06 novembro, 2014

Investimento e Poupança: crazy explanations


Querido diário:

Há alguns anos (umas décadas), Paul Romer escreveu na NBER Macroeconomics Annual, v. 2, um artigo intitulado algo como "Crazy explanations for the productivity slowdown". E fico apenas com aquele negócio de explicações abiloladas. Indago-me como é que pessoas detentoras de razoável formação intelectual sugerem que a poupança gera o investimento.

Senão vejamos. O equilíbrio contábil mais óbvio é aquele que, por construção, iguala o investimento, uma conta que resulta de ações comportamentais dos agentes econômicos, à poupança, uma conta que surge como simples necessidade de coerência do sistema, uma conta de saldo.

No modelo elementar, o investimento iguala a poupança total. No modelo mais realista, a poupança se subdivide em poupança das famílias, poupança do governo e poupança externa. E, claro, a soma destas três deve dar conta da poupança total.

É que, no modelo keynesiano elementar, definidas as óticas de cálculo de tal ou qual forma, não resta dúvida de que,

.a. Y = C + I (ótica da demanda final)
.b. Y = C + S (provavelmente ótica de nada!)
[Certamente, se a poupança esteja localizada no quadradinho da renda em uma matriz de contabilidade social, isto é, se houver poupança dos fatores diretamente contabilizadas como tal, a poupança entrará na contabilização da renda. Mas este caso improvável implica que a poupança das instituições seja nula, ou seja, que as famílias igualaram receita e despesa, que o governo igualou receita e despesa e que os empresários exportadores de bens e serviços venderam um montante monetário (em moeda externa) exatamente igual ao que os produtores despendera no exterior na forma de importação de bens e serviços. Pode?]

Então, por esta equação viciada I = S. Segue-se o pior. Se é mesmo que o investimento é função da poupança, então a matemática sugere:

I = f(S)

Mas, uma vez que, como acabamos de dizer, supusermos que I = S, podemos reescrever este Y = f(S) como

I = f(I),

ou seja, o investimento é função do investimento, de si mesmo, de sizinho da silva. Claro que isto é verdade, de acordo com o primeiro princípio da filosofia, nomeadamente, I = I, ou seja, o ser é idêntico a si mesmo.

DdAB
Moral da história: as crazy explanations são minhas ou de milhares de outros?

Imagem: um Goya intitulado Hospício, pintado entre 1812 e 1819, conforme a Wikipedia aqui.

P.S. se quisermos dizer, menos imbecilmente, que o investimento deste ano depende da poupança do ano passado, chegamos a

It = g(St-1)

E, claro,

It = g(It-1),

o que nos leva àqueles modelos econometricamente pobres chamados de "variáveis defasadas", ou Koyck-Nerlowe, né?

P.S.S. Às 9h40min fiz uma bruta retificação naquele [...] que seguiu-se à equação Y = C + S. Fui socorrido por um telefonema anônimo que disse que eu estava tão entusiasmado em achincalhar a direita raivosa que cometi um achincalhe contra minha própria tradição de contabilista social. Anuí e retifiquei. Espero que o erro involuntário não comprometa o orçamento doméstico de ninguém.

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