16 abril, 2012

30 Graus ao Sul (21) : Ricardo e a indústria


querido diário:
é a fama, é a lama. Tom? ando só? Engenheiros do Hawaii? claro que, com Tom Jobim (nome de aeroporto) e os Engenheiros (nome de CD), e milhares de colegas que compartilham minhas posições, não posso dizer andar só. tenho amigos e apoiadores selecionados, sempre foi assim, desde o Grupo Escolar Rio de Janeiro, ou melhor, o Jardim da Infância Ignácio Montanha. tenho amigos de quem divirjo aqui e ali, embora saibamos ser "do bem". e tenho desafetos também escolhidos, pois não sou de compartilhar com a mediocridade/falta-de-honestidade. ainda que não cultive apontamentos sobre a "história do erro humano", nada me impede de pensar em meus próprios erros de opinião e afeto. sou carioca, sou gaúcho, sou de esquerda, sou igualitarista. gosto dos argentinos, gosto do conto "El Sur".

tenho o Sul 21 entre meus links amados. por distração no dia 9/abr/2012, não vi que terei figurado em meu próprio blog com a chamada para ler o blog lá deles. por razões que a psicanálise ajudaria a explicar, apenas ontem passeei por lá e vi alguns comentários à notícia da Folha de São Paulo já longamente comentada por aqui mesmo. é a fama, é a lama.

então, ainda emocionado, lá escrevi (e tenho guardadinhos os comentários dos que me antecederam), dois pontos:

amigos:
é a fama! primeira vez na vida que venho aqui para comentar matéria sobre mim. que digo? digo mais em meu blog, claro. mas aqui deixo registrado que há duas maneiras de mexer com os preços:
.a. get the prices right
.b. get the prices wrong.
e meu argumento é que, no Brasil, a ideologia industrializante criou um sistema de preços de tal maneira enviesada que, em menos de 10 ou 20 anos, gerou uma das piores distribuições pessoais da renda do mundo.
ligar produção e distribuição está na raiz da economia política.
DdAB

e sigo aqui. quero dizer mais, relembrando coisas em que venho pensando desde o seminário que apresentei no IPEA. as crescentes referências à causa causans. todo fenômeno terá lá sua causa. que terá sua causa, que terá sua causa, ab ovo. tenho dito que poucos economistas políticos realmente enxergam esta coisa que Chico de Oliveira em seu maravilhoso (devo reler com urgência, está na agenda) "Crítica da Razão Dualista" registra. analisando o "Milagre Brasileiro", ele conduziu-me a aprender a expressão latina cui bono. ou seja, a quem interessava o crescimento econômico verificado pela economia brasileira entre os anos de 1967 e, talvez, 1978.

por um lado, temos aquela literatura da Curva de Kuznets com que lidei pessalmente (sozinho e acompanhado). parece óbvio que o Brasil, nos cross sections mundiais, encontra-se completamente deslocado da curva. este país tem muito mais desigualdade para o nível de renda médio dos demais países assemelhados. um outlier.

em outras palavras, a relação entre crescimento e desigualdade só pode ser:

.a. inexistente
.b. paralismo
.c. simetria.

esta curva lá do velho Kuznets fala em oposição no trecho inicial e depois complentaridade. países pobres seriam desiguais e, ao enriquecerem, tornar-se-iam mais igualitários.  por contraste a esta relação inversa, cada vez há mais evidência (um fragmento ínfimo listado na bibliografia do paper lido no seminário) de que a relação é de complementaridade (i. e., a relação é direta). aprendi este tipo de percepção com o famoso paper de Fernando Fajnzylber, sobre as "caixas vazias da América Latina". argumenta o autor nascido no Chile que ninguém (em especial, os grandes Argentina, Brasil e México) alcançou o box virtuoso da combinação entre crescimento e igualdade. ou seja, houve um quadrante vazio na América Latina. e acho que até agora ele não foi preenchido. (Chile: 0,52 em 2009; Brasil, 0,51 em 2012; mas já tivemos in Brazil computados até 0,6 e mais, nos tempos da inflação). e hoje tem o famoso Wilkinson e Picket.

segundo lado: aquele negócio de "cui bono, quem se beneficia". é garantido que, quando o índice Gini aumenta entre dois anos e as curvas não se interceptam, pode-se emitir um julgamento de valor inequívoco sobre as perdas de bem-estar da sociedade em que ele foi medido. quero dizer que, com todo progresso dos últimos, digamos 60 anos, e do índice de Gini de 1960 (id est, 0,49) nunca mais ter sido alcançado, nunca retornamos a menos desigualdade do que nesse ano intermediário entre a Copa do Mundo da Suécia (Pelé) e a do Chile (Garrincha) propriamente dito. mas não é impossível que todos tenhamos melhorado. a fome, parece, desvaneceu-se desde o Primeiro Governo Lula. e parece mesmo que há sinais de melhoria geral (mas quem garante, de qualquer jeito?) curvas que não se interceptam é uma coisa e curvas estimadas que têm parâmetros bem determinadinhos é outra e ainda sempre haverá outliers aqui e ali. seja como for, eu aceito que todo mundo tenha-se beneficiado do progresso econômico brasileiro dos últimos 100 anos.

mas o problema não é este. para mim, o problema é a desigualdade, é o inferno que se vive no Brasil contemporâneo e que, em minha maneira de ver, não passa de reflexo da enorme desigualdade. por exemplo, está na minha cabeça a série de reportagens e repercussões de Zero Hora sobre o Presídio Central de Porto Alegre. que seria sociedade igualitária? é sabido que há mais pobres criminosos alojados no Central e elsewhere do que ricos. isto é desigualdade, por que o pobre deveria ser intrinsecamente mais criminoso do que o rico? mas não é apenas isto. o fato de que não há assistentes sociais, dentistas e outros cuidadores para aquela galera não apenas priva os rapazes do crime de tratamento decente (para não falar em regeneração). os responsáveis pela alocação de recursos da sociedade e, em particular, do orçamento do estado também estão negando os empregos de assistente social, de dentista, de encanador, de colchooeiro e dezenas de outros a uma negadinha que, desempregada, pode bem cair no crime, no vício ou na rua da amargura. (e, ainda pior, políticos, hehehe).

sigo no segundo lado. parece óbvio que é preciso gastar em educação. a falta de educação é, em boa medida, o que faz um país e indivíduos particulares pobres. mais educação melhora a vida de todo mundo. melhor educação torna a sociedade mais igualitária, pois -com boas condições- haverá assistentes sociais e dentistas nas escolas. e também haverá computadores e ônibus.

parece óbvio que, se o povo fosse melhor educado, ele não votaria em uma galera que hoje se encastela no poder do estado, muito Cargo em Comissão e muita Roubalheira. e qual a causa de existir um povo ser mal-educado? claro que é falta de prioridade à educação. e a causa da causa da causa da causa? parece que tem a ver com este debate novamente em voga no Brasil de que é dever do estado viabilizar o capitalismo brasileiro.

ainda sigo no segundo lado. parece óbvio que isto é verdade, mas aí é que entro com este negócio de causa última (e sabemos que sempre será a penúltima, até o Big Bang, que também será lá a penúltima com relação a algo que ainda não é bem identificado). parece que a única maneira de mexer com este círculo de horrores é a mudança na forma com que os defensores das políticas públicas veem o que é realmente importante:

.a. é promover a indústria de computadores para ter computadores na escola?
.b. é promover a escola para ter indústria de computadores?

DdAB
p.s.: resposta certa do Planeta 23: .b.
p.s.s.: e que David Ricardo tem a ver com isto? tudo a ver. ver as postagens de Oskar Lange de umas semanas atrás. existirá uma ciência que estuda a distribuição dos frutos do trabalho coletivo. esta ciência permitiu-nos saber que existe esta relação entre preços e distribuição da renda. no caso do Brasil, é evidente que a renda é concentrada. ergo é evidente que os preços são distorcidos. e quem os distorce? o maior responsável (e está longe de ser único) é a política do governo e sua acompanhante ladroagem.
p.s.s.s.: suco: o suco é que os economistas ajudam a preservar a ideologia de que é importante fazer o computador para dá-lo à escola. e devemos tentar mudá-la (los) para entender que, ao gastar na escola, mexe-se também na produção de computadores, mas principalmente, na de assistentes sociais e zeladores, de professorinhas e motoristas (que, de qualquer jeito, acabarão por comprar computadores para seus pimpolhos). e computadores podem ser importados, ao passo que as professorinhas devem ser made in Brazil. e qual a tarefa dos amigos do povo? tentar mudar esta ideologia.

6 comentários:

Anônimo disse...

Excelente site esse, não conhecia.

Duilio, estive pensando, acho que é impossível modificar o produto do ser humano sem antes modificá-lo. Mas como modificá-lo o que é dado natural?

Vou postar algo sobre o seu último questionamento dos computadores, industria e educação.

Até.

DSC

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

aí, Daniel:
serei o primeiro a ler! alguns anos atrás, eu brincava com a ideia (e proporção) de que 40% dos seres humanos são altruístas e os demais 60%, egoístas. ao mesmo tempo, acho que essa literatura sobre seleção grupal tem bastante a ver, pois as instituições mudam o homem mas podem ser mudadas pelos -na linguagem do prof. Jorge V. Monteiro- reformadores.

daqui a 100 ou 200 anos, poderemos conferir o que terá acontecido se convencermos a geração presente a apostar mais no gasto em educação e correlatos.
DdAB

Anônimo disse...

Estava assistindo ao Forum da Liberdade que está ocorrendo nas terras gauchas. Ficou uma frase na mente.

"É natural o processo de aprendizagem, mas aí agente mata com o nosso ensino fundamental".

Palavras do professor Falconi sobre nossa mania de recriminar o processo de aprendizado das crianças.

Comentei por achar pertinente ao comentário anterior.

Abs.

DSC

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Richard Rorty ensinou-me (eu já saberia antes de lê-lo?) que a função da escola pré-universitária é socializar a criança/adolescente, ao passo que a da universidade é individualizá-la. entendo que saber dizer "por favor" e "obrigado" é muito importante para o desenvolvimento da disciplina, ingrediente fundamental para qualquer individuação, não é mesmo?
DdAB

Aline disse...

Não há dúvida de que a educação seja mesmo necessária, mas os ganhos com educação não são muito claros pra mim (o mecanismo tem uns elos perdidos).
O que acontecerá quando todo mundo tiver diploma universitário no Brasil?
Melhor, o que acontece quando todo mundo tem um diploma universitário (de qualidade) em um país?
Outro dia li uma matéria na Economist sobre a habilidade dos britânicos com matemática simples.
Cerca de 25% da população adulta é muito ruim nisso.
http://www.economist.com/blogs/blighty/2012/03/adult-numeracy?fsrc=gn_ep
Tá bom, os outros 75% devem saber bastante pra compensar (provavelmente não!), mas ainda assim 25% é muita coisa.Tá, tem também uma mão de obra super qualificada de imigrantes que 'sustenta' o país.

Mas parece que pela tradição todos eles sabem reclamar muito bem. Deve ser por isso que o consumidor têm tantos direitos em terras britânicas.
I was wondering, talvez, quem sabe, precisássemos ser educados para reclamar.Será que se aprende isso na escola?

I mean, educação por educação talvez não transforme muita coisa.

Why nations fail? Acho que os institucionalistas têm agumentos bem relevantes.
Mas as vezes penso que desenvolvimento seja alguma coisa puramente evolucionária, biologicamente falando, e que o tempo,
por si só, deva explicar bastante coisa. (Uma rápida pesquisa no google mostrou que existe uma coisa chamada Darwinismo social(mas eu não pensei nisso em termos tão radicais). Não dá mais mesmo
pra pensar em nada original hoje em dia!)

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Dei uma caidinha nestes comentários e vi que não dera resposta às bondosas considerações de Aline. Que posso dizer depois de tudo aqui, um ano e tanto após? Por exemplo, eu falara que não podemos importar professorinhas, mas podemos fazê-lo com relação a computadores. Claro que falei isto antes de importarmos os médicos estrangeiros (parece que até já importáramos antes deste 2013). O comentário dá o que pensar e talvez eu esteja tentando responder a este tipo de questionamento desde que comecei a escrever no blog (e até antes, most likely).

Comento a frase: "educação por educação tralvez não transforme muita coisa". Para esta frase tenho aquela outra que diz que a educação nos ensina a descobrir nossos objetivos na vida e nos dá energia para lutar por eles. Acho que é isto.

Por fim, parece-me óbvio que Aline pensa coisas originais, hoje em dia e mais hoje do que ontem!

DdAB