31 março, 2012

Acertos e Erros da Linguagem do Economista


querido blog:
no outro dia, comemorando algo que já não lembro, dei uma folhada no livro "Economical Writing", de Deirdre N. McCloskey, 2ed. Long Grove: Waveland. e vi que eu já assinalara algo interessantíssimo e que esquecera, na p.10 (além de várias outras anotações sobre passagens sabidíssimas). em minha tradução, temos "[...] quando você está falando em 'eu' (ou 'nós'), você não está falando sobre o assunto." parece óbvio, parece claro, parece que ele não obedeceu: "você", "eu", "nós", é tudo tratamento pessoal. o que acho que ele queria dizer seria: "quando se lança mão de tratamento pessoal, torna-se o leitor mais distante da objetividade".

mas, mexendo e remexendo, estava dando umas olhadas na "Teoria Geral de Keynes" e, em minha edição Macmillan/REC, já fui achando a primeira palavra do primeiro capítulo "Eu": "Eu intitulei este livro de 'Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro'...". parece que, mais do que na linha destacada pela sra. McCloskey, ainda há algo mais grave: parece que não é polite iniciar frases, na língua inglesa, com 'eu'. mas quem sou eu para dizer que Keynes estava errado ou que não tinha educação?

ao contrário, tem outro 'eu' numa frase brilhante que já recebeu exageros de minha parte. digo eu: "economia é a ciência que estuda a oferta e a procura". ok, ok, é exagero, eu bem entendo que o mercado não resolve todos os problemas da vida social (como é dito em Bêrni & Lautert's Mesoeconomia, às folhas tantas). mas é óbvio que a lei da oferta e procura é o centro do mundo da produção de mercadorias. quase tautológico dizer isto. sejamos pacientes e vejamos:

definição alternativa: na nota de rodapé da p.4, ele/Keynes diz que, numa carta de 9/out/1820 a Thomas Malthus, David Ricardo disse:

Political Economy you think is an enquiry into the nature and causes of wealth - I think it should be called an enquiry into the laws which determine the division of the produce of industry amongst the classes who concur in its formation.

embora discorde em grau relativamente menor, ontem mesmo andei citando esta definição ricardiana (quero dizer: nós, aposentados, também clamamos por uma parte do excedente, não é mesmo?, pois não sabemos viver sem ele). mas Ricardo disse.

voltemos ao ponto: na p.xxii e seguinte, em pleno Prefácio, ele diz:

A monetary economy, we shall find, is essentially one in which changing views about the future are capable of influencing the quantity of employment and not merely its direction. But our method of analysing the economic behaviour of the present under the influence of changing ideas about the future is one which depends on the interaction of supply and demand, and is in this way linked up with our fundamental theory of value.

ou seja, valor, oferta e procura. quero dizer, pelo que entendo desses autores, inclusive Marx, quem dá valor às mercadorias é mesmo a lei da oferta e procura, especialmente se pensarmos em todos os mercados citados no livro de Mesoeconomia: bens, fatores e arranjos institucionais (inclusive os monetários). segue-se na p.64 de Keynes o elogio do conceito de equilíbrio para a montagem da análise econômica:

Experience shows [...] that there are habits of psychological response which allow of an equilibrium being reached at which the readiness to buy is equal to the readiness to sell.

em outras palavras quem diz que Keynes era anti-equilibrista não sabe que a página 64 se escreve como 2^5, não é? resumo até agora das palavras, parole, parole: não se deve falar em 'nós', mas se fala; não se devem iniciar frases com 'eu', mas se iniciam. deve-se acreditar que um dos conceitos centrais da ciência econômica é o de equilíbrio, por centrar-se na lei da oferta e procura. esta seria, talvez, o sexto princípio de Mankiw (ver).

finalmente: Keynes estava errado? estava (kkkk): falta uma vírgula nesta frase da p.xxxiv:

The decisions of entrepreneurs, which provide the incomes of individual producers and the decisions of those individuals as to the disposition of such incomes determine the demand conditions.

já que é para falar bobagens, que achas deste erro de Luís Vaz de Camões?

A chaga que, Senhora, me fizeste
Não foi para curar-se em um só dia;
Porque crescendo vai com tal porfia
Que bem descobre o intento que tivestes.

tava assim na p.19 do L&PM Pocket. tá na cara que, se é "fizeste", então não é "tivestes", não é mesmo?

ou melhor, era erro do Keynes ou dos revisores? do Camões ou dos editores? é intolerância minha ou de meus humores?
DdAB
imagem: procurei 'Keynes' 'Camões' e deu este yin-yang aculturado aqui.
p.s.: 15h11min - um leitor irreverente disse-me que McCloskey falou em 'eu' e 'nós', ao passo que Camões não falou em 'tu' e 'vós'.

30 março, 2012

Negritude e Justiça


querido diário:
ok: não leio apenas a Zero Hora e a Carta Capital. também leio Cláudia, Marie Claire, algumas outras revistas semanais e mensais e outros jornais, tudo de vez em quando. leio sistematicamente o Jornal da Apufsc, o veículo de informação semanal dos professores da UFSC. pois bem, ontem li o exemplar de 26/mar/2012. chamou-me a atenção o artigo de opinião da p.7, de autoria de Marcelo Henrique Romano Tragtemberg, cujo título é 'Ser negro é fator de risco no Brasil'.

fator de risco, da melhor maneira que sabemos, é um termo epidemiológico e quer dizer que existem algumas características sócio-econômico-demográficas que tornam alguns indivíduos mais propensos do que outros à doença e, no caso, ao óbito. ou seja, ser negro ajuda a morrer mais cedo no Brasil. esta é a tese defendida por Tragtemberg.

cito o tópico frasal e o parágrafo seguinte, separados por um simpático mata-burros [...]:

Neste início de ano, tivemos três tristes notícias: um diretor de recursos humanos do Ministério do Planejamento morreu por falta de atendimento, uma mulher deu à luz e foi algemada na maca do hospital e um colega nosso, professor da UFSC, foi espancado e perdeu todos os dentes. [...] Um fio recorre todos esses episódios: os agredidos e violentados eram negros, de diferentes estratos sociais.

o Caso da Vara, de Machado de Assis, já tratou de circunstância parecida à prisão da paraturiente. era o período da escravatura (e até hoje há trabalho escravo no Brasil). fico, neste e nos próximos parágrafos, com o caso do 'negro bem de vida'. diz a notícia que "ele não teria cheque para pagar a conta" numa internação de urgência em um hospital de Brasília.

fiquei pensando no costume brasileiro de não confiar na palavra do cidadão. parece que o povo não está errado, pois há muita falcatrua, falcatrua em excesso. há muito crime, crime em excesso. imagino o que aconteceria comigo se eu vendesse, por exemplo, um refrigerador usado a um desconhecido. poderia fazê-lo em, digamos, cinco prestações. e poderia dizer-lhe o número da conta em que ele deveria depositar as parcelas. e ele pagaria, se tivesse palavra. e se não tivesse? eu perderia meu dinheiro, minha boa fé e, se decidisse obter ressarcimento do prejuízo, desistiria logo. ou seja, seria relutante em fazer meus direitos valerem, dada a morosidade do poder judiciário.

cheguei na causa causans. a causa da causa da morosidade do poder judiciário é o encastelamento característico dos cargos mais invejados do Brasil (chega-se a receber R$ 400 mil por mês para ser juiz). tenho insistido no ponto: a impunidade é a maior causa do crime. no Brasil, há impunidade, logo no Brasil não há desincentivo à prática do crime. volto ao racismo: claro que um problema é o hospital recusar-se a aceitar uma internação como consequência de o paciente ser negro. Lei Afonso Arinos. mas outra é a prática de exigir caução para a internação. esta, obviamente, deve-se ao fato de que não se pode confiar em ninguém. o Brasil é o país mais feliz do mundo (noticiário recente). ao mesmo tempo, é um dos campeões da falta de confiança (conforme o livro de Richard Layard).
DdAB
imagem: aqui.

29 março, 2012

Mais Brasil: this morning...


querido diário:

hoje acordei mais dentro do Brasil. ontem o supremo tribunal deixou claro que

.a. ninguém pode ser obrigado a fazer teste de bafômetro ou exame de sangue

.b. só teste de bafômetro ou exame de sangue é capaz, penalmente, de responsabilizar o bebum.

DdAB
foto de abcz. parece que vamos para a pindaíba...

28 março, 2012

Importar é o que Exporta



querido diário:
sigo na cruzada contra o protecionismo. sigo na cruzada em favor de mudanças na estrutura da economia brasileira, de sorte a permitir-lhe reduzir as distirções que hoje a impedem de desenvolver-se nos moldes de uma economia aberta.

primeiramente: comércio com a China não é livre-comércio

segundo: livre-comércio é bom, é ótimo

terceiro: a WTO=OMC Organização Mundial do Comércio é contra a bitributação, ou seja, que se pague o mesmo imposto indireto aqui e na China. os chineses isentam seus produtos exportados, o mesmo devendo ser feito com o Brasil: não pode cobrar imposto do produto importado. naturalmente isto cria uma vantagem liminar para os produtos importados. naturalmente isto incentiva o comércio mundial. e sobretudo naturalmente isto exige que os países modernos queiram aproximar-se de uma estrutura de livre-comércio em que haja poucos impostos indiretos incidindo sobre os produtores.

na Tabela 4.13 da
p.42 do capítulo "4B A Matriz de Insumo-Produto e a Análise Mesoeconômica", seção "4.9 Globalização, importações competitivas e  tributação indireta", de GRIJÓ, BÊRNI e CONCEIÇÃO inBÊRNI, D. d. A. & LAUTERT, V. (2011) Mesoeconomia; lições de contabilidade social. Porto Alegre: Bookman,
página 42, dizia eu, há um exemplo bem claro sobre o que acontece quando as importações e os impostos indiretos são declarados competitivos. com esta regra da OMC, não havará financiamentos para atividades governamentais avessos à compra do imposto de renda. em outras palavras: impostos indiretos, sendo distorcivos, devem ser reduzidos a um mínimo. este deve relacionar-se com a produção ou importação de bens de demérito, como a cachaça ou o haxixe.

quarto ponto do dia: na p.24 de Zero Hora de hoje, noticia-se que o señor Miguel Ponce, 'porta-voz da Câmara de Importadores da Argentina' diz que 'as travas do governo [à importação] impactam diretamente na indústria e na geração de empregos." foi o que Henrique Morrone e Daniel Fukuiyama e myself andamos alardeando há uns cinco anos: importar é o que exporta! ele é enfático: "Em fevereiro, a produção industrial [argentina] registrou estagnação. Avalia-se que isso tem a ver com as restrições às importações."

segue o sr. Ponce:

Hà eletrodomésticos que não se consegue. Faltam alimentos importados, como o bacalhau, chocolates, salmão chileno, ingredientes para sushi e outros. Hà empresas de roupas importadas que planejam deixar o país. Estamos procupados com a falta de insumos e bens de capital para as pequenas e médias empresas. A indústria começa a deixar de pagar horas extrar, e foram estancadas as contratações de mão de obra formal. Passaram a contratar mais temporários.

por fim, o jornal indaga: "As medidas do governo têm algum apoio?"

e o sr. Ponce responde:

Há de tudo. Hà empresas que vêem as medidas com angústia. Há outros que enxergam uma feliz oportunidade. Há benefíciados e prejudicados.

o comentário não econômico inicial é que Zero Herra já fez das suas: seus revisores de texto não retiraram o acento circunflexo do verbo ver da fala (traduzida?) do sr. Ponce. mais circunspecto, deixo claro que estamos falando de economia política: nesta guerra protecionista, nesta liturgia brasileira contemporânea de usar o governo para vedar importações, há ganhadores e perdedores. julgando pelo consumidor argentino, será que um governo nacional tem o direito de impedir-me de comer bacalhau (não estou falando de abrótea), chocolate suíço, salmão chileno, sushi, essa infantil guloseima? a verdade é que os governos nacionais da Argentina e do Brasil deram-se a colher-me direitos muito mais severos do que mascar chiclé. eles tiraram a vida de desafetos, eles deixam milhões de pessoas na rua da amargura, com seus roubos e seus arautos protecionistas.

parece que, cada vez mais, estou fazendo postagens com marcadores conjuntos de "Economia Política" e "Besteirol". agora vai algo nesta linha. se importar fosse mesmo vergonhoso, se não houvesse até associações de importadores, não sei que seria da segurança pública. nossa Zero Herra (comprovadamente), na p.43, informando que um cão pastor-alemão já deu ordem de prisão a quatro malfeitores em Porto Alegre. seu nome? o dos malfeitores? estes eu não sei. o nome do Stabler no combate ao crime local é Falcon, um nome importado. e sua Olívia? é a Laika. concluo olimpicamente: vamos parar de ver filmes importados? vamos parar de usar nomes importados para nossos pimpolhos (o que seria do futebol sem Alandelon?)? vamos parar de chamar de Laika nossas cadelas do coração? e que dizer de nomes de cães homenageando políticos? acho que a solução é começarmos a exportar os tais políticos!
DdAB
p.s.: imagem: daqui. vale a pena olhar: o CDL defendendo seus associados exportadores, ou sei lá o quê.

p.s.s. naquele artigo, ver-se-á a truculência dos editores daquela afamada revista (de que fui colaborador direto dos primeiros números), não aceitando meus apelos no sentido de abandonar as normas da ABNT, de sorte a permitir que a matriz de contabilidade social fosse publicada seguindo a tradição internacional e não a sanha burocrática nacional. mas não foram originais, pois a Revista Econômica do Nordeste já fizera o mesmo. não crê? então vê!

p.s.s.s.: para meu próprio entretenimento, deixo registrada a postagem de BP de ontem, com o link para a "The Logical Song", de Supertramp. fonte das lyrics: aqui.

The Logical Song
Supertramp

When I was young, it seemed that life was so wonderful,
a miracle, oh it was beautiful, magical.
And all the birds in the trees, well they'd be singing so happily,
oh joyfully, oh playfully watching me.
But then they sent me away to teach me how to be sensible,
logical, oh responsible, practical.
And then they showed me a world where I could be so dependable,
oh clinical, oh intellectual, cynical.

There are times when all the world's asleep,
the questions run too deep
for such a simple man.
Won't you please, please tell me what we've learned
I know it sounds absurd
but please tell me who I am
I said now watch what you say they'll be calling you a radical,
a liberal, oh fanatical, criminal.
Won't you sign up your name, we'd like to feel you're
acceptable, respectable, oh presentable, a vegetable!
Oh Take it take it yeah!

But at night, when all the world's asleep,
the questions run so deep
for such a simple man.
Won't you please, please tell me what we've learned
I know it sounds absurd
but please tell me who I am,
Who I am x 3 !!!

p.s.s.s.: aqui outra gravação do YouTube, que foi ela mesma que me ensinou a linkar:

27 março, 2012

La Loi de Say au Brésil


querido diário:
todos sabemos que Brésil é Brasil e que Brasil era Brazil em 1889, deixando de sê-lo apenas em 1943?

talvez por isto, os arautos do financiamento por parte do governo ao setor industrial pensam que, se aumenta o produto industrial e se esta oferta gerará sua própria demanda e, no processo, o multiplicador keynesiano (e goodmaniano, para as matrizes), vai gerar sua própria demanda, la loi de Say.

eu acho que este tipo de pensamento é um escalavrado simplificacionismo, mas - pelo prazer do cultivo da retórica - digo o mesmo para os serviços. se aumentar o gasto em serviços, estes adquirirão insumos dos demais setores, inclusive do setor industrial, que gerará precisamente a renda que seria gerada caso o dinheirinho fosse aplicado na promoção da demanda da indústria.

primeiro esclarecimento: para mim, que lanço-me a "imagine there's no countries", não há qualquer hierarquia na produção de bens de capital nacionais ou importados. em certo sentido óbvio, é melhor produzir localmente, pois gera-se valor adicionado. mas em certo sentido também óbvio, pode ser que a produção de parceiros comerciais (e já começo a excluir a China do câmbio administrado e do dumping social) seja mais eficiente, mais barata. em certo sentido, o sentido sensível, só faz sentido pensar em exportar, se temos um olho na importação. exportar sem importar é doar, não é isto?

em mau dia, a presidenta Christina disse que a Argentina não vai importar nem um prego. ela contesta o princípio básico do funcionamento do mundo: há vantagens para ambos os agentes envolvidos na troca. o livro de Introdução à Economia da USP dá um exemplo maravilhoso: não vale a pena que a Islândia produza seu próprio café em estufas. eles podem vender-nos discos da Borg e nós lhes passaremos o café já torradinho...

segundo esclarecimento: quando falamos em produzir capital, devemos pensar se estamos falando em capital físico, capital humano ou capital social. eu digo que o físico pode ser importado. o humano pode ser parcialmente importado, mas o bom mesmo é conseguir transformar os 200 milhões de brasileiros em indivíduos ricos em cultura, ciência e tecnologia. não seria pedir muito, não é mesmo?
DdAB
imagem: tem gente que fugiu do colégio e até hoje está correndo. os que ficaram aprenderam, contra Jean Baptiste Say e a favor de John Maynard Keynes que "quem manda é a demanda". ou seja, queres siderúrgicas, encomenda siderúrgicas. queres escolas, encomenda escolas, sô. tão simples, tão eficaz.

26 março, 2012

Trabalhar Menos


querido diário:
sem falar na história de Paul Lafargue ou Domenico de Masi, o ócio é apreciado por todas as espécies humanas, é um dos mais concorridos universals. se é 'sem falar', não vou falar. mas tenho outras coisas para -precisamente- falar. marcador 'economia política', começo estranho, hehehe.

ocorre que, há pouco, olhava eu um dicionário enciclopédico. daquelas coisas, olha daqui, procura dali, cheguei na palavra 'menos', de significado óbvio: apenas por exceção, 'menos valem mais'. em geral, menos é 'a menor', como dizíamos no Banco da Lavoura de Minas Gerais, na Av. Borges, de Porto Alegre, do final dos anos 1960s. segundo ele, trata-se de um advérbio, que vem do latim 'minus', que eu pronunciava 'mainus', por causa do neocolonialismo, hehehe. na segunda acepção, vemos 'Com menos intensidade: Todos gostaríamos de trabalhar menos [itálico no original, cores da bandeira brasileira homenageando os políticos nacionais de minha iniciativa]'. pensei: 'é um universal' [itálico para sinalizar que é um estrangeirismo, o singular defectivo de universals].

ou seja, aparentemente, vemos a expressão de um princípio hedonista que assegura que desejamos obter o maior benefício com o menor sacrifício. muito sensato, aliás os gregos originais nem falavam em sacrifício. há muito entendi que 'o consumo é a finalidade do sistema econômico', quando tem gente que até hoje pensa que é o investimento. ou que é 'acumular, acumular'. mesmo o capitalista que pense (ou que faz-nos pensar que pensa) que sua finalidade na vida -além da morte- é acumular, acumular não estará em desacordo que ele apenas poderá fazê-lo se entender que o sistema tem por finalidade o consumo.

depois disto, nesta linha: diz-se, talvez antes de Marx, mas certamente a partir dele, que o processo civilizatório (ou ele dizia apenas a sociedade capitalista?) rege-se pelo desejo de, na produção, substituir-se trabalho vivo por trabalho morto. ou seja, horas de trabalho humano por produção de máquinas que imitarão movimentos humanos ou da natureza, reduzindo a necessidade de trabalho humano por unidade de produção obtida. ou seja, todo mundo deseja trabalhar menos. e, se todo mundo deseja, quem são aqueles que não desejam? crianças? criminosos? loucos? provavelmente apenas os últimos: o workoholism, vício mais destrutivo do que o próprio alcoolismo.

agora, se o valor das mercadorias é dado pelo número de horas de trabalho que a sociedade despende em sua produção. e se a sociedade deseja racionar essas horas despendidas, o que faz com que a empresa que desperdiça não cresça e até feneça. e se o valor se relaciona com o preço, podemos ver uma contradição: tem que usar menos trabalho, mas quanto menos usa, menos a mercadoria vale e, na economia competitiva, seu preço vai caindo.

e mais. tem a hipótese renda-lazer, que aceita esta característica humana: apenas sacrificamos nosso lazer para ganhar dinheiro. claro, claro, é exagerada. mas é uma espantosa aproximação das tendências humanas.

finalmente: chego a meu ponto central. sempre que os políticos e os empresários ficam falando que suas iniciativas de ganhar dinheiro (muitas delas precisamente destinadas a evitar o trabalho) gerarão "emprego e renda", fico pensando nas considerações que estou fazendo por aqui e que foram motivadas pela postagem de LeoMon. sob o ponto de vista do empresário, nem sei o que dizer, parece sincero. se ele quer 'acumular, acumular', então ele precisa de trabalhadores. mas a verdade é que 'os custos nunca são suficientemente baixos' -no dizer de Michael Porter-, o que deve levar o empresário a querer obter o máximo com o menor volume de emprego. gerar muito emprego é gerar incomodação e vencer na vida é reduzir o emprego.

o político, finalmente, não entende muito do assunto e, na maioria dos casos, não pode confiar em seus assesores. estes, naturalmente, foram escolhidos para preencherem cargos em comissão, são 'a companheirada' e, como tal, tampouco entendem muito do assunto. se entendessem, eles iriam querer criar mecanismos para aumentar a produtividade agregada do sistema. ou seja, produzir mais com cada vez menos recursos.

p.s. na postagem de hoje não falei sobre a distribuição. como é que quem não trabalha ganha dinheiro? só pode ser da família ou do governo. não é mesmo?
DdAB
imagem daqui.

25 março, 2012

Roubalheira e Riqueza


querido diário:

parece evidente que a roubalheira pode dar cadeia, mas se o "substantivo coletivo" é muito grande, estamos falando de impunidade, o antônimo de cadeia. de outra parte, a corrupção bem sucedida gera recompensas de diversas magnitudes, cabendo ressaltar verdadeiras fortunas que foram colocadas nas meias (isto é, amealhadas, e eu disse 'meias'). neste caso, destaco um número tão expressivo de políticos que, mesmo este blog fazendo citações frequentes a nomes denunciados por órgãos da imprensa, seria fastidioso enumerá-los.

a riqueza acumulada desta forma é algo de arrepiar, especialmente num país de índice de Gini da distribuição pessoal da renda da ordem de 0,51 (conforme recentíssimas estimativas). parece-me que, se o Gini caiu mesmo, há três responsáveis: o controle da inflação galopante, a partir de  junho de 1994; o emprego criado nos últimos 10 anos; e o programa bolsa família.

do outro lado, não temos um imposto de renda sobre os rendimentos da pessoa física muito vibrante. nossa alíquota máxima chega a 27,5%, conquista dos ricos alcançada no governo Sarney, o afamado político maranhense. [como sabemos, o Aurelião diz que maranhão é: "S. m. 1. Mentira (1). 2. Intriga caluniosa; mexerico, fofoca. 3. Bras. Zool. V. flamingo.]. se não há nem imposto de renda, imagina só o que é feito com outros impostos ainda mais severos: o imposto sobre a transmissão de bens inter-vivos e o imposto sobre as grandes fortunas.

reduzir o preço do crime significa colocar magotes de criminosos na cadeia. mas também significa reduzir as recompensas ao saque bem sucedido aos cofres públicos (políticos e fornecedores). uma forma civilizada de fazê-lo é cobrar esses impostos:
.a. imposto de renda da pessoa física
.b. imposto sobre grandes fortunas
.c. imposto de transmissão de patrimônio (físico e monetário) transmitido inter-gerações.

DdAB
p.s.: hoje é domingo, acordei revolucionário.
p.s.s.: 'you may say that i'm a dreamer but i'm not the only one'.

24 março, 2012

Mankiw: o decálogo

querido diário:
há tempos, ganhei uma aula de Gregory Mankiw (fonte: PowerPoint) em que são traçados 10 princípios fundamentais que regem as preocupações da ciência econômica. desnecessário dizer que não sei se os meus seriam precisamente os mesmos, uma vez que já vi listas desta natureza feitas por diversos outros economistas (para deixar apenas em dois, cito Joseph Alois Schumpeter e Joan Violet Robinson, sem falar nas "leis de movimento do capitalismo" de Marx). com minha tradução e comentários (que, nos três primeiros princípios, às vezes se confundirão com os do próprio Mankiw), lá vai o decálogo.

Parte A: os princípios sequinhos
.1. Os agentes (people) defrontam-se com trade-offs (trocas, substituições).
.2. Custo de oportunidade.
.3. Agentes racionais escolhem na margem.
.4. As pessoas respondem a incentivos.
.5. O comércio pode ser bom para ambas as partes (comprador e vendedor).
.6. Os mercados são, em geral, bons instrumentos de organizar a atividade econômica.
.7. Os governos podem, em certos casos, melhorar o desempenho dos mercados.
.8. O padrão de vida da população depende da capacidade produtiva do país.
.9. Os preços sobem quando o governo emite em excesso.
10. A curto prazo, existe um trade-off entre inflação e desemprego

Parte B: os princípios comentadinhos


.1. Os agentes (people) defrontam-se com trade-offs (trocas, substituições).

.a. Venho eu: uma vez que os recursos são ilimitados, não podemos falar em ganhos absolutos. Mankiw diz algo como: podemos expandir o consumo presente, caso destinemos todo o valor adicionado (ou melhor, sua absorção) para tal, em detrimento do investimento, que garantirá mais consumo futuro. Digo eu: no velho livro de Paul Samuelson de Introdução à Economia, da Editora Agir, falava-se em trocar manteiga por canhões (que é a imagem escolhida por Mankiw para ilustrar este ponto; nos tempos de professor de Introdução à Economia, eu falava na conveniência de o governo do Brasil ter uma rede para distribuir gasolina ou outra para distribuir alimentos). Aqui também cabe referir, como ele o faz, as trocas (trade-offs) intertemporais, que fazem o dinheiro viajar no tempo por meio da taxa de juros: só empresto 100 se me pagares daqui a um ano 101, nunca se me pagares 99 ou 50, não é mesmo?
.b. Mankiw também fala no trade-off entre trabalho e lazer. Claro que, como meu dia tem apenas 24 horas (que digo? o do pessoal do Planeta 23 tem apenas 23, claro), se metade das horas são destinadas ao trabalho, sobram apenas os outros 50% para lazer. Se elevo o lazere para 3/4, não poderei dedicar ao trabalho mais de 1/4 das horas do dia). Venho eu: Claro que, quanto maior meu tempo devotado ao lazer, maior será meu bem-estar e quanto mais me volto para o trabalho, menor será meu bem-estar. Quem é doente mental tem compulsão, entre outras distorções, a trabalhar 24 horas por dia.
.c. eficiência ou equidade: parece, para Mankiw, que a existência de um sistema econômico provendo simultaneamente equidade e eficiência é impossível. Por contraste, tem gente que não alinharia este trade-off por aqui, simplesmente por argumentar que há sociedades igualitárias (o Japão e os Tigres Asiáticos, por exemplo) que também são (ou foram) extremamente dinâmicas.

.2. Custo de oportunidade
Volto eu: uma vez que os recursos são ilimitados, não posso usar uma bola de tênis para jogar com meu amigo e, simultaneamente, emprestar a mesma bola para que o amigo jogue com a amiga (deixando-me de fora). Mais circunspecto, Mankiw mede o custo de oportunidade com o montante que se deixa de ganhar se o recurso em discussão (a bola de tênis) fosse usado de modo alternativo, por exemplo, alugando-a ao amigo (e indo tomar um sorvete com a amiga).

.3. Agentes racionais escolhem na margem
Eu: quem são os agentes racionais? Eu: são aqueles que determinam um objetivo a ser alcançado e escolhem o melhor caminho para chegarem a ele. Eu: quem são os agentes irracionais? São as crianças, os criminosos e os loucos (pelo menos haverá uma série de decisões que não lhes serão delegadas).
Mankiw, em minhas palavras: sempre que uma atividade está gerando recompensas ou reduzindo sacrifícios, vou ampliando-a. No primeiro caso, sigo até o ponto em que "as recompensas param de compensar". No segundo, sigo até o ponto em que os custos se tornam proibitivos para meus interesses.
Todos: a contribuição mais importante que os economistas deram à humanidade foi a formalização da análise de custo-benefício, que consiste precisamente em desenvolver procedimentos de determinação dos custos e das recompensas e estabelecer a diferença entre eles. Sempre que os benefícios forem maiores do que os custos, declara-se a viabilidade do empreendimento (nova praça pública, novo convite para o amigo jogar tênis), descartando-a quando o benefício for menor do que o custo.
.a. análise de custo-benefício

.4. As pessoas respondem a incentivos
Eu: anteriormente tomei a liberdade de traduzir "people" por "os agentes". Claro que agora também estamos falando nos agentes, mas não é óbvio que produzir agrados nas pessoas motiva-as mais do que produzir-lhes mal-estar? Se quero que minha netinha estude, dou-lhe um beijinho. Se quero que ela volte cedo para casa, digo-lhe que, se ela não o fizer, não lhe emprestarei o carro no próximo fim-de-semana.
Mankiw: acho que esta explicação do prof. Duilio resolve tudo; caso permaneçam dúvidas, dirijam-se a ele mesmo (se querem respostas em português).

.5. O comércio pode ser bom para ambas as partes (comprador e vendedor)
Eu: claro que "comércio" significa dizer uma atividade em que os agentes se engajam voluntariamente. No caso de -infelizmente ainda presente no mundo- tráfico de escravos, tanto o comprador quanto o vendedor podem envolver-se no estabelecimento de um preço conveniente a ambos. A crueldade deste conceito de "voluntariamente" que estou dando é que o próprio escravo, na condição de mercadoria, não tem direito a expressar sua opinião.
Eu (complementando): quando Mankiw diz que "pode ser bom", claro que ele está implicando que há transações que podem não ser boas para compradores ou vendedores (e até para ambos). E como é que o comércio pode ser bom? O exemplo idílico é pensarmos em dois produtores, um especializado em produzir arcos e o outro especializado em caçar cervos (sem trocadilho com servos e os escravos acima referidos). Então, o produtor de arcos não teria tão bons resultados quanto o caçador na busca dos cervos, ao passo que os arcos produzidos pelo segundo não colheriam os pobres cervos a distâncias razoáveis.

Mankiw: que dizer se nem falo português?

.6. Os mercados são, em geral, bons instrumentos de organizar a atividade econômica
Eu: existem pilhas de maneiras de agregar as preferências dos agentes. Por exemplo, na Farra do Boi Floripense, a diversão, a crueldade, algo assim é o/a responsável. Na procissão do Desterro (?), a fé o faz. No mundo da produção de bens e serviços (isto é, no mundo econômico), fala-se em três agentes agregadores das preferências: mercado, estado e comunidade.
Eu: acho que o primeiro a surgir foi a comunidade, com a transformação da horda de nossos antepassados mal despencados dos galhos das árvores da savana africana em famílias. Depois destas, já estabelecido o tabu do incesto, da exogamia, a comunidade permitiu a troca de bens entre duas famílias, ou seja, a comunidade inventou a troca entre o arqueiro e o arqueirista (ou seja, o rapaz que jogava as flexas no cervo e o garoto que produziu o arco).
Eu: mas o problema com os mercados é que às vezes eles falham, ou seja, eles não exercem adequadamente suas funções. Neste caso, a produção ou, pelo menos, a provisão dos bens e serviços deve ser feita pela comunidade ou pelo estado.
Mankiw: -.

.7. Os governos podem, em certos casos, melhorar o desempenho dos mercados.
Eu: este "em certos casos" é precisamente o que falei acima: quando há falhas de mercado. Por exemplo, a coleta de lixo urbano não pode ser feita sob a égide do mercado. Eu seria o primeiro a rebelar-me contra o pagamento de um preço a uma empresa, a fim de que esta recolhesse o lixo produzido em minha casa. Eu diria que nada do que sai daqui é lixo, sei lá. O que ocorre? O governo administra a coleta do lixo por parte de indivíduos ou contrata empresas. Então: como o governo melhora o desempenho dos mercados? Ele, no caso do lixo, aproximou os produtores de lixo com os limpadores, ou seja, ele intermediou a criação de um mercado de coleta de lixo, tornando-se ele o demandante.
Mankiw: -.

.8. O padrão de vida da população depende da capacidade produtiva do país.
Eu: Este raciocínio deve ser reproduzido com um silogismo concatenado: o padrão de vida é praticamente sinônimo de consumo per capita, que depende da renda per capita que depende da renda total que depende do nível de produção nacional que depende da capacidade produtiva. Um país de 100 habitantes capaz de produzir 100 não permitirá um padrão de vida de 2 por indivíduo. Mas tampouco é garantido que garanta de 1, pois pode não usar plenamente sua capacidade. Ao longo do ciclo econômico é bem provável que haja períodos em que se produz aquém do nível máximo da capacidade e em outros em que se mobilizam horas extras para elevar um pouco além do 1 a produção per capita e o consumo per capita.
Mankiw: é isto mesmo!

.9. Os preços sobem quando o governo emite em excesso.
Eu: estamos agora falando da relação que já referi neste blog algumas vezes. A equação básica que rege a intuição que derivou neste princípio de Mankiw é M * V = P * Q, a chamada equação quantitativa da moeda, pois M é o estoque de dinheiro disponível na comunidade, V é a velocidade de circulação da moeda (quantas vezes, por unidade de tempo, cada unidade monetária passa de mãos entre um agente e outro), P é o nível geral de preços e Q é o produto interno bruto. O que Mankiw diz (e é óbvio) é que o governo controla M e, se começa a elevar este valor, mantidos constantes os valores de V e Q, então fatalmente P deverá elevar-se. Ou seja, os preços sobem, pois há excesso de M relativamente a Q. Sempre gosto de sugerir que, nos casos em que ajustarmos as unidades de medida de V e P, teremos que M = Q, ou seja, o produto interno bruto Q "vale" M. Claro que, se o governo inflar o valor de M, esta equação tem quebra na igualdade. O que Mankiw não disse é que, se o governo emitir mais dinheiro, é provável que esta elevação em M não altere apenas P, levando também a um aumentozinho em Q (e talvez uma mexidinha para cima ou para baixo também em V).
Mankiw: é, eu não disse mesmo!

10. A curto prazo, existe um trade-off entre inflação e desemprego.
Eu: Ou seja, se o desemprego cai, elevam-se os preços, caracterizando a inflação. Claro que Mankiw deixou bem claro que isto ocorre "a curto prazo". E acima eu já falei em "mantendo constantes todas as demais condições", ou seja, a expressão latina ceteris paribus. E que é curto prazo? É um horizonte de tempo relativamente curto que, no caso, impede a capacidade instalada da economia de crescer. Se ela cresce, abandonamos um curto prazo e passamos a outro, com maiores possibilidades de elevar a renda per capita, ergo, o consumo, ergo, o bem-estar, aquela coisa toda que ele referiu no oitavo princípio. Tinha um socialista utópico chamado Ferdinand de La Salle que dizia haver uma "lei de ferro dos salários" que levava precisamente a este fenômeno: mais salários, mais inflação. E como é que haverá mais salários, isto é, maior salário por trabalhador? Isto ocorrerá se houver excesso de demanda por trabalho, o que fará o preço do trabalho -isto é, os salários- subir. Mas será que podemos conceber uma economia concreta em que haja pouco desemprego e nada de inflação? Claro que podemos, bastando pensarmos naquelas condições que haviam sido mantidas constantes para argumentarmos sobre a validade deste décimo princípio. Por exemplo, não dissemos que o emprego aumentou porque a economia expandiu sua capacidade instalada e está produzindo mais, mas ocupando uma mão-de-obra que não era anteriormente ocupada precisamente porque não havia empregos disponíveis. E esse novo emprego acoplado ao aumento da capacidade não requereu maiores salários para ocorrer.

Mankiw: já fiz a seleção dos 10 princípios, né? Então pude deixar o velhinho se esbaldar nos comentários.

Eu dou a última palavra, uma sigla:
DdAB
p.s.: esta linda imagem de uma cornucópia, mitológico símbolo da abundância vem bem por aqui hoje. claro está que a ciência econômica estuda a escassez pensando em ajudar a promover a abundância. e também é claro que a ciência econômica não estuda apenas a escassez, a menos que comecemos a exagerar no uso do termo, a expandi-lo para além de tudo o que é fronteira razoável de ser imposta para a construção do conhecimento científico. por exemplo, poderíamos dizer que a produção da cultura (no sentido de rompimento com os traços animalescos de nossos antepassados) também é regida pelas mesmas leis que regem a escassez e a abundância.

22 março, 2012

Seu Jorge e a Economia da Informação

querido diário:
espero não estar atraindo leitores com falsa propaganda. o 'seo' Jorge de que falo não é o sambista nem, como a efígie que hoje nos ilustra, São Jorge. este 'seo' para 'seu' veio-me -já declarei- de uma leitura de J. J. Veiga. de imediato entendi que 'senhor' virou 'sinhô' e 'seô', 'seo' e aí a corruptela do pronome 'seu'. pois bem, 'seo' Jorge é um construtor. hoje vai dar-me um orçamento para reformas. indústria da construção civil.

ao ser indagado sobre as referências de seo Jorge, evoquei uma classificação de bens que aprendi nos tempos em que estudava 'economia industrial' no nível de pós-graduação. naquele tempo, a 'economia da informação' estava se formando, não possuía um 'corpus' de conhecimento na linha do que veio a alcançar -talvez uma década depois- com a 'economia dos contratos' e áreas assemelhadas.

que aprendi? que os bens e serviços podem ser classificados atendendo ao nível de informação prévia de posse do comprador:

.a. bens de experiência
.b. bens de crença
.c. bens de busca.

os bens de experiência proveem a informação na medida em que o próprio consumo é feito. ou seja, tenho uma informação ex post e a uso ex ante no momento de nova compra. por exemplo, sei que um médico é bom, pois ele já me salvou antes. os bens de crença são aqueles que adquiro na expectativa de que satisfarão minha/s necessidade/s: um médico novo cujas coordenadas encontrei, por exemplo, no livro de profissionais que atendem a meu convênio. por fim, os bens de busca são aqueles cujas propriedades identifico no momento em que os vejo, como é o caso dos vegetais frescos na prateleira do supermercado.

e seo Jorge? uma vez que já vi um serviço de reforma feito por ele na casa de um amigo, suas habilidades profissionais se transformam em bem de experiência (mesmo que a experiência não tenha sido minha). mas claro que as classificações (como todas, desde Aristóteles) se interpenetram: também tenho a crença de que ele manterá a qualidade do serviço anterior.
DdAB
imagem do santo guerreiro: abcz.

21 março, 2012

Mais Palíndromes = Fishlow

querido diário:
com boa vontade, hoje é dia de palíndrome: 21312, ou 21/mar/2012. começa que o aurelião eletrônico chama de "palíndromo". de onde terei tirado "palíndrome"? vai saber! claro que, abrindo-se este filão, poderíamos ter pensado no 21.1.12, no 21.2.12, e poderemos seguir pensando em todos até o 21.9.12. mas a mais interessante que testemunhei nestes últimos 366 dias foi o "|| || ||", ou melhor, 11.11.11. e tem cada uma que até os deuses duvidam. parasse eu por aqui, teria que intitular esta postagem como "Besteirol", não é mesmo?

mas vou adiante, pois a equação acima foi feita com segundas intenções. Albert Fishlow, consagrado brasilianista tem destaque no meu jornal de hoje. na p.12, há uma reportagem: "Pés no Chão; Guru otimista receita cautela", significando que ele eteve em Porto Alegre, deu uma conferência na FIERGS e disse que o Brasil precisa aumentar as exportações mesmo com este câmbio sobrevalorizado. tem uma frase que escreverei em fonte grande, pois alinha-se a uma pilha de postagens que tenho feito nos últimos tempos. eu tenho dito que os governantes brasileiros cometeram erros de política econômica ao forçarem a barra para tornar o país industrializado. em outra matéria, mais adiante, comentando o mesmo Al Fishlow, é lembrado que o PIB da indústria já chegou a 35% do PIB e agora é de 15-16%. claro que haverá problemas de comparabilidade das duas séries, mas -ainda assim- é certo que houve uma queda, uma desindustrialização precoce ou -o que é pior- o que tenho chamado de industrialização precoce. ou seja, esses 35% seriam um exagero para uma economia tão vocacionada para a produção primária, de um lado e para os serviços, de outro.

a grande questão tem apenas respostas contra-factuais: que seria do Brasil se os governantes não tivessem discriminado preços em favor da indústria? eu tenho dito que teríamos uma melhor distribuição da renda. e, se os privilégios tivessem sido jogados sobre a educação, teríamos um PIB substantivamente maior do que estes R$ 4,5 trilhões de hoje em dia. diz Fishlow:

A política industrial não deve ficar escolhendo vencedores e enfatizando o mercado interno.   

parece que o protecionismo voltou à moda. em todo o mundo, por sinal. eu sou absolutamente a favor do livre comércio. é um absurdo o que aconteceu neste verão gaúcho: todo mundo foi ao Uruguay comprar aparelhos de ar condicionado, que os preços internos eram absurdos. também parece óbvio que, como a água morro abaixo, é impossível impedir o contrabando, filho dileto das tarifas aduaneiras.
DdAB
imagem: abcz.

20 março, 2012

Lugares Comuns: vernacular e aritmético

querido diário:
os principais intermediários de minha relação com o outer world, tanto local quanto globalmente, são o jornal Zero Hora e a revista Carta Capítal, mais um pouquinho de televisão e outro de rádio e aí começa a sobrar para as revistas Cláudia, Marie Claire e outras congêneres. quando designo o jornal de Zero Herra, estou manifestando meu apreço por uma leitura paga e fiscalização de fã pagante.

quando vejo lugares comuns em Zero Hora, jamais deixo de lembrar a jornalista Lourdette Hertel, que foi especialista e parece que deixou um séquito em seu lugar. hoje o jornal tem um "Especial" intitulado "Indústria Naval". são 12 páginas naquele conhecido tamanho tabloide do main paper. falar em indústria deixa-me arrepiado, nos dias que correm. como sabemos, lancei-me a uma saga de sugerir que o neo-desenvolvimentismo a partir dos anos 1930s no Brasil foi regido pelo signo do baixo astral. essencialmente terá servido para distorcer em tal magnitude os preços relativos da economia (entre setores e entre fatores) que não seria acaso se este escândalo distributivo que hoje vemos (Gini de 0,51, de acordo com as últimas estimativas, ainda superior aos 0,49 ou 0,50 de 1960) se devesse precisamente ao culto fisiocrático da promoção do desenvolvimento industrial.

uma vez que os recursos são escassos, é natural que cada centavo pingado na promoção do setor industrial signifique um centavo negado ao setor "Educação". e ao "Saúde" e ao "Previdência". e ao "Sistema Judiciário" (policiaise juízes), e a tantos outros serviços. e onde está o fetichismo industrial? na manchete do jornal!

Metade Sul encontra o seu norte.

de doer. talvez pior fosse apenas algo como: metade sul encontra sua outra metade no norte, sei lá. mas isto não é tudo. há um problema de lugar comum aritmético precisamente associado ao culto da promoção governamental do desenvolvimento industrial do país, deixando os meninos de rua mais uma geração sob o cortinado da Lua. deixando os ladrões a atuar na política e na vida privada. deixando a impunidade grassar por todos os cantos. deixando o preço do crime tão risível que a quantidade ofertada desta desagradável mercadoria veio a explodir.

evidências dos descabelamento aritmético. diz-se, por exemplo, que a Petrobrás vai investir US$ 177,5 bilhões até 2015. fiz um cálculo aproximado:

.a. PIB do Brasil - R$ 4,5 trilhões
.b. taxa de câmbio - R$ 1,9/US$ 1,00
.c. PIB do RGS - 10% do PIB do Brasil
.d. investimento da Petrobrás - US$ 177,5 bilhões (até 2015)
.e. participação do investimento da Petrobrás no PIB do RGS em um ano (pro rata)
(US$ 44,38 bilhões x R$ 1,9/US$ 1,00) / (0,1 x R$ 4,5 trilhões) = 19%.

claro que o Programa de Aceleração do Crescimento poderia garantir isto. com o investimento tradicional alcançando, digamos, 11%, ou seja, do nível da Nigéria, algo assim, chegaríamos a 30%, do nível da Coreia do Sul, algo assim. em resumo, tá errado.

mas nao é só isto. o tom apologético de todo o caderno especial é de doer. e faz confissões (eles diriam: informações). por exemplo, os órgãos financiadores deste (não tão escabelado quanto os 20% do PIB) monumental programa de investimento. frase truncada: começo novamente - o financiador desta montanha de dinheiro para a indústria de material de transporte é... o governo. uma vez que a sociedade deve produzir canhões ou manteiga, está claro que eles estão optando por uma delas, não sei qual. canhões seriam os bens de capital da geração presente? e manteiga, seriam os gastos naquela lista de serviços que arrolei acima? gastar em criança, em adulto analfabeto ou desabilitado é formação de gastos de consumo? de capital humano?

então tá na p.2:

Só o Badesul vai garantir mais de R$ 2 bilhões ao setor de petróleo e gás, com carência de até 12 anos. Caixa, Banco do Brasil, BNDES e Banrisul também apresentarão propostas para dar apoio a empresários e governos interessados em apostar no setor.

ouvi bem? empresários e governos? Mao-Tsé-Tung e Coreia do Sul? Bill Gates e Alemanha? you never know. meu problema com este tipo de política é que o crédito entra nas contas da classe capitalista (e seus improdutivos). como poderia entrar na da classe trabalhadora (e seus improdutivos)? parece-me óbvio: gastar em bens de capital voltados à formação de capital humano e também em emprego nos subsetores dos serviços associados a este norte, epa, epa.

parece que faltou mais um lugar comum. só que este parece ter caído de moda. agora atrair capital externo é um must. antigamente falava-se em entreguismo para este tipo de iniciativa. hoje, uma vez que o estado nacional está a ruir para o lado que convém aos poderosos, não há nada de errado com isto. este tipo de consenso é o que inspirou-me a chamar de Chapa Serra-Dilma a que venceria as eleições de 2010. um programa neo-desenvolvimentista que não seria mudado em substância, caso o vencedor daquele embate eleitoral fosse o doutor Serra.

estando, na ocasião, em desobediência civil, não votei em ninguém. mas, se tivesse que votar, escolheria um partido (coalizão) que prometesse precisamente reverter estas prioridades apologéticas do status quo, priorizando a formação de capital humano. hehehe. claro que teria que acabar anulando o voto.
DdAB
imagem: procurei, já que citei, "Chapa Serra-Dilma". vieram pilhas de coisas (tudo copiadinho do Google Images). mas também veio a imagem acima. escolhi-a, pois penso que este negócio de doutrinação de que a indústria é que é a salvação da lavoura deixa-me contrafeito. parece que nos venderam esta ideia que colou-se a nossa ideologia como a tatuagem cola-se no peito do brasileiro contemporâneo.

19 março, 2012

Qualis A do Brasil

querido diário:
como é sabido internacionalmente, estou em meu quinto ano na condição de veramente aposentado, isto é, há mais de quatro anos, abandonei meu último emprego: professor titular do departamento de economia da PUCRS. muitas razões fizeram-me optar pelo trabalho não remunerado, chez moi. e que significa, para um aposentado, trabalhar? primeiro: concluí, associado com Vladimir Lautert, a organização do livro "Mesoeconomia; lições de contabilidade social". segundo: já fiz algumas outras coisinhas que viraram ou virarão artigos e livros publicados ou não. terceiro: não é bem o mesmo assunto. o fato é que uma das fortes razões que me levou a desistir da vida acadêmica da forma como ela se coloca hoje no Brasil é o monte de besteiras associadas ao dístico "publicar ou morrer". eu, que publiquei a vida inteira, vi que estava cada vez mais difícil manter minhas reflexões carregadas ao público. exigências tolas, além de outras cabidas, motivadas por razões descabidas. desisti. estou mais feliz. mas não estou aposentado no sentido do ócio. com efeito, além de tudo o mais, estou preparando-me para trabalhar na segunda edição de meu livro de teoria dos jogos.

neste intento, caí hoje na Stanford Encyclopedia of Philosophy. olha daqui, olha de lá, vi que há um artigo que até que nem me atrai tanto para ler com milhares de autores. para mim, um récord que nem os mais enfezados brasileiros ainda conseguiram igualar (incluindo meu velho e amado Bowles):

Autores:
.a. Henrich, J.,
.b. Boyd, R.,
.c. Bowles, S.,
.d. Camerer, C.,
.e. Fehr, E.,
.f. Gintis, H.,
.g. McElreath, R.,
.h. Alvard, M.,
.i. Barr, A.,
.j. Ensminger, J.,
.k. Henrich, N.,
.l. Hill, K.,
.m. Gil-White, F.,
.n. Gurven, M.,
.o. Marlowe, F.,
.p. Patton, J., and
.q. Tracer, D.

Título:
‘Economic Man’ in Cross-Cultural Perspective

Revista:
Behavioral and Brain Sciences

Ano de publicação:
2005

Volume: 28

Número: não especificado

Páginas:
795–815

17 autores, pelo que pude contar. parece que, contando todos os meus colegas que publicam ordinariamente, não cheguei a 12 ou 13, hehehe.
DdAB
imagem: abcz. tradução: quem acredita em verdade da verdade se evade. quem não acredita em verdade também. quem não busca a verdade pode ser que na mentira se esbalde.

18 março, 2012

Os Gansos, a Anistia e as Prioridades

querido diário:
domingo é dia de tratamento de temas leves, para quem tenta escrever em seu blog diariamente. há muitos que não postam durante o week-end, descansando, preparando-se para a lida da vida que inicia depois da meia-noite, horas depois. fora os que trabalham durante o fim-de-semana, como garçons e plantonistas.

nesta linha das fragilidades do dia feriado, vou falar sobre as novas arremetidas que alguns segmentos da sociedade brasileira têm feito, na tentativa de capitular nomes específicos de militares específicos envolvidos com os maus-tratos infligidos pela ditadura militar a seus desafetos. um destes casos, se bem entendi, foi protagonizado pelo cantor Wilson Simonal que, desiludido com o método de escrituração usado por seu contador, solicitou ajuda de um amigo militar, a fim de enquadrá-lo. ou seja, o militar enquadrar o contador. não vi o filme, que deve ser hagiográfico.

pois havia o coronel Curió. consta que a OAB invocou a seguinte frase de um dos ministros do supremo: "[...] o crime de sequestro tem caráter permanente, já que a vítima não apareceu." claro que o ministro inocentaria o goleiro Bruno, cuja noiva não apareceu. mas parece que o delegado de polícia do caso do goal-keeper não caiu nesta: não interessa a presença do cadáver para dar parte da morte. parece óbvio. li na insuspeita revista X-9 que um carinha (felizmente, nos EUA) matou um/a desafeto/a e fez picadinho do corpo, vendendo-o como ração para cães. neste caso, neguinho estaria inocente, já que a cachorrada teria limpado a evidência. claro que o ministro do supremo não estava em seu melhor dia. ou foi apenas um erro de datilografia.

mas tem uma frase interessante retirada da p.9 do jornal ZH que estou citando livremente. diz a ONU: "[... são considerados crimes contra a humanidade assassinatos, extermínios e todos atos desumanos cometidos contra a população civil por autoridades estatais." claro que comecei a pensar na Síria contemorânea, que colocou minas explosivas na fronteira para impedir os descontentes sem voice de exit, para falar a língua de Albert Hirshmann. esta visão é comovente: funcionário público não pode praticar atos desumanos. por isto é que os políticos deveriam fenecer na cadeia, no xilindró, no local de se ver o Sol nascer quadrado.

agora, vamos às amenidades dominicais: uma coisa é praticar um crime contra a humanidade. e outra bem diferente é os revanchistas quererem tumultuar a ordem institucional acuando toda a milicada, colocando-a na defensiva, oferecendo -com isto- excelentes oportunidades de desestabilização do governo. isto é, de alertar os gansos. parece que acreditam excessivamente na perenidade da conquista da democracia no Brasil. a questão é decidir, por exemplo, se é melhor dar atenção a esta questão de punir os réprobos ou salvar os indigentes, no caso, por exemplo, os meninos de rua. ou punir a galera que roubou as merendas das crianças de Sapucaia do Sul. lógico que não sou favorável à tortura: por isto mesmo é que acho que os governantes (incluindo organizações como a OAB) deveriam preocupar-se em começar fazendo justiça para as novas gerações, oferecendo-lhes possibilidades de praticarem a mobilidade social.
DdAB
imagem: abcz. não sei se quem escreveu isto é sensível (ou não) à tragédia desses meninos. parece-me que sim. parece-me a poesia vestida tanto de alegria quanto de tristeza. é triste saber que a casa deles não tem cortinado encobrindo céu de anil, mas há possibilidades de retorno, pois deixa-se claro que eles poderiam organizar-se e apagar a própria lua.

17 março, 2012

Os Camelôs de Porto Alegre

querido diário:
quem dera que a totalidade dos camelôs de Porto Alegre tivessem bijus tão sofisticados e bem ajambrados como os da efígie que vemos. eles são informais. criaram um camelódromo, como o de Floripa, só que sem o mar, para tirá-los das ruas. claro que no camelódromo há sua presença maciça e, nas ruas, também. os governantes têm cada uma...

camelô é um conceito mais amplo do que o termo usado para lhe dar o nome, criado no Brasil há menos de 50 anos. "O Camelô da Rua Larga" foi uma chanchada -outro desses termos dicionarizáveis- que assim foi batizada já homenageando a expansão vernacular doméstica. mas a atividade de venda do que quer que seja fora das lojas não é apanágio da cálida Rua da Praia. ela está em Londres, Nova Iorque e Tóquio (Tóquio? na verdade, nunca vi...).

tudo isto faz-me refletir sobre:
.a. o trabalho formal e o informal
.b. a produtividade, custos e preços dos trabalhadores e seus produtos
.c. a lei
.d. os caroneiros das atividades comerciais bem-comportadas (isto é, que pagam impostos)
.e. os bens públicos e sua apropriação privada

sem falar que ouvi de um deles, camelôs, em meados dos anos 1980s: a experiência é o espelho da realidade. anos depois, ao ler "A Filosofia e o Espelho da Natureza", de Richard Rorty (e ter entendido algo mais do que 1%), entendi o camelô. e desejei-lhe uma boa tarde de sábado.
DdAB
imagem: aqui.

16 março, 2012

Efeito Excel: prova insofismável

querido diário:
no dia 5/set/2010, expus formalmente algumas ideias que me levaram a lançar o conceito de "Efeito Excel" que nada mais significa que alguns setores que desaparecem das contas nacionais não foram extintos (cartolas, carruagens são os exemplos tradicionais dos velhos livros-texto). o que lhes ocorreu é que o crescimento relativo dos demais empanou sua visualização num sistema que usa a matemática do ponto flexível. ou seja, as cifras são números reais truncados a certa altura. tenho argumentado que a participação da agropecuária no PIB de Porto Alegre é nula. hoje quero elaborar no que significa esta nulidade.

o fato óbvio é que, se o PIB da cidade é de R$ 1000 e o da agropecuária é de $ 1, então sua participação percentual é 100 x 1/1000 = 0, ou seja, desprezando o décimo resultante do cálculo, chegamos a isto: mesmo havendo agropecuária, ela não aparece nas estatísticas. aliás, é isto que o IBGE recomenda para muitos casos: escrever "..." quando a escala do fenômeno foge à unidade de medida adequada. claro que, se quiséssemos ver uma casa decimal, faríamos o exercício com o PIB de $ 1 da agropecuária, por contra o totalzão de R$ 10.000 e teríamos 0 do mesmo jeito. o fato é que Porto Alegre tem mesmo 0.

mas também é fato que muitas famílias apropriam-se do produto do setor agropecuário, muitas delas vivendo existências dignas. cheguei: no caderno "Campo & Lavoura" da ZH de hoje, a capa anuncia uma reportagem: "O cultivo agrícola dentro da cidade; em 6 mil hectares, 250 produtores abastecem a Capital com frutas e verduras." como a designo muitas vezes por Zero Herra, já vou chamando a atenção para o fato de que não é "na cidade", mas no "município". por definição decente (a indecente, parece é que 'cidade' é a fração do município em que a calçada tem meio-fio').

a cidade de Porto Alegre tem pouco menos de 500km^2 (eu sempre pedia que os alunos decorassem umas cifras deste tipo, o valor do PIB do Brasil, a renda per capita da Suíça, essas coisas). pois bem. diz ZH que há 165km^2 de áreas verdes. isto significa que haverá áreas de águas internas e áreas de ocupação estritamente urbana (ruas, casas, praças). dizque desta vasta área verde, há seis km quadrados (seis mil hectares, lá na linguagem deles) devotados à produção de hortaliças e fruticultura. haverá ainda produção de mel, cavalos, leite e outros produtos, ocupando parte desses 165km^2.

eles, jornal, falam em 250 famílias, uma gotinha dágua na população de milhões de pessoas. não surpreende que não participe do PIB em percentagem de uma casa decimal. é mais evidência em favor da lei da centralização do capital (na sociedade capitalista, tudo vai concentrar ao ponto de o filme Rollerball tornar-se realidade, onde quatro ou cinco empresas dominam toda a produção). é a prova insofismável
.a. da lei que acabo de referir e, mais importante ainda,
.b. da existência do Efeito Excel.
DdAB
p.s.: deixando claro que "comércio com a China não é livre comércio", deixo claro que sou a favor do livre comércio e entendo que, quando este ocorrer, ou seja, acabar-se a besteira do estado nacional, haverá tal progresso econômico que todo o PIB vai concentrar-se nos serviços. seguiremos comendo bifes bovinos (quem o faz?), mas estes não constarão do PIB calculado com uma casa decimal...

15 março, 2012

Carta Velha x Brasil Novo (com adendo post post)

querido diário:
muito antes do dia 14/mar/2012, ou seja, de ontem, li a "Carta Capital". mas a azáfama impediu-me de postar há mais tempo o que segue. li-a durante o final de semana, quando fervilhava em minha cabeça o seminário que se postava no futuro imediato e que veio a ocorrer na segunda-feira tresontonte. cito, para referência e comento, quando é o caso.

primeiro
na p.20 começa um artigo de Antonio Luiz M.C. Costa ("Diques para tsunamis"). pouco antes de chegar ao final, já na p.22, ele tem uma frase extraordinária de combate ao determinismo:

Nâo está escrito nas estrelas que o Brasil precisa girar em torno de algum outro [i.e, China, EUA e Europa] polo. A oportunidade que poderia e deveria aproveitar é a de ser um dos centros de um novo mundo que pode e deve ser policêntrico. Issso significa não apenas ter indústria e infraestrutura, mas também criatividade científica e tecnológica, ter capacidade de realizar pesquisas e aplicá-las na prática. E isso repousa, por sua vez, naquilo que é ao mesmo tempo o meio e a finalidade de qualquer desenvolvimento vedadeiro: uma sociedade de gente com saúde, educação, igualdade e democracia.

por um lado, não sou muito a favor do ufanismo. não quero dizer que o Brasil não possa converter-se numa verdadeira potência mundial. mas o que espero é que ele não imite a Coreia do Norte, que é respeitável precisamente por integrar o clube da baixaria. parece-me, ao contrário, que as verdadeiras potências mundiais lançam-se ao mundo apenas após terem resolvido os problemas internos que Costa refere na sentença final. em outras palavras, internamente, precisamos (já que ele falou em "escrito nas estrelas", o que evocou-me Tetê Espíndola, cito Gilberto Gil) de "festa, trabalho e pão". e, externamente, venho eu com o segundo lado, precisamos chegar mais perto do nível de produtividade do trabalhador americano, ou seja, vencer o presente hiato de pouco menos de 10 vezes. tamanho por tamanho, não podemos esquecer que a Nigéria será o terceiro país do mundo em população no ano 2050. mas, lá, como aqui, sem produtividade não há felicidade...

segundo
a p.23, estampa o artigo semanal de Antonio Delfim Netto. a certa altura, ele diz:

O Brasil precisa pensar em dar empregos de boa qualidade a 150 milhões de brasileiros em 2030 e não vai poder fazer isso com o atual sistema de exportação e sem expandir o setor de serviços.

não fossem as provas documentais de que este tipo de ideia estava escrito -nada de estrelas- no paper que substanciou o seminário de Brasília, eu diria que poderiam dizer que o que lá falei estava baseado no que disse nosso ex-ministro da fazenda do governo Médici. naturalmente, o atual sistema de exportação, baseado em produtos agropecuários e da extrativa mineral (ferro e petróleo) não é eterno, como também se refere no paper, a partir da leitura de um artigo de Antonio Barros de Castro. temos, talvez, 20 anos para quebrar o galho. talvez possamos pensar que haverá ainda mais demanda para estes produtos, se as reservas e o solo aguentarem. por exemplo, rechear a África de alimentos não será tarefa para apenas 20 anos.

agora: há muitos anos ouvi cobranças de estrangeiros sobre o modo como as gerações pretéritas administraram o negócio do café, ou melhor, o negócio de exportação de café. o Brasil não é nem um bom distribuidor do produto in natura no resto do mundo, nem foi capaz de inventar o negócio das cafeterias à la Starbucks. isto não me surpreende, dado que uma população detentora de baixíssimos níveis de capital físico, social e humano não poderia dedicar-se a planejar e inventar atividades mais lucrativas.

quero dizer, com Delfim Netto: expandir o setor serviços. este responde por 65% do PIB e o crescimento exógeno de sua demanda é absolutamente dominante na condução da criação de valor adicionado. não falei antes na frase "ter indústria e infraestrutura, mas também criatividade científica e tecnológica", pois apoio, como se vê no parágrafo anterior, a segunda parte. já a primeira... na postagem em que relatei coisas do já proverbial seminário de Brasília, usei a palavra "fisiocracia", pois entendo que há uma fetichização da produção industrial apenas comparável ao endeusamento que les économistes fizeram da agropecuária (e talvez nem da pecuária...).

quando se promove a indústria, como falei na postagem de ontem, o que vejo mesmo é a criação de uma distorção de tal magnitude na formação dos preços relativos que -obviamente- causará distorção assemelhada na distribuição da renda. qual é mesmo a relevância de termos uma indústria aeronáutica no Brasil? para transportar pessoas e aspergir defensivos agrícolas sobre nossas auriverdes lavouras? mas não daria para comprar os aviões de algum lugar de menores preços? [quero dizer: não sou contra a indústria da aviação capitaneada (sem trocadilho com relação aos fundadores da Embraer, aliás, hoje em dia, uma empresa estrangeira) por empresários privados; o que não me agrada é tirar dinheiro das merendas escolares e jogar para os parentes dos políticos administrarem].

aliás, meu ponto sobre a produção de aviões agrícolas e defensivos e adubos químicos é assemelhada: as vantagens compartivas da produção primária brasileira são de tal magnitude que estas indústrias a montante do eixo central do complexo primário-agro-industrial seriam induzidas mesmo sem a "ajudinha" governamental, cujo custo de oportunidade é mesmo a merenda escolar. ou seja, minha equação do desenvolvimento é simples e delfiniana: gasta em serviços educacionais e terás aviões, gasta em saúde e terás uma indústria farmacêutica. tudo se os preços relativos locais e internacionais forem compatíveis.

agora, aliás: descontadas as questões do protecionismo (que deve ser removido com tratados e diplomacia e não com barreiras alfandegárias), não vejo qualquer vantagem na produção nacional de nada, exceto de serviços de educação, saúde, segurança, justiça, saneamento, aquela velha listinha de sempre. afinal, não estamos naquela parada lennonista do "imagine there's no countries"?

e ainda tem mais: falei ontem que, quando incentivamos as indústrias do Oiapoque, estamos criando certo embaraço para as instituições (famílias, governo, empresas investidoras locais e empresas exportadoras locais) do Chuí. ontem, não falei "e vice-versa". é óbvio que sairia mais em conta alguém do Oiapoque comprar crepes, digamos, da Guiana Francesa do que do afamado arroio sulino.

terceiro:
vou citar um longo trecho das p.28-29, que abrigam o artigo "A festa tem hora para acabar", de Luiz Gonzaga Belluzzo:

Na ausência de medidas potentes de defesa comercial e de intervenções corajosas no mercado de câmbio, o ambiente negativo para a indústria brasileira vai piorar. Já observei em utra ocasião que, na China, o aumento da participação dasexportações demanufaturas no comércio global foi acompanhado por um aumento correspondente da participação chinesa no valor agregado manufatureiro. Isso tem uma implicação importante: o valor adicionado às exportações pelo trabalho dos chineses elevou-se com a maior integração da economia ao comércio internacional e, ao mesmo tempo, induziu-o à ampliação das redes de formação e circulação da renda interna.

Os habitantes do Império do Meio leram cuidadosamente Adam Smith e seu crítico maior: entenderam o que sgnifica a divisão do trablaho e a formação de valor [aqui e adiante, itálico no original] induzidos pela industrialização. A partir dessa compreensão nada trivial promoveram políticas intencionais de expansão e diferenciação das forças produtivas e, portanto, das cadeias de criação de valor. Nesse caso, pode-se concluir que houve um "adensamento" das cadeias manufatureiras domésticas que permitiram a apropriação do aumento das exportações pelo circuito doméstico de geração de renda e de emprego.

Na América Latina, inclusive no México, a história foi outra. O México, diferentemente do Brasil e da Argentina, aumentou bastante sua participação relativa nas exportações mundiais. Mas caiu a sua parte na formação do valor agregado manufatureiro global, exprimindo a desarticulação das cadeias produtivas depois da assinatura do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta).

citação mais longa das três, e comentários um tanto espichados. sabemos que o valor adicionado tem três óticas de cálculo: produto, renda e despesa. o produto de um setor não tem compromisso legal de ser igual a sua despesa! não sei se, quando fala em valor agregado manufatureiro, ele quer dizer "produto". na linha de minhas formulações do modelo de insumo-produto, podemos associar a cada grupo da demanda final (consumo das famílias, consumo do governo, investimento e exportação) um conjunto de variáveis, como a original, a oferta total que lhe corresponde, o PIB a ela associado, o emprego, os impostos indiretos, e assim por diante. neste caso, podemos colocar lado-a-lado a exportação (valor adicionado mensurado pela ótica da despesa) com o PIB (valor adicionado mensurado pela ótica do produto). como sabemos, a renda não integra a matriz de insumo-produto.

ok. ao compararmos a exportação com o PIB associado a ela (ver o post scriptum), poderemos, talvez, tirar a dúvida que emergiu em meu espírito ao ler o primeiro parágrafo dos que selecionei do artigo de Belluzzo. é fácil de provar que, corrigido pelas importações, naquele setor em que o PIB é maior do que a demanda final, então as vendas de insumos são maiores do que as compras de insumos. e por que as vendas seriam maiores do que as compras? porque ele seria mais especializado (ou teria mais poder de monopólio na formação do preço) do que a média da economia, ou seja, nele gera-se mais valor do que na média. claro que não posso falar pela China, mas pelo Brasil e por dados das economias europeias que já manipulei não existe esta superioridade generalizada das "manufaturas". o que há é que, mesmo dentro da indústria de transformação, algumas atividades têm o PIB maior do que a despesa e outras, têm-no menor.

então, a sentença que associa aumento da participação das exportações chinesas no mundo com o aumento da participação chinesa no valor agregado manufatureiro é obscura para mim. em especial, no agregado de todos os setores, o PIB é identicamente igual à despesa, pois ambos não são nada mais do que a mesma coisa: duas óticas de cálculo da mesma coisa, o valor adicionado. pior ainda: a sentença "[...] o valor adicionado pelo trabalho dos chineses elevou-se com a maior integração da economia ao comércio internacional" ou é um resumo do que está dito imediatamente acima ou é um truísmo. que estará ele querendo dizer? que exportar é bom? parece óbvio que é. que, quando aumenta o produto, a renda e a despesa aumentam precisamente na mesma medida? parece óbvio que é. o que me parece preocupante é que muita gente pensa que primeiro aumenta o produto e depois é que aumenta a renda e depois é que aumenta a despesa.

o modelo keynesiano diz que primeiro aumenta a despesa e depois aumenta a renda (mas queria dizer o PIB), mas eu digo que o que aumenta é o valor adicionado na forma M*V, ou seja, gera-se o valor de uma unidade de tempo. e que este valor é alocado para produtores, fatores e instituições na forma de, respectivamente, produto, renda e despesa. e aí, juntamente com o valor e as produtividades setoriais relativas, determinam-se os percentuais de distribuição do produto entre setores e também, juntamente com o poder de barganha relativo, entre capitalistas e trabalhadores e também o governo (com os impostos indiretos líquidos de subsídios). também se determina a distribuição do produto dos produtores (trabalhadores e capitalistas) às instituições (digamos, famílias pobres e famílias ricas). também se determina a despesa destas famílias. mas, isto é o mais importante, também se determinam as transferências interinstitucionais, ou seja, uma fração de M*V que não é valor adicionado nem transferências interindustriais.

então o que estou dizendo é que não foi a exportação que gerou o valor adicionado, mas que, dado um volume de valor adicionado às matérias primas em determinado período, é que todos os fatores institucionais relevantes levaram a que se exportasse determinada fração dele e que se a distribuísse entre os diferentes setores produtivos. quero dizer: o valor adicionado não é engendrado na produção (trabalhadores e capitalistas) mas na sociedade (trabalhadores, capitalistas, aposentados, sinecuristas, e por aí vai).

ou seja, quando Belluzzo fala em Smith e Marx e a partir daí é que os chineses "entenderam o que significa a divisão do trabalho e a formação de valor [sic] induzidos pela industrialização, sinto um alívio. é precisamente contra isto que escrevi os dois últimos parágrafos. como andei dizendo, mutatis mutandis: "acho que dei uma péssima resposta a tua pergunta":: é a visão oposta.

aí ele volta ao ponto, restatando agora o exemplo do México. como é que pode um país aumentar a participação nas exportações e reduzir a no PIB? claro que não pode! ergo, as cadeias produtivas mexicanas depois do Nafta podem ter até sido destruídas (o que não discuto), só que isto não se segue da identidade contábil entre as três óticas de cálculo do valor adicionado. o que azarou o México? isto não tenho condições de discutir, mas posso garantir que não foi um problema de definição errônea do valor adicionado pelo segmento exportador.
DdAB

p.s. das 16h54min de 12/abr/2012:
fui alertado para uma citação fora de contexto que fiz do artigo do prof. Antonio Delfim Netto e apresso-me a corrigi-la. a frase que citei acima complementa-se com:

E não vai conseguir sem proteger a sofisticação da estrutura industrial que estamos permitindo ser destruída pela supervalorização cambial. 

em outras palavras, em boa medida, adulterei o que ele disse (e lamento profundamente os mal-entendidos que possam ter pintado nestes dias entre a postagem e esta retificação). não há dúvida de que a primeira parte (que citei acima) é de autoria lá dele, claro. mas eu citei, no sentido de apoiar os mais importantes achados do trabalho quantitativo a que venho-me dedicando desde, pelo menos, o início de setembro do ano findo: o setor serviços é dominante na formação da renda brasileira e mais perto está de produzir uma economia dinâmica e uma sociedade igualitária. não me dei conta de que a omissão da parte em que ele defende medidas de proteção à "sofisticação da estrutura industrial" enviesaria o leitor (felizmente apenas um ou dois...) sobre o pensamento delfiniano. ele recomenda a adoção de política cambial para proteger a indústria.

na verdade, entendo que ele defende a política industrial do governo. mas não é, claro, nesta frase, da qual nem discordo, pois não está falando em política industrial. ao contrário, se algo decorre diretamente do escrito nesta frase é que alguma política de desvalorização cambial faz-se necessária. sem ela, a indústria -como diz a frase dele lá de cima- não poderá prover "empregos de boa qualidade a 150 milhões de brasileiros em 2030". e o que digo -e creio que ele não discordaria- é que esta desvalorização cambial (ver o artigo de Bresser Pereira que transcrevi aqui) vai tornar a "reprimarização" ainda mais estonteante!

segue a postagem original:

imagem: égua velha e potro novo aqui.
p.s.: quarto (apêndice aos três pontos originais) tudo o que falei vale no contexto do modelo de insumo-produto e da matriz de contabilidade social. como sabemos, ambas as matrizes portam tanto relações contábeis quanto comportamentais. com a MIP, sabemos que x = B * f (onde x é o vetor da produção setorial, B é a matriz inversa de Leontief e f é o vetor da demanda final). se não ficarmos com o vetor da demanda final agregado deste jeito, mas o substituirmos pela matriz de suas componentes, teremos X = B * F. cada coluna de X dará a oferta total de uma subeconomia (a das famílias, a do governo e as demais acima identificadas). depois dizemos que P = q x B x F (onde q é a matriz diagonal de produto por unidade de produção), ou seja, dizemos que existe uma matriz de produto das subeconomias correspondendo a esta matriz de demanda final. e pode-se provar que os totais de cada coluna de F são idênticos aos das correspondentes colunas de P. quer ver? olha minha tese de doutorado. quer ver atualizado? pega as matrizes do site do prof. Joaquim Guilhoto e calcula estas equações. onde? aqui:
GUILHOTO, J. J. M. (c.2011) Sistema de Matrizes de Insumo-Produto para o Brasil. 56 setores. Disponível em: http://guilhotojjmg.wordpress.com/banco-de-dados/matrizes-nacionais-2/. Acesso em 28/dez/2011.

p.s.s.: agregado em 30/mar/2012. sobre o artigo de Delfim Netto. logo após a frase que citei acima, ele não deixa dúvida sobre sua simpatia pelo projeto industrializante brasileiro: "E [o Brasil] não vai conseguir [dar empregos...] sem proteger a sofisticação da estrutura industrial que estamos permitindo ser destruída pela supervalorização cambial." meu pensamento a respeito é bipolar. por um lado, penso que o endeusamento do setor industrial (talvez alegadamente formador de capital físico, quando eu queria formação de capital humano e social) é um erro analítico. por outro, penso que o Brasil não pode jogar dilema de prisioneiros e postar-se no quadrante do trouxa. se é dilema de prisioneiros, e a estratégia dominante é proteger, não há como liberalizar. e é dilema de prisioneiros.

p.s.s.s.: por quê erro analítico? primeiro: porque a acumulação de capital não se dá dentro dos setores industriais, mas dentro dos conglomerados empresariais, que atuam em diferentes setores. em segundo lugar, porque o capital físico pode ser importado, ao passo que o capital humano é essencialmente nacional (ainda que ajudado pela imigração). terceiro: apenas o que os neo-schumpeterianos chamam de sistemas nacionais de inovação é que poderão dar ganhos perenes de produtividade a todos os setores, sendo o capital físico apenas um coadjuvante. quarto: os alegados linkages de um parque industrial integrado falam de valor da produção e não de valor adicionado.

14 março, 2012

Falar no Diabo... Industrialização nos Sovietes

querido blog:
claro que não desejo que este título coloque-me no clube da galera que odiou os sovietes. eu não sei que dia passei a achar furado o experimento soviético, mas é certo que foi muito, muito depois de 1917. na linha evolucionária que me circunscreve, eu diria que houve um dia entre a ascenção e a queda em que esta última foi decretada. o stalinismo? o próprio leninismo? o que não nego é que o povo tinha o direito de revoltar-se ou apenas de engrossar as fileiras das linhas revoltosas. como hoje na Síria. acabo de ler que os governantes sírios encheram a fronteira do país com minas. parece Angola! parece que o governo mundial precisa instalar-se com urgência.

ok, ok. não era bem negócios africanos, asiáticos ou europeus que me chamariam a atenção hoje. mas, seja como for, vi uma entrevista do ministro da fazenda e estou com ele. não pode guerra cambial. comerciar com a China não é livre-comércio.

parece que, por aqui, foi só eu dar uma saída (passei a segunda-feira em Brasília) que o jornal se aproveitou de minha ausência e deu um golpe importante nas "reformas democráticas que conduzam ao socialismo". talvez nem tenha sido o jornal e talvez nem tenha sido na segunda-feira. ocorre que ontem, ao olhar esse exemplar, vi a manchete:

Do game ao frigorífico. Novo plano industrial do RS vai apoiar 22 setores. Pacote que será revelado dia 29 busca atrair pequenas e médias empresas inovadoras, reativar áreas tradicionais e seduzir investidores com alívio de impostos.

Gelei. Um jornal que vem do futuro, como a Carta Capital, que leio aos sábados ou domingos e ela existirá apenas na quarta-feira seguinte. tomei-me de paciência e fui olhar a matéria oferecida nas páginas 4-5.

não deu outra. é o planejamento governamental do governo Tarso Genro e de meu ex-colega de UFRGS, o prof. Mauro Knijnik, sempre tido naquelas paragens como um dos rapazes do grupo antagonista àquele do qual o prof. myself fazia parte. nem falemos em direita x esquerda.

pois o plano segue indicando os setores:

.1. indústria oceânica e polo naval
.2. reciclagem e despoluição
.3. carne bovina
.4. carne suína
.5. automotivo e implementos rodoviários
.6. máquinas e implementos agrícolas
.7. madeira, celulose e móveis
.8. energia eólica
.9. avicultura
10. leite e derivados
11. equipamentos para indústria de petróleo e gás
12. petroquímica, produtos de borracha e material plástico
13. biocombustíveis, etanol e biodiesel
14. semicondutores
15. saúde avançada e medicamentos
16. indústria da criatividade: audiovisual, moda, design, games, editoras
17. grãos (arroz)
18. grãos (soja e milho)
19. vitivinicultura
20. software
21. eletroeletrônica, automação e comunicações
22. calçados e artefatos.

eu, que tenho defendido o investimento em serviços, não posso deixar de sinalizar, com alegria, por exemplo, a indústria número 16. mas também ocorre-me que seria melhor gastar em educação, saúde, segurança pública, saneamento básico, serviços judiciários, essas coisas manjadíssimas que tanto ferem o senso fisiocrático da rapaziada. explico de outro modo: o desperdício de recursos é o estado dar dinheiro para os produtores de, por exemplo, eletrônica, automação e comunicações e não para alunos, velhinhos, doentes, presidiários, e por aí vai. se gastassem, por exemplo, em cursos de formação de empresários (planos de negócios) para estes últimos (descontados os desvios para o sendeiro do mal), haveria, de qualquer modo, demanda por eletrônica, automação e comunicações. talvez não na escala desejada pelos dirigentes, mas eles ganhariam de quebra um povo mais empreendedor. no caso das crianças e velhinhos e doentes, mais ágeis na matemática, mais ágeis no salto da poça dágua e mais ágeis na recuperação. o parece faltar aos neo-fisiocratas é o conceito de demanda derivada, ou melhor, eles acham que os linkages da indústria são superiores aos linkages dos serviços. quero dizer ainda, se aumenta a demanda, digamos, por notebooks para as salas de aula, a demanda derivada se espraiará sobre a indústria de computadores. o reverso é que não é verdadeiro, como o provam os últimos 80 anos. pode produzir aço à vontade e ter-se-á a mesma plêiade de analfabetos, pois não se gastou em educação!

além do mais, que podemos dizer de um governo que talvez esteja criando "empregos" que ainda virão a destruir os empregos de outras plagas domésticas. se o inimigo fosse apenas o externo, ainda poderíamos declarar-lhes guerra. mas declarar guerra ao emprego de outras comunas do mesmo país é completo atropelo às leis do bom-senso. só posso dizer às autoridades: "bom-sense-se!"

para contrariar, mesmo não sendo exaustivo, pensei, por exemplo, e ao contrário, em:

Hotéis e similares
Outros tipos de alojamento não especificados anteriormente
Restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas
Restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas
Serviços ambulantes de alimentação
Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada
Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada

Educação infantil - creche
Educação infantil - pré-escola
Ensino fundamental
Ensino médio
Educação superior - graduação
Educação superior - graduação e pós-graduação
Educação superior - pós-graduação e extensão
Educação profissional de nível técnico
Educação profissional de nível tecnológico
Atividades de apoio à educação
Ensino de esportes
Ensino de arte e cultura
Ensino de idiomas
Atividades de ensino não especificadas anteriormente

Atividades de atendimento hospitalar
Atividades de atendimento hospitalar
Serviços móveis de atendimento a urgências
Serviços de remoção de pacientes, exceto os serviços móveis de atendimento a urgências
Atividades de atenção ambulatorial executadas por médicos e odontólogos
Atividades de atenção ambulatorial executadas por médicos e odontólogos
Atividades de serviços de complementação diagnóstica e terapêutica
Atividades de serviços de complementação diagnóstica e terapêutica
Atividades de profissionais da área de saúde, exceto médicos e odontólogos
Atividades de apoio à gestão de saúde
Atividades de atenção à saúde humana não especificadas anteriormente
Atividades de assistência a idosos, deficientes físicos, imunodeprimidos e convalescentes prestadas em residências coletivas e particulares
Atividades de assistência a idosos, deficientes físicos, imunodeprimidos e convalescentes prestadas em residências coletivas e particulares
Atividades de fornecimento de infra-estrutura de apoio e assistência a paciente no domicílio
Atividades de assistência psicossocial e à saúde a portadores de distúrbios psíquicos, deficiência mental e dependência química
Atividades de assistência psicossocial e à saúde a portadores de distúrbios psíquicos, deficiência mental e dependência química
Atividades de assistência psicossocial e à saúde a portadores de distúrbios psíquicos, deficiência mental e dependência química
Atividades de assistência social prestadas em residências coletivas e particulares
Atividades de assistência social prestadas em residências coletivas e particulares
Serviços de assistência social sem alojamento

Artes cênicas, espetáculos e atividades complementares
Artes cênicas, espetáculos e atividades complementares
Artes cênicas, espetáculos e atividades complementares
Criação artística
Criação artística
Gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas
Atividades de bibliotecas e arquivos
Atividades de museus e de exploração, restauração artística e conservação de lugares e prédios históricos e atrações similares
Atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental
Atividades de exploração de jogos de azar e apostas
Atividades de exploração de jogos de azar e apostas
Gestão de instalações de esportes
Clubes sociais, esportivos e similares
Atividades de condicionamento físico
Atividades esportivas não especificadas anteriormente
Atividades esportivas não especificadas anteriormente
Parques de diversão e parques temáticos
Atividades de recreação e lazer não especificadas anteriormente
Atividades de recreação e lazer não especificadas anteriormente


DdAB
linda imagem trágica: aqui. aliás nem sei de onde é essa fábrica. espero que ela não coma criancinhas.
p.s.: talvez nunca saibamos se o melhor foi mesmo o estado promover aquela industrialização precoce a partir dos anos 1930s ou se teria sido melhor para este desenvolvimento de gente e dinheiro que se tivesse começado a gastar em educação, saúde, essas tolices dos neo-heterodoxos... ainda em Brasília sugeri que é preferível comprar um milhão de computadores para a escola do que incentivar a indústria a produzi-los. claro que, se as encomendas forem para as empresas nacionais, o incentivo chegará onde os neo-desenvolvimentistas desejam. ainda assim, o que tem a ver, em termos de linkages, o morador do Chuí com o da barra do Oiapoque? parece que o governo precisaria de fortes requebros para garantir ao primeiro a primazia na produção de computadores e ao segundo não infernizar as crianças com escolas...