03 maio, 2012

Negões e Branquelos: mais dentes e menos instituições


Querido Diário:
Claro que o título de minha postagem serve para evocar o "sem lenço e sem documento" do jovem Caetano Velloso. De minha parte, ouvi-o pessoalmente (quer dizer eu mesmo ouvi e ele falava num estúdio de rádio de Porto Alegre, pessoalmente) explicar: um indivíduo de classe média. Nem tão rico para portar lenço de pano, nem tão pobre para preocupar-se com a Polícia do Estado do Rio de Janeiro, que -dizem- metia na cadeia qualquer negão e todo branquelo mal-vestido. Malandragem. Desde Machado de Assis, há registros dos chefes da polícia local, uns totalitários.

E também evoco outras duas postagens feitas por mim mesmo: A e B, no mais recente pretérito que se possa imaginar. De que se trata? Claro que do preconceito racial, do preconceito contra mulheres, contra pobres, contra judeus, contra antagonistas (inimigos) futebolísticos, contra quem bebe e não-bebe cachaça, e tudo o mais. Não quero ser ingênuo ao ponto de sugerir (o que, por tabela, também faço, rsrsrs) que os preconceitos e intolerâncias brasileiras sejam fruto da incompetência do poder judiciário. O que sugiro é que sua falência rotunda, completa e estrondosa em prover instituições minimamente críveis é que é o grande responsável pela falência completa, rotunda e estratosférica do convívio civilizado no Brasil.

Não é que ontem, Zero Hora, capa e p.38), a câmara dos deputados aprovou um projeto de lei (presumo que de autoria da presidenta) que diz que omissão de socorro é crime. Tudo por causa do sr. Duvanier (que é o negro apontado lá no artigo do prof. Tragtemberg), ou melhor, pela tragédia que lhe ocorreu. Ele não tinha lenços, documentos (?), talão de cheques. Então o hospital de Brasília negou-lhe atendimento de emergência e ele morreu. Claro que o hospital incidiu no crime de omissão de socorro, que estudei na faculdade estar assentado na constituição da república promulgada em 1946 (não tenho certeza, pois ainda não tinha nascido, o que fiz apenas no ano seguinte). Claro que houve milhares de outras constituições outorgadas (promulgadas, lá no dizer da turma) pelos governos militares e esta -como diz Delfim Neto- lei do orçamento (não levada a sério) promulgada em 1988.

E por que a presidenta Dilma precisou mandar ver mais uma lei? Porque tampouco ela acredita nas instituições. Se o hospital não tiver uma placa dizendo algo como "podem por-nos na cadeia se cobrarmos caução para atendimento de urgência", então ele vai para a cadeia do mesmo jeito. Obviamente o mais prático seria o próprio governo assegurar-se de que não haveria corrupção se ele mesmo pagasse todos os atendimentos de urgência. Afinal, aquele negócio de 1988 garantia serviço universal de saúde. Ou um seguro, um troço assim. Claro que poderia haver dificuldade em identificar o moribundo, pois ele não seria obrigado a portar documentos na sociedade livre.

Tudo lindo de morrer. Só que ficou faltando dizer como é mesmo que a sociedade brasileira -tão carente de instituições- vai organizar-se para cumprir o que manda a lei, ou seja, fiscalizar todos os hospitais do país.

DdAB
p.s.: ao ler a manchete do jornal ("Avança ideia de tornar crime cheque-caução cobrado em hospitais"), pensei: mais tentativas de revogar a lei da oferta e procura. Por que pensei isto? Porque, claro, os donos de hospitais, cansados de levarem cambas da população desarmada (e às vezes até armada), criaram um mecanismo para se precaverem.
p.s.s.: imagem - só abrindo um olho deste tamanho para garantir-se de que seus direitos elementares nao serão burlados pela plebe rude ou pelo próprio governo. e parece que o ovíparo tem um mamífero na testa.
p.s.s.s.: tudo explicadinho: mais dentes - o fluor acabou com a cárie do jovem contemporâneo da classe média; menos instituições - quanto mais lei deste tipo for feita, mais fracas serão as avaliações da eficiência das instituições. e, como tal, mais fracas serão as próprias instituições.

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