17 julho, 2011

Outra do Papagaio (digo, da turma do judiciário)

querido blog:
o papagaio massarocado da imagem nada tem a ver com a piada que vou narrar. ela tem a ver com a quarta turma do tribunal regional federal da quarta região, que enquadrou a lei do orçamento no desvão da legalidade. pode? claro!

consta que uma senhora sofreu um acidente de carro (falha do governo, claro, que autorizou a ocorrência do imprevisto...) em 2005 (falha dos deuses que deixaram o tempo correr desenfreadamente, desde então) e tornou-se paraplégica, pois fraturou a medula. como sabemos, resolve-se o problema com reabilitação e medicação, tudo explicadinho na p.27 de Zero Hora de hoje, bem acima dos anúncios fúnebres. também, como sabemos (ou apenas lemos), os procedientos de reabilitação "compreendem fisioterapia, hidroterapia, musculação, enfermagem e psicoterapia."

até aí, tudo triste. a piada ocorre, claro, porque a juíza Sílvia Goraieb lascou: "não há condições de deixar a pessoa exposta à própria sorte, porque quando se consegue marcar consulta, leva mais de um ano." pensei: só ela? por que prioridade a ela? solidariedade feminina? mania de perfeição? os meninos de rua, juro, beneficiar-se-iam de psicoterapia, hidroterapia e musculação, pelo menos, desde que -claro- pudessem ver diminuída sua verminose, sua barriga dágua, sua fome e seu analfabetismo. a questão da escolha social que se coloca é o trancão dado ao problema de hierarquização de prioridades pela dra. Sílvia.

na hora de fazer o orçamento é que os representantes legais deveriam estabelecer recursos para atender às necessidades de acesso à saúde. como é que a juíza pôde decretar que esta indigitada mulher tem mais necessidade do que o menino de rua? e os demais carentes de psicoterapia ou hidroterapia? só porque ela tem um causídico sacador das tibiezas de uma sociedade que:
.a. nem tem orçamento decente
.b. nem, portanto, o faz obedecer a princípios razoáveis de universalização. como definir as necessidades a serem universalizadas? obviamente, com o conceito de Abraham Maslow. e comp pagar? obviamente com o imposto de renda progressivo. claro que, com isto, estaríamos caindo perigosamente numa sociedade igualitária. a piada é pensarmos que há justiça neste país. começa que o acidente ocorreu há há mais de seis anos, morosidade. segue que a juíza emocionou-se com a situação de tragédia da velhinha (idade inferida...), mas deu de barato que não há problemas ainda mais severos a serem consertados.

o pobre menino de rua, claro, exibe todas as condições para ser deixado à própria sorte, não é mesmo?
DdAB
p.s. autêntico: algumas horas após e menos de um dia de fazer a postagem, dei-me conta de que repeti o tema várias vezes. aí pensei em que é que esta postagem inova. talvez nada, resmunguei, um tanto desalentado. mas dei-me conta de que nunca me dera conta de que este problema de sentenças judiciais altererem as prioridades da lei (inócua???) do orçamento público é uma afronta ao segundo item do segundo item do conceito rawlsiano de sociedade justa: se houver desigualdade (prioridade na fila), esta deve atender aos menos favorecidos. ou seja, a morte à lombriga deve ter preferência a pontes de safena. é doloroso pensar assim: só tem lugar para mais um no barco. quem será o escolhido? os médicos (os juízes jamais...) falam em QALY - quality adjusted life years: anos de vida ajustados pela qualidade. no caso, o menino de rua deve ter uma enorme vantagem sobre macróbios, não é mesmo?

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