19 julho, 2012

Graça e a Democracia

Querido Diário:
Ele dera o tom na p.128 (volume Viagens). Depois viria coisa ainda mais profunda. Teriam vindo outras antes e é certo que virão outras ainda nos dois volumes finais. Ele? Graça? Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, volume 1 da edição Círculo do Livro sem data circa pré-2009 (ano da tragédia da novíssima ortografia). E que tom era? Uma senhora francesa que ele conhecera 20 anos atrás, em outra (esta viagem era no 'Manaus', o navio que lhe servia de prisão, trasladando-o de Recife ao Rio de Janeiro) viagem do nordeste ao Rio. Disse ela: "Quel pays, mon Dieu!". Claro que pensei naquela viagem de que Charles De Gaulle teria dito que não vivemos (abaixo do equador) num país sério. Descontada a parte do sofrimento provocado pela 'classe dominante', vivemos, realmente, no país do samba, carnaval e farra, se cito terceiros.

Mas o que desejo falar é ligado a esta questão da visão amarga da vida tropical, da vida brasileira. Da democracia e seus limites. Estamos agora na p.175, o que já nos deixa no segundo volume, o 'Pavilhão de Primários'. Vida muito melhor do que no porão do navio. Na p.174, pintou a ideia de uma greve de fome entre todos os presos políticos neste pavilhão. Um certo Medina fez a proposta. Diz Graça:

Houve um sussurro e o desagrado estampou-se nos rostos.
-Provocação, murmurou Renato.
-Acha? perguntei.
-Sem dúvida. [...]
Muitos opinavam certamente assim; contudo nenhuma objeção pública se articulou. [...] Quem se expressou foi Bagé, mascando uma intervenção de apoio difícil à proposta de Medina. Sem debate, levou-se o caso imediatamente à votação e a maioria levantou o braço concordando, numa anuência desanimada e chocha. [...] E evitavam comprometer-se. [...]
-Bem, disse Rodolfo Ghioldi.
Aceitava a resolução, naturalmente, faria a greve como os outros; nenhuma vantagem, porém, ela nos traria. Esses movimentos nada sifgnificavam e não repercutiam lá fora, e nós estávamos isolados. Nenhum meio de chegar a massa a interessar-se por nós, e assim buscávamos somente iludir-nos. A observação de Rodolfo causou-me vivo mal-estar. Resolvera-se, para não mostrar covardia, praticar uma tolice. Pensei na afirmação de Renato, vaga desconfiança mordeu-me. Assistiríamos apenas a uma fanfarronada inconsequente ou haveria ali inimigos disfarçados? A suspeita iria prolongar-se, confirmar-se às vezes, outras vezes fazer-nos aceitar sem exame duras injustiças. Enleava-se, perplexo, quando Bagé voltou a gaguejar, a explicar-se entre avanços e recuos, mastigando o risinho mole e insignificante: a princípio a ideia lhe parecera boa, mas agora compreendia o erro e atacava-a. Ninguém a defendeu, outra decisão rejeitou-a por unanimidade. Essa reviravolta alarmou-me, de repente considerei o sufrágio coisa débil: afirmativas enérgicas, lançaddas por duas ou três pessoas bastavam para fingir um julgamento coletivo.

Jà vivi este tipo de sensação em muitos lugares, até no trabalho. Escolha pública, escolha coletiva? Parece que quem não vai organizado a uma reunião tem o perigo de ver suas melhores ideias jogadas de lado, pois outros grupos estarão preocupados em priorizar outros contornos. Mas, se não fosse a democracia, como é que as decisões seriam tomadas? Parece que não há escolha: um homem, um voto e um conchavo, um magote de votos. E fim. E viva a democracia.
DdAB
Imagem daqui, o que me cheira a um blog extremamente reacionário. Vou olhar com mais cuidado.
P.S.S. (aposto em 22/set/2016, às 10h24, quando estamos esperando a entrada da primavera para as 11h12 oslt). Dá uma olhada no Paradoxo de Abilene, sobre o qual fiz uma postagem aqui. Lá chamei a atenção para as correspondências entre ele e o Dilema de Prisioneiro. E aqui vemos o Graciliano refletindo sobre o que ele não denominou como paradoxo de escolha social, mas que é, lá isto é!

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