10 abril, 2011

A Maconha e o Wellington

querido diário:
como sabemos, Wellington Moreira Franco é o nome de um governardor do Rio de Janeiro, cidade, aliás, em que nasci e de onde cedo fugi... o desditado governador tem seu nome irremediavelmente associado, para o resto da eternidade com o do finado Wellington Menezes de Oliveira, o não menos sortudo cadáver suspeito de assassinar 12 crianças, possivelmente, minhas "patrícias". claro que estou reclamando dos rapazes que ganham R$ 30.000,00 mensais e levarão cerca de 250 para levá-lo às barras do júri popular a que, pela constituição da república, ele tem o direito de ser submetido, pela suspeita de ter matado as 12 indigitadas meninas. como ele já está morto de qualquer jeito, não precisariam esperar esses 250 anos para vê-lo morto, não é mesmo? claro que considero que o vilão da história é o planeta inteiro, mas corta daqui, simplifica dali, eu poderia dizer que é apenas a parte do planeta que contribui para a manutenção da sociedade injusta, ou seja, aquela de Rawls (liberdade, não-nepotismo e não-desigualdade).

a imagem de hoje mostra minha curiosidade adicional. olhei o governador, rapidamente, na Wikipedia. isto que eram 8h59min, horário porto-alegrense (de meu relógio de pulso, que o do computador está estranho). no Goggle, achei estes aproximadamente 272 mil documentos. um magistrado poderia comprar cada um por R$ 0,11 cada e ainda sobrariam alguns troquinhos para os guris de sinaleira. escrevi isto para mostrar o uso político das quatro operações, que -na verdade- foi apenas uma. ela é assemelhada ao teorema que criei que diz que "o PIB corresponde precisamente a 100% do PIB", o que quer dizer que mais remuneração a traficantes de drogas significa menos remuneração aos juízes, ou às professorinhas, ou ao Wellington, ambos os dois os três. mais que isto, merendas furtadas da escola podem gerar um descontentamento tão grande que acaba em chacinas.

agora, a Zero Hora de domingo, na capa, tem uma manchetinha mandando para as p.24-26, onde está a lona que cobre todo o espetáculo tétrico de Uélinton. mas já vai avisando: "Atirador mata seis na Holanda". a Holanda, como sabemos, é o país que tem ou teve consulado na Rua Siqueira Campos, defronte à Paineira. querendo, há um bom par de milhares de anos, estudar nesse/s país/s baixo/s, pedi ao porteiro a informação de onde era o andar. falei, se bem lembro "Holanda", com agá. ele entendeu "Iolanda" com i? não, corrigiu-me ("ah, tu qué o consulado da iolanda"), pois não ouviu o "i", de "nenhum homem é uma ilha". eu pensei, já naquele tempo era dado a estes arroubos do pensamento, tudo por causa da econometria dos dados de cross section, que tentavam esconder que havia mesmo rendimentos crescentes à escala na indústria dos frigoríficos abatedores de carne de porco (o pobre!) do Rio Grande do Sul. meditando sobre o assunto, pensei que melhor faria para o povo brasileiro o tal consulado europeu se lhe desse a ele umas dessas bolsas de estudos que eu pleiteava. não quero minimizar a responsabilidade dos governadores, mas era estranho ver um coroa na portaria do prédio do consulado sem sequer saber pronunciar seu nome. anos depois, seja lá como for, Chico Buarque compôs as canções Ana de Amsterdã e Iolanda, que se fundiram na atual ministra da cultura do Brasil, pelo que entendi. e não juro ter prestado atenção nos detalhes. o atirador holandês fechou-se em copas, depois de morto: nada declarou.

mas eu vou diretamente a uma frase de Marcos Rolim, cronista dominical, que hoje mostrou seu artigo na p.14 de -agora- Zero Herra (preço de capa: R$ 3,50, umas 40 páginas do Google com o nome do cara), pois o título é: "O brasil diante do horror". como, em alemão, os substantivos têm maiúsculas, pensei que o certo mesmo seria: "O Brasil diante do horror". mas felizmente não estamos na Alemanha, aquela terra daqueles monstros ante-diluvianos, ou seja, antes da Crise do Petróleo de 1973. e qual é/s as frases de Rolim (marcos@rolim.com.br)? lá vai todo o parágrafo:

É impossivel erradicar o mal da agência humana. Ele diz respeito à condição básica da liberdade mesmo. O que podemos e devemos fazer é diminuir suas possibilidasdes trágicas, reduzindo o potencial de letalidade na ação. O que será muito mais difícil de fazer com 16 milhões de armas de fogo. O assassino do Realengo era, muito provavelmente, um maluco que encontrou na moral sexual tipicamente religiosa o amparo para sua misoginia. Mas fosse só isto, jamais teríamos um massacre. A tragédia se tornou possível porque o assassino tinha duas armas de mão e muitos carregadores. Sem esses instrumentos delineados para matar, nunca os danos seriam de tal monta.

volto a usar a aritmética, a fim de pensarmos nas possibilidades numéricas deste tipo de análise.

.a. diminuição de possibilidades trágicas, certamente, é uma operação aritmética. comecemos com P2, o número atual de possibilidades trágicas e definamos P1 como o nível socialmente desejado. sabemos que a sociedade não deseja pagar o custo de ter um P1 = 0, pois teria que abrir mão de muita liberdade, preocupação não alheia à primeira sentença de Rolim. mas claro que P2 - P1, no Brasil, poderia ser estupidamente enorme. para mim, umas 50 possibilidades trágicas encontram-se neste momento às margens da Ipiranga, ou seja, dos taludes e o que o valha da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre. e mais umas 50 por aqui e por ali. falo da infância abandonada, os capitães de areia que não estarão em menor número da cidade de Salvador, onde o mar e a poesia se encontram. era Gil, não era?

.b. o Wellington (não falo do governador, claro) até que poupou vidas, se é que informam corretamente. disseram-me (e não é conversa de alcova, pelo que presumo) que o cadáver, enquanto vivia, portava aids, não sei se é assim que se diz, agá-i-vê, "estava escrito assim". então, como ele era um rapaz religioso, não praticava (não?) sexo inseguro. se o fizesse, poderia ter contaminado milhares de pessoas. milhares? digamos que apenas uma ou duas dúzias. realistic. trop realistique. talvez o SUS ou o que seja tenham segurado seus arroubos assassinos per la via del amore, como diria o primeiro ministro de um país amigo. ou coisas parecidas.

.c. agora, esse negócio de 16 milhões de armas de fogo circulando pelo Brasil deu-me o em que pensar. eu diria também muito mais difícil de fazer com 200 milhões de habitantes (sem querer limpeza étnica ou o que seja, mas pensando singelamente no Uruguai). então pensei que uma proibição de uso de armas de fogo em países pequenos nem é necessária, pois a população seguraria as pontas e jamais teria 16 milhões.

.d. mas a questão é como diminuir os 16 milhões (o P2-P1, um troço desses). um jeito é comprá-las. pagar caro por elas. por exemplo, quem ganha renda básica universal não pode portar arma de fogo, ou -ao contrário- faríamos uma guarda armada, como -li na revista Batman, há alguns anos, ou fonte similar- é o caso da Suíça. com 16 milhões de servidores do Serviço Municipal cuidando precipuamante dos maus tratos à infância, duvido que o Wellington fosse eleito sequer para grêmio estudantil daquela malsinada escola.

mas tenho que abandonar o reino seguro da aritmética. e passar ao português ("que, pois, porque, porquanto") e matemática (além da aritmética, entra a lógica, o silogismo antigo e as modernas formulações - so to say - russellianas. como sabemos, russelliano é tudo o que se encontra na Rua Russell, o que inclui todo o Museu Britânico, ou pelo menos sua parte mais visivel.então pensemos na frase de Rolim, mutatis mutandis:

M: Wellington tem duas armas de fogo e muitos carregadores
m: alguns que têm duas armas de fogo e muitos carregadores tornam a tragédia possível
C: Wellington tornou a tragédia possível.

ok, ok, não tem lá muito pedigree este silogismo. ainda assim, torna-se mais claro que o responsável pelo uso das armas de fogo -assim que for condenado pela última instância do poder judiciário, irrecorrível- pode ter sido o Wellington. em outras palavras, não foram as armas de fogo (diz o jornal que uma custou-lhe R$ 250) que podem ter conduzido (é odioso não podermos condenar o Wellington, porque ele ainda não foi submetido a julgamento, mas quem sou eu para dizer que entendo de leis?) o Wellington a matar crianças. ou melhor, pode ser que não tenham sido elas. e o assassino (já foi julgado?) holandês? foram as 16 milhões de armas brasileiras? a maconha brasileira? a garota de programas brasileira? com 16 milhões de habitantes dá uma arma por cada. uma porcalhada! mas não faz muita diferença saber que o holandês, nos dias que correm (eu disse "nos dias que correm", né, meu?), é um povo pacifista, com algumas exceções, inclusive governamentais.

ainda assim, meu erro foi, no item .d., ter falado em "comprar". e nos R$ 250 do revólver que os srs. Charleston Souza de Lucena (chaveiro, 38 anos) e Izaías de Souza (vigia, 48 anos) declararam ter vendido ao cadáver, ainda nos tempos em que ele não o era (ver p.26 do exemplar jornal). mas costumo argumentar contrariamente à pena de morte, sugerindo que nem uma confissão pode incriminar o neguinho definitivamente. foram eles mesmos? não teriam sido subornados por um íncubo de carne-e-osso? a exemplo do cadáver holandês, parece que não adianta inquiri-lo. em minha opinião, sociedade igualitária não tem um excessivo número de desempregados e subempregados. chaveiro? vigia? tudo emprego relacionado ao preço baixo que se paga pelo crime. na Inglaterra, ilha que abriga o Museu Britânico, as casas não são tão gradeadas quanto vemos nas aves que aqui gorgeiam. tinha que ter chave? tinha que ter vigia? não bastavam os 16 milhões de portadores de armas de fogo devidamente treinados para não usá-las, para mantê-las guardadinhas em suas casinhas também bem guardadinhas?

quando se fala em proibição do uso de armas para acabar com o crime também fui condicionado a pensar na proibição do aborto para acabar com as mortes de garotas e seus fetos. da maconha para acabar com o crack, do crack para acabar com o tráfico. no outro dia falei do luminar que não conhece a lei da oferta e procura e quer resolver o problema das drogas de um jeito não-mercantil. o problema do mercado negro só tem soluções mercantis, esta é que é a realidade contundente desse mundo lá fora, a realidade realmente real. a lei da gravidade derruba aviões. a lei da oferta e procura os criou e os mantêm no alto.

cá entre nós: o Wellington (nem quero falar do governador, claro) não é o vilão. o vilão são os políticos, incluindo entre eles todo brasileiro que recebe mais de R$ 3.640 por mês, ou seja, a quantia que o INSS paga ao trabalhador (que não mais o é) aposentado. ok, ok, se não os podemos todos chamar de "classe dominante", que tal chamar de "elite multirracial"? onde começa o conserto do país? tenho tentado argumentar que começa com a discussão do que é sociedade igualitária, das razões que mostram que esta forma de organização dos conflitos não cobertos por contratos das interações sociais. e dos cobertos também, pois -num país em que a justiça leva 250 anos para julgar um cadáver- não se pode confiar em ninguém, as porosidades alcançam dimensões de fossas oceânicas.
DdAB
p.s.: Marcos Rolim também coloca a nossa disposição o endereço: http://bit.ly/eDCgu, claro que sem esta vírgula no fim. tá no site: www.rolim.com.br, sem a vírgula, né?
p.s.s.: não fechei o link Charleston-Ridderhof (USA-Holanda). dizem (li em meu Kalot, de psicologia) que a imprensa não noticia suicídios, pois os que estão na beirada aproveitam o ensejo e até se sentem desafiados a também praticá-los. pois, ao ler a chamada secundária da capa de ZH de hoje, pensei precisamente nisto: será que o Dutch soube do Wellington? será que o Wellington soube das dezenas de casos que espoucam ("pipocam", diria o Izaías) pelo mundo afora?
p.s.s.s.: será que tudo isto não é apenas mesmo um prenúncio dos fins-dos-tempos que poderia ser protelado com as primeiras medidas conducentes à sociedade igualitária. me mostra o partido que desfralde esta bandeira que nele voto, agora que reativei meu título.

2 comentários:

Igor Freiberger disse...

Duílio, a vida é muito curta para comentar os numerosos assuntos que abordas em uma única postagem. E o final de semana já é quase uma lembrança. Mas deixo pelo menos um link pontual.

A questão sobre presumir inocência e tratar como "suposto" um crime inequívoco e amplamente documentado foi recentemente abordada por um magistrado federal. O sujeito é muito bom e analisa com grande propriedade diversos temas jurídicos atuais.

O link: http://direitosfundamentais.net/

P.S.: um magistrado não consegue comprar 272.000 documentos a 0,11 cada. Se for Ministro do STF, com os descontos na fonte e o salário de um mês, poderá pagar 0,066 por cada um. Se estiver no início de carreira, serão 0,053 centavos.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

oi, Igor: obrigado pela visita. volte sempre. é impossível ler tudo o que eu escrevo. eu mesmo, se não tivesse que conferir (do melhor jeito que posso) a digitação, juro que não leria os 100%.

considerando meu interesse na sociedade justa (e também nos R$ 30 mensais, se fosse nomeado para o tribunal), sinto-me obrigado a ler. e grato, obrigado, pela dica.

garanto que tuas cifras diferem da minha por causa do numerador. mas ainda assim, agradeço a diligência e, principalmente, a elaboração sobre minha anedota.
DdAB