulysses, a obra mais festejada como a primeira entre as dez melhores e mais marcantes do século XX.

O que levaria um blogueiro de meu porte a especializar-me apenas na primeira sentença de um livro de um milhar de páginas? Certamente foi o fato de que tentei lê-lo dezenas de vezes e nunca consegui paciência ou concentração para ir adiante dela. E isto ocorreu no tempo em que havia em português apenas a tradução de Antônio Houaiss do livro de capa dourada da Editora Civilização Brasileira.

Cito de memória:

Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan acercou-se do patamar do alto da escada carregando um vaso de espuma de barbear em que entrecruzavam-se um espelho e uma navalha.

Cito em inglês:

Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.

No outro dia, caiu-me como uma "cacetada nos cornos" (como se dizia em meus tempos de Floripa) uma nova hipótese para a tradução, o que me permitiu misturar as pilhas de traduções ao português e ao espanhol:

Majestoso, o parrudo Buck Mulligan veio do alto da escada, carregando um vaso de espuma de barba no qual uma navalha jazia estirada sobre um espelho.

Não contente com os resultados que alcancei com esta nova tradução, fiz-lhe uma variante, na tentativa desesperada de provar que não li apenas a primeira sentença, pois é apenas mais para o meio do capítulo que ficamos sabendo da história do espelhinho quebrado de propriedade da empregada:

Majestoso, o gorducho Buck Mulligan vinha do alto da escada carregando um vaso de barba em que uma navalha estendia-se sobre um espelhinho rachadinho.

A encrenca toda reside naquela parte do "a mirror and a razor lay crossed", naturalmente. A novidade trazida pelo verbo "estender-se" permite-nos ver que o Planeta 23 acertou ao dizer que uma navalha se estendia sobre o espelho. Aquela encrenca (ainda maior) de dizer que espelhos se entrecruzam com navalhas não pode ser tridimensional, o único que poderíamos conceber nestas linhas geométricas seria que a navalha estivesse fazendo um xis com a rachadura do espelho da empregada da tia de Buck.

Neste clima, pensei em traduzir meu sábado em palavras e cheguei à conclusão que o único que poderia fazer sentido é "eita sabadão bem bem bão", dado o curto espaço que tenho para concluir esta postagem.

DdAB
Imagem daqui. Tive que apelar para a praia da Canoa Quebrada, pois o Google Images nada de útil me ofereceu quando pedi "espelhinho quebrado". E coloquei aquela escada pois duvido que, em todos esses tempos, ninguém tenha quebrado o salto do sapato naquelas escadas.

P.S. O verdadeiro original houaissiano é:
Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan vinha do alto da escada, com um vaso de barbear, sobre o qual se cruzavam um espelho e uma navalha.

29 maio, 2015

Manifesto do Partido Zero


Querido diário:

O Partido Zero será talvez o milésimo milionésimo quaquilhonífero partido brasileiro, mas quando for criado, ele criará regras para o número de partidos deixar de ser estratosférico. Ele se chama zero por considerar que temos que partir do zero. Imitamos o nome de um movimento anti-surrealista que aflorou na Europa nos anos 1950. E estará buscando crescente recriação. As reformas que ele carreará à sociedade brasileira estão razoavelmente documentadas nos comentários que andei endereçando à turma nestes sete anos de blogueiro.

O primeiro mandamento do Partido Zero é que partiremos do zero apenas quando tivermos como membros filiados mais da metade dos eleitores do país! Aí, faremos nossa lista formalizando-o, aquela lista que a sra. Marina não conseguiu fazer até agora. Nós faremos, deste modo, com enorme facilidade, bastando xerocar as fichas de filiação da moçada.

A bandeira do Partido Zero terá que ser vermelha para mostrar que ele foi gestado com as cores do sangue do povo! E aquele infinito lá no canto superior direito da bandeira é para dizer que de zero em zero iremos parar no infinito!

DdAB


28 maio, 2015

Igualitarismo e Dinamismo: novidades


Querido diário:

Se bem lembro, naquele imortal "A economia brasileira: crítica da razão dualista", Chico de Oliveira falava (e, se não me engano, condenava) uma "perspectiva ético-finalista", um troço assim. Eu me acho dentro desta perspectiva: faço uma condenação moral do capitalismo tal qual o encontramos no mundo, eu o encontrei em 1947, ao nascer. Sabe-se lá de onde originou-se minha perspectiva ético-finalista, da religião, da consciência da tristeza da pobreza (colegas de classe, amigos de rua), da empatia?

E aí veio aquela "big issue", dizendo que há um trade-off entre igualdade e crescimento. Andrew Glyn falava em igualitarismo e dinamismo. Ético-finalisticamente eu sempre quis que se pudesse provar a relação direta entre crescimento e distribuição.

Vão-se poucos anos desde que escrevi esta primeira parte desta postagem aqui. E vejo com galhardia que aqui vemos referidas tenebrosas transações devidamente documentadas pela OECD-OCED.

Lá no site da OECD, dizem eles:

The evidence shows that high inequality is bad for growth. The case for policy action is as much economic as social. By not addressing inequality, governments are cutting into the social fabric of their countries and hurting their long-term economic growth.

A questão é esta da "social fabric", ou seja, o tecido social. Será que é preciso um tecido social de boa qualidade para promover o crescimento? Prosseguem:

The report highlights the need to address working conditions. The increasing share of people working part-time, on temporary contracts or self-employed is one important driver of growing inequality. Between 1995 and 2013, more than 50 per cent of all jobs created in OECD countries fell into these categories. Low-skilled temporary workers, in particular, have much lower and instable earnings than permanent workers.

E agora um lado cruel que rima com o sr. Fernando Henrique Cardoso, que elevou a idade da aposentadoria para 75 anos, ou seja, velho no mercado de trabalho formal é mais jovens no tráfico de drogas. O sr. Lula achou a ideia ótima, tanto é que não a mudou. E a sra. Dilma considerou que Lula é sua grande liderança e deixou tudo na mesma. Agora, no afã de tornar o Brasil a primeira economia do mundo, o mesmo vai acontecer para os funcionários públicos. E os jovens? Que migrem!

Youth are most affected: 40% are in non-standard work and about half of all temporary workers are under 30. They are also less likely to move from a temporary job into a stable permanent one.

E a mulherada?

Another key lesson from the report is that more needs to be done to reduce the gender gap. The increase in the number of women working has helped stem the rise in inequality, despite their being about 16% less likely to be in paid work and earn about 15% less than men. If the proportion of households with working women had remained at levels of 20 to 25 years ago, income inequality would have increased by almost 1 Gini point more on average.

E a coesão social? E que acontece com a educação e treinamento das famílias de baixa renda?

Beyond its impact on social cohesion, the report stresses that growing inequality and weak opportunities in the labour market are harmful for long-term economic growth. The rise in inequality between 1985 and 2005 in 19 OECD countries analysed is estimated to have knocked 4.7 percentage points off cumulative growth between 1990 and 2010. In fact, it is inequality affecting the bottom 40% which mainly brings down overall growth. As inequality rises, families with lower socio-economic background experience significant falls in educational attainment and skills, implying large amounts of wasted potential and lower social mobility.

E daí?

Inequality is highest among OECD countries in Chile, Mexico, Turkey, the United States and Israel and lowest in Denmark, Slovenia, Slovak Republic and Norway. Inequality is even higher in major emerging economies although it has fallen in many including Brazil.

E agora? Agora, no Brasil, temos que parar de pensar que algo de positivo acontecerá na distribuição ou no crescimento se:

.a. não gastarmos em educação e

.b. não elevarmos as alíquotas do imposto de renda.

O que é mesmo que eu penso sobre igualiarismo? Que, na sociedade igualitária, todo mundo estará correndo o tempo inteiro atrás de mais conhecimento, todo mundo será atleta e todo mundo fará trabalho comunitário. Então vai sobrar gente, pois não precisa de tantos trabalhadores para prover todos estes serviços? Claro que não, pois a fome de saber é insaciável. Os cuidados pessoais também são ilimitados e os próprios exercícios físicos têm a ver com a ideia de infinitude. Por exemplo, escalar montanhas, melhorar no jogo de tênis ou tornar-se árbitro de polo aquático.

Torna-se claro que a chave da sociedade igualitária é o emprego: o dentista da escola de ensino fundamental leva, com seus vencimentos, seu filho ao show de rock. Os responsáveis pelo som do show levam suas vovós ao otorrino, a ascensorista do edifício do otorrino estuda inglês de noite e dará emprego a um agente de viagens no próximo verão. Os mantenedores de aparelhos de ar condicionado estão loucos que chegue nova onda de calor, pois querem um dinheirinho extra para trocar de carro. Os revendedores de carros querem comprar um sítio suburbano. Os vizinhos, etc., etc.

DdAB
Imagem: peguei lá do relatório. Verás o antepenúltimo item do histograma: o Brasil. Medalha de bronze na desigualdade. Só bebendo!

P.S.: aditado às 20h25min de 29/maio/2015.
Sabem meus leitores que sou fã do governador do Rio Grande do Sul, o sr. José Ivo Sartori. É dele a inspiração para a postagem daqui. E também a daqui. E na página 8 de Zero Hora desse 28 de maio, que o sr. Sartori está em viagem de negócios pela Europa, lemos:

   ZH - No Rio Grande do Sul, todo mundo cobra uma manifestação sua a respeito do bloqueio de recursos para pagamento de servidores que têm salários mais altos que teriam atraso de 10 dias...
   Sartori - Estamos aqui em uma caminhada muito boa. Estivemos na Alemanha, continuamos aqui hoje na Airbus. Hoje à noite deveremos estar na embaixada e amanhã estaremos recebendo certificado de Estado livre da peste suína clássica.

Concluiu ZH: "E encerrou a entrevista, visivelmente chateado." Como poderia eu evitar ser alheio ou indiferente a um governador produtor de nonsense?

27 maio, 2015

Valor (preço) e Equilíbrio


Querido diário:

A economia marxista tem espantoso poder explicativo sobre a "economia industrial". Com sua definição de valor V (devidamente transformado em preço), temos

V = c + v + m

onde c é o capital constante, v é o capital variável e m é a mais-valia.

Das componentes de V, criamos três razões:

taxa de lucro r = m/(c+v),

taxa de exploração d = m/v,

composição orgânica do capital f = c/v.

Esta equação-definição de valor só se sustenta "em equilíbrio". Só há valor se a mercadoria deu seu salto mortal, isto é, se a oferta encontrou sua demanda (ou melhor, se a quantidade levada ao mercado pelos ofertantes igualou-se à quantidade lá buscada pelos consumidores.

E até podemos dizer ("podemos", pois Marx não disse) que

m = f(c/v), com dm/dc/v < 0,

ou seja, quanto maior a composição orgânica do capital, menor a mais-valia. Em um ambiente concorrencial, todas as empresas enfrentam um mesmo preço no mercado. Deste modo, aquelas empresas mais capitalizadas gerarão menos valor que as menos capitalizadas e, com tal preço superior ao valor que geram, sua rentabilidade será superior. Este é o primeiro prenúncio da taxa de lucro cadente.

DdAB
A imagem daquela belíssima garota em equilíbrio veio daqui. Até há excesso de equilíbrios, pois a menina espelhada por Botero também encontra-se neste estado.
P.S. de 29/maio/2015: há um comentário de meu amigo Teixeira dizendo que, naquela frase do parágrafo final, eu cometera um erro, originalmente lendo-se naquele "menos" em negrito um "mais". Quanto menos trabalho útil socialmente necessário, menos valor: mais máquinas (c) aumentam a produtividade do trabalho, reduzindo seus requisitos por unidade de produto.

26 maio, 2015

Jornadas Literárias de Passo Fundo e o Planeta


Querido diário:

Entre os dias 11 (terça-feira) e 15 (sexta-feira) de agosto (repetição de datas das jornadas de 1981) do presente ano, estarei realizando uma Jornada Literária em Passo Fundo. Todos são convidados. O local será a mesa de uma lanchonete da cidade de nome ainda a ser divulgado.

Fiquei entusiasmado com a possibilidade de criarmos algo realmente popular, em que patrocinadores e seus beneficiados sejam sumariamente demitidos e que o povo crie a ordem anárquica a partir do sentimento de repulsa contra a corrupção que grassa na sociedade brasileira contemporânea. Longe de mim sugerir que os dinheirões que circularam nas jornadas oficiais (aqui) originaram ou originaram-se de malfeitos. O que propomos, o Planeta 23 e eu, é que não nos atemorizemos com a falta de dinheiro. Ou melhor, tenho a benévola benção de viver de "proventos da aposentadoria", o que me permite ir a Passo Fundo, lá ficar durante cinco dias e voltar. Quero dizer, com todas as contas pagas...

Em compensação, segunda-feira que passou o jornal Zero Hora, em sua página 4 correspondente à seção "LEITOR" publicou a seguinte conclamação, a propósito do cancelamento da tal jornada por falta de patrocinadores, isto é, $$$:

COMENTÁRIOS
JORNADA DE LITERATURA
   Podemos fazer a Jornada de Passo Fundo sem patrocinadores. Eu me proponho a coordenar uma mesa sobre Ulysses em lanchonete da cidade planaltina cujo nome será divulgado oportunamente.
DUILIO DE AVILA BERNI
Aposentado - Porto Alegre

Isto é tudo!

Mas tudo não acaba com tudo. Amanhã comentarei algo que acabo de ler no jornal de hoje sobre a "fiscalização [do leite] é rigorosíssima no Rio Grande do Sul [...]". Logo eu lendo isto, eu, logo eu, que devo ter bebido alguns litros daquele produto com soda, formol, amônia, três pontinhos.

Isto é tudo? Em minha opinião, é! Ou seja, o fim, o fim da picada. Parece-me que conspurcar "o leite das crianças" com os produtos que indiquei no parágrafo que nos antecede é ainda um vexame nacional maior que aqueles 7x1.

DdAB
A imagem é do site das jornadas. Dada a encrenca da possibilidade de cancelamento, achei oportuno colocá-la plantando bananeira.

24 maio, 2015

Pautas para a Política do Governo


Querido diário:

A Carta Capital impressa para o dia 27 de maio, quarta-feira próxima, chegou-me às mãos já devidamente impressa... Vou destacar a mistura de mau jornalismo, bom jornalismo, maus repórteres e bons articulistas. Na verdade, ninguém se escapa do sisudo julgamento do Planeta 23. Até já vi bons repórteres fazendo o papel que, na presente edição é dos maus. E também digo coisas assemelhadas para os articulistas. Tenho dois exemplos: uma reportagem de capa sobre a China, considerando que aquele acordo de uma assimetria estrambótica de 55 bilhões de dólares pode ser a redenção nacional, que o tal banco dos brics com sede em Xangai pode ser melhor para o Brasil que o FMI, essas coisas, da esquerda que não experimentou qualquer aggiornamento. E tem aquela reportagem sobre o caos paranaense de corrupção e autoritarismo trazendo contra o filho do ex-governador Such Richa o depoimento do ex-governador Such Requião (ou é o contrário?).


Falo hoje de Vladimir Safatle, colunista já tradicional, com um artigo intitulado "Frente de Esquerda para quê?", na página 31. Ele acha absurdo que Lula seja um dos líderes desta nova frente, uma tentativa de começar a resgatar os caquinhos, os estilhaços da explosão do PT. Pois Safatle tem uma lista de agenda para a construção do Brasil do futuro. Algo que deveria ter sido discutido na campanha eleitoral, assim como diversas sugestões, às vezes até repetidas por aqui mesmo, neste planetinha de 23 horas. A lista de Safatle é:

.a. revolução tributária que taxe a renda e libere a taxação sobre o consumo,
.b. a democracia direta com poder de deliberação, veto e gestão,
.c. o combate à especulação imobiliária através de leis que limitem a propriedade de imoveis,
.d. a reforma agrária,
.e. a diminuição da jornada de trabalho,
.f. a autogestão de fábricas e locais de trabalho,
.g. o salário máximo,
.h. o casamento igualitário,
.i. as leis radicais de defesa da ecologia,
.j. o fim da política de encarceramento sistemático,
.k. a exposição da vida financeira de todos os que ocupam cargos de primeiro e segundo escalão,
.l. a punição exemplar da corrupção e
.m. o fim do monopólio da representação política para partidos.

Este é, inegavelmente, um programa de esquerda, contendo até itens ausentes de minhas próprias sugestões sobre o tema, por exemplo, o item .f. Claro que tenho itens que deveriam constar de qualquer pauta de 13 itens, como é o caso: a renda básica da cidadania, a reforma política, a reforma administrativa (especialmente a do poder judiciário). E por aí vai.

DdAB
Imagem daqui. Sabe o que é aggiornamento riuscito? É colocar em dia novas ideias, novas ações, novas crenças, novas perspectivas. O Google tradutor fala em atualização bem-sucedida.

Nota de 25/maio/2015. Comecei esta mensagem ontem, com a intenção de terminá-la hoje. Por razões desconhecidas, publiquei-a ontem mesmo, o que fez duas postagens no mesmo dia, caso raro em minha já longa vida de blogueiro. É que faltava uma referência feita por Alselm Jappe a um programa que ele trata com bonomia, pela ingenuidade, e que atribui ao marxismo tradicional. Como diria Pablo Milanez, "no soy tanto". Seja como for, faço minha a lista:

.a. restabelecer o estado-providência como reacção à barbárie neoliberal,
.b. regressar à agricultura industrial de há vinte anos como alternativa à manipulação genética dos alimentos,
.c. reduzir a poluição em 1% por ano,
.d. limitar a exploração aos maiores de dezasseis anos,
.e. abolir a tortura e a pena de morte.

Pensando bem, não estou muito satisfeito com o item .b. E o Jappe está aqui:

JAPPE, Anselm (2011) As aventuras da mercadoria; para uma nova crítica do valor. Lisboa: Antígona. Tradução de José Miranda Justo.

E ainda tem mais.

Aqui:
http://19duilio47.blogspot.com.br/2012/05/carta-que-bebe.html

postei isto aqui:
Uma verdadeira indignação teria nos levado a uma profunda reforma política, com financiamento público de campanha, mecanismos para o barateamento dos embates eleitorais, criação de um cadastro de empresas corruptoras que nunca poderão voltar a prestar serviços para o Estado, fim do sigilo fiscal de todos os integrantes de primeiro e segundo escalão das administrações públicas e proibição de o governo contratar agências de publicidade (principalmente para fazer campanhas de autopromoção). Nada disso sequer entrou na pauta da opinião pública. Não é de se admirar que todo ano um novo escândalo apareça.

Pensei: é isso aí, xará. E acrescentaria: a extinção dos estados, do senado e do poder judiciário, o voto distrital, o voto facultativo, o parlamentarismo. Mas, prá começar, a agenda dele até que vai bem. Mais que isto, parece que ele queixa-se, de maneira inovadora, do caos político nacional, o que também o leva a falar da desigualdade. Penso que a equação é: precisamos mudar a causa da causa da falsa consciência. Um troço destes.

Beijoqueiro, Eu e o Teixerinha


Querido diário:

Por incrível modéstia, hoje cito nomes de terceiros e o meu alinhando-os em ordem alfabética, o que não fiz ontem, colocando-me em primeiro lugar relativamente a Milton Friedman. Poderia dizer que "eu", no alfabeto, vem antes de "friedman", mas a motivação não era esta... Hoje sigo-a, pois o assunto é de importância extraordinária. Pensei em duas figuras daqueles tempos áureos da inflação alta no Brasil, quando o roubo e a sem-vergonhice já marcavam indelevelmente sua presença na vida nacional.

Pois então. Primeiro, existia a figura do Beijoqueiro (aqui). Acabo de olhar na Wikipedia (ali...) e certifiquei-me (como a memória indicava) tratar-se de um português imigrado. O Beijoqueiro beijava celebridades, como poderia ter sido o caso de Milton Friedman, em alguma visita à Fundação Getúlio Vargas (hehehe). Talvez também beijasse pessoas comuns, como eu, se me flagrasse em algo importante, o que provou-se ser impossível (hehehe^2).

Segundo, a figura de Teixeirinha também é sagrada (aqui). E li (a memória garante) num jornal de Porto Alegre (a memória obliterou o nome) que houve um -quem sabe?- incidente que envolveu os dois. Teixeirinha teve um infarto que, felizmente, não o matou. Estava hospitalizado e era uma celebridade nacional, chegando a atrair a atenção do Beijoqueiro. Este decidiu chegar-se a Porto Alegre e visitar o cantor. Ao ser informado desta intenção, talvez como preparação da chegada do primeiro, Teixeirinha teria declarado:

Não me deixem ele entrar. Eu estou infartado e o vivente pode querer se fresquear!

Eu pensei nisto hoje por ser domingo e termos um tempo entre nublado e chuvoso neste penúltimo domingo de maio, um veranico de maio que já dura semanas, testemunha do aquecimento global, fazendo das plagas de Teixeirinha um país tropical e dos trópicos uma área tórrida superaquecida. Em homenagem a nosso senso cívico e tudo o mais, incluindo nos fatores determinantes a irresponsabilidade e irracionalidade do gasto público, somos acossados, em pleno dia, por rebanhos de mosquitos muito do serelepes.

DdAB
Imagem daqui. Beijoqueiro e Teixeirinha não se beijaram, como os tucanos lá do alto. Encontrei a imagem ao pedir ao Google "dois bicudos não se beijam". E gostei de ver os tucanos, o que me deu oportunidade de confirmar minhas invectivas contra a política brasileira desde sempre e as épocas citadas, talvez até mais que elas. Será que aquele já houve algum político honesto no Brasil?

23 maio, 2015

Eu e Milton Friedman


Querido diário:

Esta postagem tem os marcadores que volta e meia me ocorrem por associar a economia política com besteirol! A questão é a seguinte. Lembrei daquela história do sofisma ao dividir por zero que ontem postei a respeito lá no final bem aqui. Fiquei quebrando a cabeça para imaginar alguma coisa na economia e na ciência econômica que pudesse servir para ilustrar a parada.

.a. Consideremos a validade universal (ver nota 1) da equação de trocas da teoria quantitativa da moeda, que vou simbolizar como M*V* = P*Q*, para diferenciar do que segue.

.b. Em seguida, consideremos o que acontece com uma mercadoria específica (mv = pq) cujo movimento real e monetário destacamos do resto da economia (MV = PQ).

.c. então

M*V* = mv + MV e P*Q* = pq + PQ,

o que permite escrevermos a equação de .a. como

mv + MV = pq + PQ

.d. e daí

mv - pq = -(MV - PQ)


.e. e daí não faz muito sentido que


(mv - pq)/(MV - PQ) = -1.


.g. ou seja, Friedman e eu, defensores da liberdade (ele inclusive da liberdade da milicada chilena jogar a negadinha no paredón e eu da liberdade condutora da sociedade justa, no conceito de John Rawls) somos proibidos de fazer o que acabo de indicar. Se mv = pq, MV tem que ser igual a PQ, o que dá um denominador nulo.

.h. A nulidade no denominador desta encrenca, embora derrote o significado destas manipulações algébricas, não altera a economia política do pedaço: existe um limite de sensatez para o que se pode fazer com o estoque monetário!

DdAB
Imagem daqui.

Nota 1: Esta ilustração prova insofismavelmente a validade universal da teoria quantitativa da moeda!

22 maio, 2015

Paradoxo de Abilene e Dilema de Prisioneiro


Querido diário:

Dias atrás, linhas sinuosas caíram-me aos olhos e fui-me achegando ao Paradoxo de Abilene. Vim a saber que Abilene é uma cidade bíblica na atual Turquia e há, digamos com exagero, milhares de congêneres nos Estados Unidos. E isto fez-me pensar sobre a correspondência entre paradoxo e dilema, ou melhor, o de Abilene e o do Prisioneiro.

Ao invés de olhar enciclopédias sobre o significado simples das palavras paradoxo e dilema, decidi pular mesmo é no meu dicionário. Sobre paradoxo, a maior frase de efeito é mesmo talvez minha mesmo, ou melhor, nunca vi ninguém dizer para os alunos que o paradoxo é o primo do sofisma. Explico-me: o paradoxo (como aquele velho paradoxo hidrostático, ver nota 1) é uma verdade com aparência de falsidade, ao passo que o sofisma é a falsidade (aquele a = 2a, ver nota 2) com aparência de verdade. Não é isto?

Uma vez que o dicionário aurelião segue o princípio lexicográfico (exceto, já falei?, um do MEC, que tem quebra nesta sagrada ordem na página 297, com o verbete CHEIO seguido de CHARADEIRA e depois dela CHEIRADOR, e por aí seguiu. Claro que charadeira está fora da ordem alfabética, mas a questão é ainda mais séria: erro de ortografia, pois a encrenca, uma vez que trata-se de "caixa de rapé ou de tabaco", é mesmo falta de atenção dos revisores. Ver nota 3), começo com o dilema e sigo com o paradoxo.

DILEMA - situação embaraçosa com duas saídas difíceis ou penosas.

PARADOXO - uma afirmação aparentemente contraditória [que] é, no entanto, verdadeira.

Era o que eu falei, não era?

Pois bem (invertendo a ordem alfabética...). O  Paradoxo de Abilene está aqui, com entrada na Wikipedia brasileira aqui. Nem, por sinal, na Stanford Encyclopedia of Philosophy. Se bem entendi a explicação da Wikipedia em inglês, todos em um grupo votam a favor de uma proposição que pensam ser a preferência dos demais, a fim de agradá-los, mas estes também estão escondendo suas verdadeiras preferências. E o resultado é uma escolha que não agrada a nenhum dos envolvidos.

De sua parte, o Dilema de Prisioneiro está por tudo que é lugar (Stanford aqui; WikiBras aqui; WikiTheirs aqui). No mundo mundano, também. O troço mais encontradiço na vida social que podemos imaginar é o Dilema de Prisioneiro. O nome (prisioner's dilemma) é traduzido por muitos como dilema dos prisioneiros ou até dilema do prisioneiro. A profa. Brena Fernandez e eu, no livro do qual já vou citar um trecho, discutimos durante meses sobre como nos referirmos a este jogo. E optamos pela expressão que nos acompanha agora desde o título da postagem. E aqui, então, vemos uma explicaçãozinha da encrenca:
Recompensas (punições) de Bina e de Dino, respectivamente, cotadas em anos de cadeia.
(aqueles amareloides ali em cima são da última revisão do PDF antes da impressão pela Editora Saraiva).

No paradoxo de Abilene ficou claro: a sociedade saiu perdendo, pois ninguém ficou satisfeito com a decisão coletiva que foi coletivamente implementada. No caso do dilema, nosso livro (Brena e eu) dá um exemplo interessante: o motorista da ambulância e seu assistente caem na situação do dilema. E que cada um acaba passando três noites no xilindró. Se tivessem cooperado teriam apenas duas noites, ou seja, estão pagando uma a mais. Mas quem está pagando mesmo são os colegas deles que terão que cobrir a "folga" dos dois folgazões, pois um dirigiu sem carteira de motorista e o outro não recolheu a guia de saída da ambulância e bem que a polícia os deteve, pois poderia ser apenas um ladrão (político) levando o dinheirinho público.

Moral da história: no dilema, há um dilema de escolha social. E no paradoxo há outro, até mais severo, pois vemos a decisão irracional emergir de um processo democrático.

DdAB
Lá na figura do topo, torno-me pictórico, depois de ter selecionado como quase-nada-a-ver um Botero. Agora o Breugel tem mais função: aquela turma jogando num clube de nonsense de deixar-nos desabotinados, inclusive porque tem até velhinhos pulando carniça.

NOTA 1 - Paradoxo hidrostático:
A intuição levar-nos-ia a afirmar que na base de C há mais pressão que em A ou B. Mas não há, pois a pressão não depende da área mas da altura.

NOTA 2:
Sofisma (falácia) da divisão por zero:
.1. considere uma igualdade perfeitamente palatável:
.2. a = b
.3. multipliquemos os dois lados da equação .2. por a:
.4. a^2 = ab
.5. subtraiamos b^2 de .4.:
.6. a^2 - b^2 = ab - b^2
.7. vamos agora fatorar .6. com aquelas regras dos produtos notáveis:
.8. (a + b) (a - b) = (a - b)b
.9. dividimos os dois lados por a - b:
10. a + b = b
11. substituindo de .1. temos olimpicamente
12. 2a = a.
Qual foi a encrenca: é proibido fazer a operação indicada em .9. Não pode dividir por zero, pois obviamente (a-b)=0, uma vez que em .2. já disséramos que a = b. E será que alguém poderia ser ainda mais claro para expressar este sofisma?

NOTA 3 Bibliografia:
BÊRNI, Duilio de Avila e FERNANDEZ, Brena Paula Magno (2014) Teoria dos jogos; crenças, desejos, escolhas. São Paulo: Saraiva.

BRASIL. Ministério da Educação (c.1973) Dicionário escolar da língua portuguesa. Rio de Janeiro. (8a. edição revista e atualizada por Francisco da Silveira Bueno). Fofoca: este dicionário foi produzido -diz-se por lá- no governo do general Emílio Garrastazu Médici. Tempos analfabéticos, não é mesmo?

P.S. Quando postei isto aqui, ainda não ouvira falar nesse paradoxo de Abilene. E, aparentemente, Graciliano Ramos deu-se conta de que havia algo estranho, um paradoxo de escolha social sendo vivido naquele momento da assembleia que se decidiu pela greve de fome.

21 maio, 2015

Boltzman e a Lei da Entropia; Marx e a Concentração Industrial


Querido diário:

BOLTZMAN (aqui)
Boltzman  teve, naquele tempo, a compreensão fundamental da finitude universal, da perda permanente de energia, do escoar da concentração, da dispersão. Hoje sabemos que o universo está se expandindo. Sabemos? Digamos que sabemos, mas localmente há concentração. E se não sabemos? Se for assim, a negação do saber da expansão eterna, fica a perspectiva da ação de buracos negros que farão outro/s universo/s renascer/em. A verdade é que estou escrevendo isto neste computador, pois a vida é manifestação antientropia, mas arrasa o meio-ambiente, que também é vida, e até hoje não consegui descobrir se a massa de seres vivos no planeta é maior do que, digamos, a três bilhões e meio de anos.

Uma espécie de anti-entropia é a constatação de haver uma lei que diz que há menos objetos grandes do que pequenos (Azimov p.103): pedras na praia, estrelas no firmamento, e por aí vai. Ou seja, parece haver uma lei intrínseca da concentração, o que também parece ter sido capturado pela lei de Gibrat (à qual só achei referência na Wikipedia francesa aqui). Ou seja, como até já andei falando sobre o dito de Ilyá Prigogine (aqui), a força é dissipativa e o acaso é concentrador.

Tem mais: aquela frase de Bertrand Russel que encima o artigo de Stephen Hymer sobre Robinson Crusoé: todo ser vivo é uma espécie de imperialista, procurando transformar a maior parte possível do meio-ambiente em seu benefício. Cada vez que respiro, digo cá eu, acabo com milhões de bactérias, cada vez que me alimento, acabo com alfaces, beterrabas, carne, damascos, e por aí vai.

Pois não é que estamos mesmo pensando em um mundo que gera concentração, mesmo que, na tendência geral de longo prazo no universo, venha a vencer a dissipação. Então entrou Marx em minha cabeça, Uma das grandes "leis de movimento do modo de produção capitalista" fala na concentração e centralização. Em boa medida, mesmo com as dezenas de empresas automobilísticas contemporâneas, não podemos nem pensar em comparar com o que havia, para falar apenas dos Estados Unidos, há 120 anos. E a centralização? Esta lei é espantosamente verdadeira, sendo mesmo a lei de Gibrat uma aliada, explicando pelo inexplicável, ou seja, o acaso.

Só isto? Não, tem o Robert Averitt (livro lido: The dual economy. New York: Norton), que fui procurar aqui no Planeta 23 e nada encontrei, ou seja, provavelmente nunca citei-lhe o nome. Ele fala em firmas centrais e firmas periféricas, ou seja, que se situam na periferia dos oligopólios e mesmo dos monopólios artificiais (e até naturais, com a geração de energia fora do sistema central, por exemplo, geograficamente).

Claro que são as firmas centrais que se responsabilizam pela maior parte das variáveis relevantes de um sistema econômico: emprego, renda e preços. Que mais? Mais que andei falando que a Dilma deveria ter procurado cada família rica do Brasil e dito: "Tu aí, por que tu não paga uns 100 ônibus para as escolas de tua zona?" e, para outra, "Tu aí, por que tu não dá uniformes a umas 100 crianças?", e assim por diante, até alcançarmos o crescimento de 7,12% ao ano, o que -como sabemos- dobra a renda a cada 10 anos.

DdAB
A imagem veio da Wikipedia que pediu para eu dizer isto aqui. E botei-a aqui, pois pela primeira vez vejo os dois nomes juntos: Ven e Euler que, aqui ou ali, atribuem-se a autoria do popular diagrama lá de cima: esta postagem tem coisas de cada item.

19 maio, 2015

O Mercado e o Terrorismo


Querido diário:

No outro dia, na verdade, meio ano atrás, [...] e eu conversávamos despretensiosamente, quando nos vimos filosofando pretensiosamente sobre o conceito da pretensa de curva de demanda. Então divagamos sobre certos fenômenos para os quais o conceito não se aplica: por exemplo, não podemos falar em demanda por lixo. Ou, se podemos, não podemos falar em demanda por marido que bate em mulher. Ou, se podemos, não podemos falar em demanda por atentados terroristas. Ou podemos?

Vivo citando por estas paragens a sapientíssima frase de Marx: no capitalismo, tudo vira mercadoria, até a honra. A questão, portanto, se coloca como até que ponto poderemos considerar que atentados terroristas viraram mercadoria, com estabelecido mercado e suas curvas bem-comportadas de oferta e procura. Parece óbvio que sim, que há terrorismo para usar as armas compradas com escorchantes lucros e estonteantes despudores da parte de governos, lideranças e rastaqueras de todos os países do mundo. Todos os que podem dar-se ao luxo, claro. Ou melhor, o crime de compra de armas é um bem inferior, isto é quanto mais rico o país, menos presente é este tipo de contravenção. Por seu turno, a venda de armas é um bem normal, que grandes países é que as vendem, inclusive países tidos como avançados e pacíficos, exemplo Suécia (que anda vendendo ao Brasil aviões de guerra). E o Brasil, de renda média, também vende equipamentos bélicos a outros ainda mais pobres.

E o terrorismo é um bem inferior? Também parece que sim, ou seja, tem algo a ver com a demanda. E sua oferta? Não tem dúvida: quem seria um sueco (já não falo daquele norueguês abilolado...) a dedicar-se ao terrorismo? E por falar em oferta e demanda, será que a curva de demanda por "serviços terroristas", isto é, maldades contra a população civil ou o patrimônio da sociedade (vestido de obras públicas, amenidades ambientais, essas coisas)?

Então já respondi as perguntas retóricas? Em certa medida, respondi. Mas esperemos mais considerações lá mais para o final da postagem. O fato é que, no outro dia, olhei os Outlines (ver nota 1 lá depois de minha assinatura) de Engels e reencontrei a frase que adoro (agora estou citando meu exemplar dos Manuscritos de 1844, página 190 chegando na 191. Como sabemos, estamos frente ao Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie do então jovem Engels:

Competition has penetrated all the relationhships of our life and completed the reciprocal bondage in which men now hold themselves. Competition is the great mainspring which again and again jerks into activity our aging and withering social order, or rather disorder; but with each new exertion it also saps a part of this order's waning strenght. Competition governs the numerical advance of mankind; it likewise governs its moral advance. Anyone who has any knowledge of the statistics of crime must have been stuck by the peculiar regularity with which crime advances year by year, and with which certain causes produce certain crimes. The extension of the factory system is followed everywhere by an increase in crime. The number of arrests, of criminal cases - indeed, the number of murders, burglaries, petty thefts, etc., for a large town or for a district - can be predicted year by year with unfailing precision, as has been done often enought in England. This regularity proves that crime, too, is governed by competition; that society creates a demand for crime which is met by a corresponding supply; that the gap created by the arrest, trnsportation or execution of a certain number is at once filled by others, just as every gap in population is at once filled by new arrivals; in other words, that crime presses on the means of punishment just as the people press on the means of employment. How just it is to punish criminals under these circumstances, quite apart from any other considerations, I leave to the judgement of my readers. Here I am merely concerned in demonstrating the extension of competition into the moral sphere, and in showing to what deep degradaton private property has brought man.

Oferta e demanda? Conpetição (concorrência)? Mercado de crimes? Preço, elasticidades? Terrorismo é crime? Se é, temos um mercado garantido por Frederick Engels, como ele está assinado no frontispício do texto que acabo de citar.

Mas que diabos de curva de demanda é esta, que ninguém deseja e mesmo assim encontra-se lutando contra uma curva de oferta, esta mais claramente identificada (social e econometricamente)? Eu tento agora argumentar que se trata de uma curva de demanda é "imaginada", no sentido de abstração, incerteza e risco e da velha literatura de micro. Neste contexto, penso em algo análogo à função de utilidade indireta. Como sabemos, convencionalmente

curva de demanda:
q = f(p) : a quantidade procurada de uma mercadoria depende de seu preço

função utilidade:
u = u(q) : a utilidade do indivíduo depende da quantidade de mercadorias que consome

mas fizemos a utilidade indireta como
v = v[(u)q] : a utilidade indireta do indivíduo relaciona-se com sua utilidade convencional

ou seja,
u = w(p) : a utilidade indireta do indivíduo depende do preço das mercadorias que consome.

Se não fui obscuro, meu leitor terá entendido que quero dizer que, assim como a turma inventou uma função que dá a utilidade do indivíduo (e sua agregação grupal) como função do preço, por que não poderíamos desenhar uma curva de demanda, imaginando-a como responsiva, digamos, aos gastos em repressão ao terrorismo. A causação, se quisermos entrar nesta epistemologia, seria sinuosa: ao saber (estimar) que o número de atentados terroristas está crescendo, o governo gasta mais e, com isto, impede a efetivação dos ataques: quanto maior o gasto (preço), menos a quantidade perpetrada. E por que isto seria identificado com uma curva de demanda? Porque demanda é a função que relaciona as quantidades que os consumidores (o governo) estão dispostos e aptos a absorver a cada determinado preço que acham estar valendo a pena pagar.

Parece-me que podemos pensar que o governo sente-se frente a um dilema de prisioneiro: é melhor esperar o pior, é melhor reagir à simples possibilidade da presença de caroneiros em seu ambiente de atuação. E, além disto, temos o velho dito latino "si vis pacem para bellum", indicando que aparentemente os governos, a menos que se instale o governo mundial, deixarão de ter seus exércitos. E, nesta linha, o departamento de combate ao terrorismo, com relação inversa entre o gasto (id est, preço) e a quantidade de atentados.

Se isto é complicado, só imagina o que eu escreveria se fosse falar sobre a imanência da relevância do conceito de trabalho abstrato nas viagens intergalácticas.

DdAB
Imagem: aqui. Não sei se entendi bem: parecem-me soldadinhos descendentes de japoneses construindo escolas: se querem a paz, o traço característico é mesmo education, education, education...

Nota 1 Meu livro é:

MARX, Karl (1977) Economic and philosophic manuscripts of 1844. Moscow: Progress.
Na página 5, aloja-se uma nota do editor, que vai até a p. 11. Antes de nela chegarmos, deparamo-nos com a seguinte passagem:

   The supplement to this volume contains Engels' article 'Outlines of a Critique of Political Economy', written at the end of 1843 and early in 1844. Marx thought very highly of this article. So much so that he mentioned it specially in the Preface to the Economic and Philosophic Manuscripts of 1844. Later, too, he referred to the article, which had unquestionably influenced his own scientific interests, as a work of genius. It is remarkable for its profound revolutionary dedication, its materialist approach to economic phenomena and theories, and its clear understanding of the failure of the metaphysical method used by bourgeois economists. It was the first experiment in applying the materialist world outlook and materialist dialectics to the analysis of economic categories.

Pois bem. Algumas páginas adiante (actually na p. 18) encontra-se aquele "he mentioned it specially in the Preface", que cito apenas um trechinho do livro da Editora Boitempo (na página 30 lá deles):



17 maio, 2015

Ofensas Matinais


Querido diário:

Acordei, para um domingo, extemporaneamente, às 7h00min00seg. Levantei pouco depois. Tomei meu café, comecei a ler o jornal e... Pimba! Ofensa.

Eu mesmo suspeitava ter lido a sentença no "18 de Brumário", com se depreende clicando aqui. Tá por aqui para quem não quiser ir para lá:

[Um pinta cujo nome está lá na postagem fez] considerações sobre as instituições que emperram o desenrolar da História (nota bene o h e o H). Também vivo pensando no significado desta, com H. Nasce como tragédia e se repete como comédia, quando o faz. Era Marx, "18 de Brumário"?

Claro que eu não garantiria ser o "18 de Brumário de Luis Bonaparte", pois "minha memória é fogo", como antecipou o MPB4, sabe-se lá em que long-play daqueles tempos. E daí? Será que seria outra obra de Marx? Talvez a "Crítica do Programa de Gota"?

Era mesmo o "18 de Brumário", que tem o seguinte parágrafo inicial:

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Caussidière por Danton, Luís Blanc por Robespierre, a Montanha de 1845-1851 pela Montanha de 1793-1795, o sobrinho pelo tio. E a mesma caricatura ocorre nas circunstâncias que acompanham a segunda edição do Dezoito Brumário! Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada. Assim, Lutero adotou a máscara do apóstolo Paulo, a Revolução de 1789-1814 vestiu-se alternadamente como a república romana e como o império romano, e a Revolução de 1848 não soube fazer nada melhor do que parodiar ora 1789, ora a tradição revolucionária de 1793-1795. De maneira idêntica, o principiante que aprende um novo idioma, traduz sempre as palavras deste idioma para sua língua natal; mas só quando puder manejá-lo sem apelar para o passado e esquecer sua própria língua no emprego da nova, terá assimilado o espírito desta última e poderá produzir livremente nela.[Grifo meu, claro]

Em compensação, no caderno PrOA do jornal Zero Hora de hoje tem um artigo, talvez o primeiro ou o segundo de Roberto Romano, professor de filosofia da Unicamp, substituto de Renato Janine, professor de filosofia da USP, que transitou para o Ministério da Educação, na condição de ministro. E parece que ainda não foi demitido nem demitiu-se. É meu candidato a presidente da república! (Qual partido, santa democracia?).

Roberto Romano diz já no comecinho:

O leitor se enfada ao ler e ouvir, como ladainha, o dito marxista repetido até a náusea na mídia nacional? Falo do chavão: na primeira vez um evento é tragédia, depois, comédia. O enunciado não é de Marx O dito encontra-se nas hegelianas Lições sobre a Filosofia da História", onde se analisa a crise política do Imp´rio Romano. [...] 

E segue

Assim, diz Hegel, 'Napoleão caiu duas vezes e os Bourbons foram expulsos duas vezes. A repetição realiza e confirma o que, no início, parecia contingente' Hegel não fala em tragédia ou comédia, mas recorda Shakespeare e sua peça sobre César. E ironiza a tolice conservadora posterior à Revolução Francesa. Marx também bebeu das águas hegelianas, nas Lições sobre a Estética. Ali sim, Hegel fala da tragédia divina e, depois, da sátira.

Pensei: devo ser mesmo um pedante por não saber destas coisas sobre Hegel e suas lições, que nunca li e juro até chegar aos pés juntos que jamais lerei, a não ser que me deem uma daquelas bolsas de estudo da Petrobrás, hehehe. Mas segui, altaneiro:

As frases de Marx, repetidas pelos pedantes de hoje, surgem no 18 Brumário de Luis Bonapaarte, livro ignorado pelos preguiçosos universitários ou jornalistas. [...]

"E agora", voltei a pensar, "sou mesmo um pedante?" Diferentemente de mim, é sabido que Marx leu mesmo Hegel, e quem não o leria se até seu desafeto Arthur Schopenhauer o fez? Aqueles tempos eram diferentes. Se não li Hegel, é certo que Hegel vingou-se e não leu meu blog! Ainda contrafeito com estas declarações, pensei que Roberto Romano, se é que não fraudei o que ele escreveu, disse:

.a. o enunciado não é de Marx

.b. o enunciado é de Marx (ou melhor, Hegel não se refere nem a tragédia nem a comédia.

Ok, o artigo é bão, como diriam lá seus alunos de São José do Rio Preto. E termina clamando por tolerância no momento conturbado, hegeliana e marxianamente, que vive o Brasil de 2015. Mas estas ofensas cedinho da manhã é que não se justificam: afinal, Hegel não falou em tragédia e comédia e nem eu falei que ele falou peremptoriamente, digo, quero dizer, citei com uma interrogação. Uma vez que nunca lerei Hegel, fico mesmo é com o 18 de Brumário. E achando que quem bancou o pedante, se é que o fui, agora chegou a vez do articulista.

E que me inquieta? Logo eu que acho que a arte do possível dirá que viveremos estes impasses institucionais brasileiros ainda por mais muito tempo (digamos, pelo menos 20 anos). Já fui classificado como neo-clássico de esquerda, o que me levou a criar a escola de pensamento econômico designada como neo-heterodoxia. Lembrou Flávio Comim que foi o professor lá naquele velho curso de Introdução à Economia que falou em "marginal" e "mais-valia". Falei mesmo!

DdAB
P.S. tudo a não ser que haja mesmo uma campanha para colocar na presidência da república os filósofos das universidades estaduais paulistas. E seu séquito, reservando-me uma boca de dirigente da petrobrás.

Imagem: aqui.

16 maio, 2015

Ulysses: Osman no título


Querido diário:

Se "Ulysses" fala de tudo, de todos os mundos possíveis, como não falaria de Osman Lins? Como não ter um de seus momentos com personagens, ruas de Dublim, pratos orientais, trinados de ópera, algo, o que quer que seja, com Osman ou palíndrome como namso?

A verdade verídica é que intuo que James Joyce leu as obras completas de Osman Lins mesmo antes de o segundo tê-las escrito. Isto não é raro na literatura ocidental, como o provam Petrarca, Bukowski e Dostoyewhisky. Para não falar das obras secretas, inéditas, mantidas em floppy disks guardados em cápsulas enterradas no, claro, centro da terra, cápsulas resistentes a temperaturas elevadas, mas não o suficiente para levar o próprio planeta à condição de combustor nuclear e, deste modo, estrela. Esta metamorfose comprometeria os arquivos de  dados.

Prova: em nossa tradicional sentença, citada de memória:

Stately, plump Buck Mulligan came to the stairhead, bearing a bowl of lather on which a razor and a mirror lay crossed:

.a. de 'mulligan', Joyce retirou o 'n';
.b. de 'stately'', Joyce retirou o 'a';
.c. de plump, Joyce retirou o "m",
.d. recorrendo novamente a 'stately', Joyce colheu o 's';
.f. finalmente, da expressão preposicional 'to', Joyce sacou o 'o', de Osman, formando-se assim a palíndrome de que tanto falo nestes "Escritos", sem maiores medos de ser trancafiado na cadeia irlandesa.

Com n, a, m, s e o, devidamente palindromados, lê-se claramente Osman, Osman da Costa Lins! Só pode ser magia.

Vejamos mais uma estrondosa influência de Osman sobre James. No livro que segue, lemos o que segue:

LINS, Osman. A Rainha dos Cárceres da Grécia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

A socióloga Cesarina Lacerda, desenvolvendo sugestões de Lucien Goldmann, de quem foi aluna por correspondência, realizou pesquisa de campo nos bairros operários do Recife e constatou o que já era previsível, o domínio absoluto do rádio como instrumento de informação e a nenhuma importância do jornal. Menos previsível é o desacordo entre o mundo configurado pelo rádio e, para os que sabem ler, o que estampam os jornais. Os jornais cedo ou trade chegam à periferia, como papel de embrulho, trazidos pelos pobres ambulantes que os compram a peso para revender, e até soprados pelo vento. Uma dona de casa, entrevistada em 1968, acreditava ser recente o suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido em 1954. Mas o aspecto que parece haver tocado Cesarina Lacerta e ao qual consagra extenso capítulo é o que ela denomina 'a confirmação da existência'. Marginalizado social e topograficamente, o homem da periferia tem poucas ligações com a cidade, não sendo insensível a essa exclusão. O rádio, dirigindo-se, através do locutor, a um ouvinte não especificado e sempre encarecido, vai ao encontro de um vácuo. 'Chega ao homem dos morros e dos alagados como (enfim!) a voz da cidade, que o acolhe e reconhece. A linguagem radiofônica, portanto, reveste-se para ele de um caráter ao mesmo tempo balsâmico e recompensador. O silêncio da cidade representa uma forma de negação do ser: para existir, é necessário que a cidade fale. A mensagem radiofônica desempenha esse papel, conforma uma existência problemática e assume, com isso, um estatuto privilegiado e quase diríamos sacral.'^28 A interpretação de Cesarina Lacerda talvez explique a atração dos pobres pelo rádio. Seja como for, busca avaliar o significado, na chamada classe C, de um tipo de mensagem altamente cordial, frequentemente nesse meio de comunicação e lisonjeiro para o destinatário. Além disso, sem o saber, justifica a ensaísta, sob perspectiva sociológica, o discurso de Maria de França, que finge dirigir-se - solução evidente a partir do capítulo II - ao público de uma emissora de rádio. Animam a obra os clichês de linguagem comum aos locutores, e certos esquemas típicos de programas radiofônicos, dentre os quais o noticiário, empregado com humor e eficácia, envolvendo tanto as personagens (inclusive a própria narradora), quanto os acontecimentos mundiais, deformados pelo anacronismo e outros fatores.

Nota 28: Falando para o mundo. Recife, Ed. Flos Carmeli, Convento do Carmo, 1968, p. 120.

[Tudo assim no original, exceto as aspas tipo "abcz" que troquei pelas 'zcba'. E, onde pude, obedecer à idiotia nacional chamada de nova-nova-nova ortografia. E a citação ao capítulo II encontra-se na página 30 do mesmo volume, o que levou-me a consultar a página XXXII (que grafo 32R, ou seja, '32 em romano') da tradução de Tortosa do "Ulysses", de Joyce, para o espanhol, como veremos em seguida. Aliás, como sabemos, a finada sra. Cesarina Lacerda, casada com Edgard, era minha amiga, inclusive cedendo-me hospedagem em sua mansão recifense menos de 20 anos depois do aparecimento como personagem de ficção, que ela era assistente social de enfermagem e não socióloga, claro!, e quem me parece ter sido aluno de Lucien Goldmann teria sido mesmo o economista Osman Lins].

Estamos agora na página 32R da admirável tradução de Tortosa (ao espanhol, claro), Já sabedor que James e Osman gostavam de fazer das suas. De sua parte, vemos Joyce criando uma personagem chamada Gerty MacDowell. Mas sabemos que por causa de citas que veremos adiante na tradução brasileira de Bernardina da Silveira Pinheiro, Gerty é o apelido de Gertrude. E, ainda que a garota no romance tenha o nome de Gerty MacDowell, sua inspiração é mista. De um lado, Joyce tem em mente a figura de Martha Fleischmann, tomando-lhe os pensamentos lúbricos em Zurique. De outro, estamos frente a "otra infatuación de Joyce, el de la joven doctora que conció en 1917, Gertrude Kaempffer".

Posso garantir que Gerty é mesmo Gertrude MacDowell, pois ela, na genial tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro, em

JOYCE, James. Ulisses. Rio de Janeiro: Alfaguarra/Objetiva, 2007. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro.

fica, na praia, fantasiando um casamento com Reggy Wylie (página 409 de BdSP).

Tomo a palavra: tudo se esclarece: no original em inglês, o nome de Gerty aparece 64 vezes, nada mais cabalístico, nada mais revelador, pois, como sabemos 64 é um quadrado e um cubo. Quadrado de 8 e cubo de 4. E, por que negar?, potência 5 de 2. Dois, ainda podemos imaginar, na imaginação de Joyce, ou -o que dá no mesmo- de Gerty seria o casal Reggy-Gerty.

Então, naquela página 409, temos a Gertrude Wylie. Depois há mais algumas gertrudes. Três. Em duas delas, não é nossa Gerty, parecendo ser uma empregada sem sobrenome. Seja como for, não há qualquer dúvida sobre o nome de Gerty: Gertrude. E que isto tem a ver com Osman Lins? Parece tão óbvio que nem vou explicar...

Sei que, em literatura, assim como em matemática, não se pode garantir que uma prova seja realmente verdadeira (por exemplo, 1 + 1 = 10, q.e.d.), a menos que saibamos todos os supostos explícitos e implícitos feitos em todas as gerações desde o chimpanzé africano, para entendermos o mundo da mesma forma que o fazemos há mais de cinco ou seis gerações (no caso, base 2). Deste modo, não apenas minhas teses, mas também suas antíteses e eventuais (quando possível) sínteses, provam que meus escritos são apenas ficção. E que tudo o mais que escrevi, ou seja, todos os meus escritos, são ficção, meu jeito de ver o mundo, sua raiz quadrada e o retorno, ao elevar o que escrevi ao quadrado. Se é que a matemática permite este tipo de operação. Por exemplo, o título da postagem garante que Osman está no título. E, se mal-entendidos houver, a culpa é do revisor, no caso, eu myself mesmo.

DdAB
Imagem daqui. Inclinando a foto, sob luz adequada, vemos que Osman Lins, na foto acima, está manuseando a edição de 1922 do "Ulysses". Isto prova que o autor brasileiro nasceu mesmo em 1924.

P.S. Conferir minha cita de memória com o original:
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.

14 maio, 2015

A Vitória Definitiva da Economia de Mercado


Querido diário:

A ingratidão é brabo, como diria um gaúcho, talvez falando em/de mim. Alguém, que não lembro mais who, indicou-me o livro

JAPPE, Anselm (2011) As aventuras da mercadoria; para uma nova crítica do valor. Lisboa: Antígona. Tradução de José Miranda Justo.

Livro caro, importado, o que não me dei conta até bater na palavra "fato", terno, fatiota. Pensei: estes tradutores brasileiros estão pegando o livro do alemão ditado nessa língua, mexendo um pouco na tradução francesa e metendo o mal-entendido. Meu leitor diuturno sabe que não tenho em alta conta o  trabalhador brasileiro em geral, especialmente julgando-o pelo diferencial entre sua produtividade e aquela do trabalhador belga, sueco, e por aí vai.

Bem. Pensei: vou decorar a primeira sentença, pois é isto que me dá fama no que diz respeito a "Ulysses", de James Joyce, e "Das Kapital", de Karl Marx. Então lá vai:

A riqueza das sociedades humanas em que rege o modo de produção capitalista...

Não, não, não, isto é "O Capital". Ok, vejamos:

Sobranceiro, o fornido Buck Mulligan dirigiu-se ao alto da escada...

Epa, epa, agora vem-me à memória o próprio "Ulysses". O primeiro evoca-me pela tradução de Reginaldo Sant'Ana e o segundo por Antonio Houaiss. Então, vamos ao Jappe:

Há alguns anos muita gente estava disposta a acreditar no 'fim da história' e na vitória definitiva da economia de mercado e da democracia liberal.

De acordo com meu domínio da língua portuguesa, não tenho maiores encrencas com a frase até aquela "vitória definitiva da economia de mercado." E nem falarei mais nada além disto na postagem de hoje.

Claro que tem gente que acredita em tudo e outras que negam tudo, não acreditam em nada, outros que roubam, os que matam, os que trabalham feito máquinas, e tudo o que de mais podemos evocar destes primeiros dez ou 12 mil anos de história humana. Por não ter sido testemunha ocular, não sei se é mesmo verdade que o mercado surgiu mais ou menos ao tempo de Aristóteles (e parece que li isto em Stephen Hymer, ou Karl Polanyi ou ambos). Então deixemos claro: mercado é uma instituição que envolve outras tantas instituições, a maior delas dizendo respeito ao sistema de preços, a criação de incentivos à produção e, naturalmente, o dinheiro.

Obviamente, não podemos pensar que o dinheiro surgiu antes da mercadoria simples. Aliás, a mercadoria simples nunca existiu, uma vez que -derivando-se da troca- ou surgiram duas ou não houve troca. Ou seja, a primeira troca já foi testemunha do primeiro modelo de equilíbrio geral da história da moderna calibração (Hehehe, claro que não estávamos falando de "modelos", mas de mundo mundano).

Lá pela página 3 ou 4 do texto de Anselm Jappe, senti falta da boutade -se é que é isto- de Marx dizendo que "no capitalismo tudo vira mercadoria, inclusive a honra". Então, se é que o velhinho tinha razão, não nos devemos surpreender se os políticos brasileiros venderam suas honras por dinheiro contado. E claro que antes do capitalismo, se é que houve isto, a mercadoria virara dinheiro, na idade média gerara o crédito e nos tempos modernos gerara o Banco Central.

Lá naquele negócio de Oskar Lange e Frederick Taylor de 1936, se é que eu já tinha nascido, o que duvido, tornou-se claro que a teoria garantia que se poderia articular um sistema de alocação de recursos despido de um sistema de preços. Fora o lado prático que, na União Soviética, já se via em ação o planejamento central para uma boa parte dos recursos, sobrando uma fração cada vez menos importantes deles para a alocação no mercado.

Um dia há vários anos, dei-me conta de que fazer um sistema econômico por decreto tem o mesmo tipo de erro antipático daqueles que fizeram línguas artificiais, como bem lembro do esperanto. [Não li isto agora, mas se quiseres saber mais sobre esta encrenca, clica aqui]. Desde então comecei a ver com mais simpatia aquela frase de meu amigo Gerônimo Machado que reproduzo aqui com frequência de fã: não queremos socialismo, mas reformas democráticas que conduzam a ele.

E também aprendi nos cursos de organização industrial a que assisti e nos muitos mais que ministrei aquela encrenca toda do mercado real ser incapaz de prover simultaneamente eficiência alocativa, distributiva e produtiva, exceto nos casos ausentes do mundo real de concorrência pura e contestabilidade perfeita. Ou seja, nunca haverá numa economia de mercado eficiência nesses três sentidos (respectivamente, preço igual ao custo marginal, preço igual ao custo médio e custo médio mínimo). E por isto passei a pensar que o lucro extraordinário é uma distorção desejável do sistema e que o segredo da sociedade igualitária será organizar como dele dispor. Por exemplo, 100% para o patrão, 100% para o governo, 100% para os trabalhadores, 100% para os indivíduos santificados (ver aqui, para exemplo de um deles), ou combinações destas possibilidades e infinitas outras.

Mas, nos dias que correm, nas décadas que nos esperam, talvez séculos, não há melhor solução para o problema da produção (especialmente incentivos) do que a economia de mercado. Ou melhor, a economia capitalista. Fora que já dei minha piadinha a respeito: o capitalismo acabou há mais de 15 dias... Seja como for, comecemos pelo sistema solar. Será que este negócio de "vitória definitiva" lá da frase de Jappe e do título de minha postagem resistirá ao colapso do Sol? À decadência dos prótons (que devem levar mais tempo do que o estimado para o gran finale do universo? Ou mesmo a uma contração demográfica que penso deverá ocorrer no Terceiro Planeta de Sol durante o século XXII?

Claro que o capitalismo é um sistema econômico datado. O que não podemos garantir tão serelepemente é que o sistema de mercado, as economias monetárias, não durarão tanto quanto ou mais que as primeiras evasões populares do planeta e da expansão do Sol em sua busca de condição de anã branca?

O que me parece óbvio é que o capitalismo hoje é muito mais concorrencial do que há 50 anos, tanto geograficamente quanto qualitativamente, ou seja, a financeirização das transações, a transformação das empresas "industriais" em empresas financeiras, ou -por outra maneira de expressar- a expansão dos bancos nos últimos 200 anos foi muito mais vigorosa do que da empresa industrial/comercial/etc.

Em outros termos, não houve nem haverá vitória definitiva das economias de mercado, a barbárie pode avançar muito mais do que já o fez e tudo pode acabar, com leis de movimento do capital, aquelas coisas de que presumo serão tratadas por Jappe daqui a algumas poucas páginas. Nem o Sol é eterno, que dizer um sisteminha econômico evoluído nos cérebros da macacada humana?

Minha fé nas virtudes estáticas e dinâmicas de uma sociedade igualitária é que apenas com ela é que haverá vagas para todos nas naves que resgatarão a turma quando a terra for tragada pelas labaredas da anã vermelha!

DdAB
P.S.: eu poderia colocar como marcador desta postagem também "Escritos", mas quero deixar claro que tudo o que falei aqui, inclusive as acusações e piadinhas, é mesmo economia política!
P.S.S. e a imagem é da bandeira do movimento esperantista (do qual -hélas- já fui simpatizante e até praticante... Agora, no futuro, não poderemos ter para o governo mundial nem bandeira vermelha, nem bandeira verde.

13 maio, 2015

Simonsen: conjuntura e desenvolvimento


Querido diário:

Hoje aconteceu uma daquelas coisas que costuma repetir-se a cada 40 anos, ou algo assim. Como não tenho nem 80, torna-se claro que hoje é realmente o primeiro dia de minha vida... Não é que estava eu dando uma olhada no livro

SIMONSEN, Mário Henrique e CAMPOS, Roberto de Oliveira (1974) A nova economia brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio.

que adquiri em 1975, na condição de aluno do hoje chamado PPGE/UFRGS, provavelmente por influência (carga de leitura) do prof. David Garlow. E que encontro? Um recorte, ou melhor, uma página inteira do jornal Correio do Povo, quarta-feira, 24 de novembro de 1976, página 23 da seção Noticiário.

Agora, despido de Campos, Simonsen falava na condição de ministro, vejamos:

RIO, 23 (Sucursal) - O ministro Mário Henrique Simonsen pronunciou hoje na Escola de Guerra Naval , conferência intitulada 'Táticas de Conjuntora e Estratégia de Desenvolvimento'. É o seguinte, na íntegra [nota bene: transcrevo apenas a primeira seção], o pronunciamento do ministro da Fazenda:

1) Objetivos e Condicionantes em Política Econômica
   Seria ocioso lembrar que o principal objetivo de qualquer política econômica deve residir na melhoria do padrão de vida da população. Ou, o que é o mesmo ,aumentar  quantitativa e distributivamente o mercado interno de bens de consumo. Ocorre que, pelo menos a médio e longo prazo, um país não expande seu mercado interno de quanto quer, mas de quanto pode. A análise econômica nos ensina que a trajetória de crescimento do consumo, ao longo do tempo, está sujeita a auma série de condicionantes limitativas que convém relembrar:

   A) nenhuma nação pode consumir mais do que produz, a menos que se descapitalize ou se endivide externamente; como nenhum banqueiro empresta a quem se descapitaliza, a única maneira sustentável de elevar os padrões de consumo consiste em aumentar os índices de produção;
   B) o aumento de produção só se consegue através da capitalização da sociedade via investimento; os investimentos só podem ser financiados pela poupança interna, que significa a abstenção de consumo, ou, complementarmente, pela poupança externa;
   C) os padrões de consumo que interessa aumentar são os reais e não os nominais; a tentativa de expansão do mercado interno além das possibilidades pode ser frustrada pela inflação;
   D) um país não pode viver com suas contas externas em permanente desequilíbrio;
   E) um país absorve poupanças externas na medida em que seu consumo mais investimento excede o Produto Nacional Bruto; o excesso, que é a absorção líquida de poupanças externas, coincide com o déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos., isto é, o déficit comercial mais o de serviços e transferências unilaterais;
   F) só há três formas de financiamento do déficit em conta corrente: o aumento da dívida externa, o ingresso de investimentos externos diretos e a perda de reservas cambiais. Esta última forma só pode ser usada transitoriamente; se conceituarmos como dívida externa líquida a dívida bruta menos reservas, podemos afirmar, contabilmente, que o acrescimento da dívida líquida é igual ao déficit em conta corrente menos o ingresso de investimentos diretos;
   G) assim sendo, dívida líquida não é causa, mas efeito do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos;
   H) um país de moeda inconversível, como o Brasil e a virtual totalidade dos países em desenvolvimento, tem que pagar sua dívida externa em moeda estrangeira, a capacidade de endividamento de um país está, assim, estreitamente correlacionada com a sua capacidade de gerar divisas via exportação de bens e serviços. Essas condicionantes, quase todas tautológicas, têm que ser levadas em consideração em qualquer model ode desenvolvimento. Coo todos os freios aos sonhos de uma sociedade, elas se podem considerar bastante antipáticas, mas a teoria prevê e a experiência confirma que o esquecimento de qualquer destas limitações ao crescimento do consumo redunda em estrondoso fracasso na vida de qualquer economia. Abstrair essas condicionantes é um fútil exercício de revolta contra a aritmética.

   Certamente essas limitações ao crescimento sempre existiram e foram devidamente ressaltadas nos manuais elementares de economia. O aumento dos preços do petróleo, em fins de 1973, simplesmente as tornou muito mais apertadas, sobretudo para as nações em desenvolvimento importadoras de petróleo.

O artigo segue com mais três ou quatro vezes o tamanho do trecho que acabo de transcrever. O restante inteirinho (toda a seção 2) obedece ao título de "O Panorama Econômico Internacional".

Tem muita coisa para comentar, o que -talvez- eu mesmo venha a fazer nos próximos tempos. Como disse Marx sobre Balzac, como disse Cortázar sobre Borges e como disse Antonio Barros de Castro sobre a ditadura militar, não nos devemos enganar, não devemos confundir a ação reacionária com o legado literário nos dois primeiros casos e "desenvolvimentista" no outro. Quero dizer, Simonsen foi um homem que serviu a ditadura militar, um ministro competente e que até perdeu o pé para gente mais a sua direita, inclusive o sr.Antonio Delfim Netto.

Também pode ser que eu venha a trazer mais detalhes sobre outro trabalho de Mário Henrique Simonsen, desta vez já fora do governo, lá naqueles tempos, publicado pela revista Veja, quando ainda lhe restavam a ela traços de decência. É óbvio que os escritos de Simonsen lá naquele contexto o caracterizaram como um social-democrata. E interessante que é expandir o assunto, tempos depois dele, o sr. José Serra, naqueles tempos, também escreveu um alentado artigo para a mesmíssima Veja, deixando clara sua visão não muito destoante de Simonsen.

O que eu desejo com esta postagem é deixar claras algumas tiradas retóricas de Simonsen, em particular aquela questão das tautologias e das afrontas à aritmética. Como sabe meu leitor diuturno, declaro-me o paradigma do pensamento de esquerda contemporâneo, como ainda referi recentemente: nada de nacionalismo, nada de protecionismo, nada de estupidez aritmética. Ou seja, parece óbvio que há um vetor constituído pelos valores numéricos das variáveis taxa de juros, taxa de câmbio, taxa de salário e déficit público que dá equilíbrio (poderiam lá os anti-equilibristas dizer 'dá consistência') macroeconômico ao sistema.

O Brasil do primeiro governo Dilma perdeu esta condição e agora está pagando um preço altíssimo para recuperá-la. Aos que vão nascer: estude sem preconceitos, escolha um paradigma analítico, aproprie-se de suas equações tautológicas/aritméticas fundamentais (e, claro, das equações de comportamento) e nunca fuja delas, nunca as contrarie, nunca contrarie a lei da oferta e procura.

DdAB
A imagem tirei-a deste blog aqui. A matéria ão me pareceu muito interessante, não chegando ao ponto de induzir-me a lê-la todinha. Por outro lado, parece óbvio que a ideia de ornitorrinco associada ao descalabro brasileiro é iniciativa de Chico de Oliveira. Eu gostaria de saber especificamente se ele é nacionalista, protecionista, essas coisas. E se acha que é melhor formar capital físico do que capital humano.