22 julho, 2013

Até o Estadão...

Querido diário:
 Costumo afirmar que sou um economista de esquerda. E costumo diferenciar-me de colegas de esquerda que não aprenderam a teoria da escolha pública, que seguem endeusando a estatização (produção e não apenas provisão de bens públicos e meritórios), que não desejam o governo mundial, e pilhas de outros recortes, diferentes visões da mesmíssima realidade. Ser de esquerda, bem entendo, não é algo passível de "prova analítica". Aliás, nem sustentar que a sociedade igualitária é melhor do que qualquer alternativa desigualitária.

Neste último aspecto, parece-me que a evidência empírica trazida por Wilkinson e Pickett (que acabo de ver já contar com um site na Wikipedia bem aqui) tem uma abordagem avassaladoramente indicando para as virtudes da sociedade igualitária. Mas quem confia 100% nos dados? Mesmo porque os dados, mesmo que capturados com precisão absoluta, não expressam todo o passado nem todo o futuro. Então por que igualdade? Pois estamos no mundo das ideias, bramindo com valores e crenças. E de ondes eles e elas vêm? Ideologia: praticamente já nasce com a gente!

Mesmo autodefinindo-me como esquerdista-igualitarista, há 50 anos, eu lia afanosamente os jornais da "grande imprensa", dois desaparecidos e dois ainda sobrevivendo, respectivamente, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. E nenhum deles expressava minha opinião, o que -lá da parte deles- era bastante sensato, pois enquanto tal, minha opinião estava em formação, dados os contornos ideológicos que me cercavam naquela época. Os dois primeiros pareciam-m um tanto mais à esquerda do que os dois paulistas. Mas esquerda mesmo eram os "nanicos" Movimento e Opinião, talvez já uma década adiante.

E o Estadão? Era o cognome dado ao jornal O Estado de São Paulo, em resposta ao alentado volume especialmente de seus cadernos de anúncios classificados. Pois ontem adquiri um exemplar alentado, mas não se compara com o que minha memória atribui-lhe naquele passado remoto. No primeiro caderno há um artigo intitulado "Da Rua Pra Web Pra Lei". Foi o mais interessante que vi até o momento. O autor do artigo é Herton Escobar, mas ele relata a visão de Douglas Theodoro (nada vi de muito conclusivo no Google) sobre "a web e as ruas". Diz o artigo:

A única maneira de acalmar as ruas, dizem, é digitalizar a democracia. Para isso, propõem a criação de uma 'praça pública' digital - Fórum do Cidadão-, na qual a população poderia debater e votar assuntos de interesse nacional [...]. [...] com validade política e jurídica, de modo que os debates e votações realizadas ali tivessem influência na formulação de políticas públicas.
Na prática, seria uma plataforma online para realização de plebiscitos e referendos, com computadores e smartphones no lugar das urnas eletrônicas.

Há anos, eu -ao lado de milhares de outros- falava (página 81 d'A Cura da Época Futura):

O mundo se movimenta ao ritmo de princípios, julgamentos de valor, de modo que a solução para esses impasses é uma sequência de plebiscitos, tão longa quanto seja necessário.

Mas, para concluir, não tenho dúvida de que a civilização passa por esta substituição da representação política por meio de instrumentos originários da internet. Por outro lado, não tenho dúvida de que a humanidade seguirá expressando-se "na rua" por muito tempo, talvez sempre. É claro que manifestações contra a corrupção e algumas coisas deste tipo podem ser realmente sepultadas, mas haverá outras que não consigo visualizar no presente e que certamente vão furar os "canais constituídos", mesmo que estes sejam muito mais democráticos do que os hoje disponíveis. 

DdAB
P.S.: a imagem é do próprio jornal. De minha parte, nas eleições, eu falava na chapa Serra-Dilma, por não ver maiores diferenças entre um e outra no que diz respeito às profundas reformas de que o Brasil precisava. Claro que hoje podemos dizer que, com Serra, tudo teria sido diferente e que, destes dois anos e meio da gestão da presidenta, ele teria encaminhado soluções que nem teriam suscitados os descontentamentos que culminaram nas manifestações. Mas nem tudo está perdido, pois ouço dizer que o PPS está convidando Serra para integrá-lo e como tal concorrer à presidência da república.

P.S.S. (aposto às 11h20min de 23/jul/2013: será que as afirmações que faço acima resultam do que eu já lera em passado remoto, retivera em minha mente e apenas agora olhei novamente? "[...] Kant's view that human racionality lacks the power to answer metaphysical queestions, since our knowledge is limited by our specific and narrowly-circumscribed capacities for organizing our field of sensation."

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