24 abril, 2011

Fradiques, Fraques, Politiquês

querido diário:
domingo de páscoa. andei fora de combate por razões pascais. fora de combate, em termos civilizados, pois combati alguns capítulos do livro em que presentemente trabalho, trabalho de escravo, mas trabalho. e combati outros capítulos, mais plenos de verve, do 18o. volume (desgarrado) das Obras Completas de Eça de Queiróz, patrono da imagem de hoje, pascalina, pascalíssima, evocativa, portanto, do Monte Pascoal e dos políticos que se implantaram nesta terra descoberta por Cabral, como disse Juca Chaves, outro famoso amante da política brasileira. tivesse eu encontrado esta sentença no livro que estou na parte semifinal da semifinal parte da edição invocaria a sentença que lá mesmo está escrita: frases com mais de quatro linhas são proibidas. isto, claro, num livro científico. num blog, acredito que o récord é de 100 palavras, ou pelo menos foi o que contei num texto de Mário Possas que li há 25 anos. como sabemos, 25 x 4 = 100, ou pelo menos foi o que pensei.

nas páginas 69-70 deste volume (Correspondência de Fradique Mendes, Lisboa: Resomnia/Enciclopédia), li, sem saber se o autor é o próprio Fradique, Eça (que assinará a carta no. XVII "a Clara", de Paris, sem data, das pps.193-195), ou um narrador não identificado, o assombroso texto:

[...] a náusea suprema, meu amigo [que, no caso, é precisamente o narrador], vem da politiquice e dos politiquetes.

Fradique nutria pelos políticos todos os horrores, os mais injustificados: horror intelectual, julgando-os incultos, broncos, inaptos absolutamente para criar ou compreender ideias; horror mundano, pressupondo-os reles, de maneiras crassas, impróprios para se misturar a natuareza de gosto; horror físico, imaginando que nunca se lavavam, rarissimamente mudavam de meias e que deles provia esse cheiro morno e mole que tanto surpreende e enoja, em S. Bento, aos que dele não têm o hábito profissional.

Havia nestas ferozes opiniões, certameante, laivos de perfeita verdade. Mas em geral os juízos de Fradique sobre política ofereciam o cunho dum preconceito que dogmatiza - e não duma observação que discrimina. Assim lho afirmava eu uma manhã, no Bragança, mostrando que todas essas deficiências de espírito, de cultura, de maneiras, de gosto, de finura, tão acerbamente notadas por ele nos políticos - se explicam suficientemente pela precipitada democratização da nossa sociedade; pela rasteira vulgaridade da vida provincial, pelas influências abomináveis da universidade; e ainda por íntimas razões que são, no fundo, honrosas para esses desgraçados políticos, votados por um fado vingador à destruição da nossa terra.

cara, gente, bicho, pessoa, indivíduo! há muita coisa a dizer, a começar pela imagem capturada d(aqui). primeiro, aqui e ali, vi-o (a Eça) lançar-se ao vocabulário técnico ao caso. depois, há muito mais a falar sobre Fradique e a ciência econômica. mais ainda, o radical era o narrador ou Fradique?, a emenda ou o soneto?. quaarto ou quinto: no Brasil, há dias li que condenaram o carinha que roubou milhões em selos de correio da câmara legislativa estadual do RGS, nada há que o leve, pelo que entendo, a ter -tão cedo- uma sentença justa, pois ainda suspeita-se do crime, nada havendo de condenação definitiva. pior que isto é o roubo das merendas das crianças de Sapiranga - RGS, até hoje com água na boca e os outros com os juros no devido crédito...

da imagem de hoje, fica a lição: ou Fradique estava exagerando, ou o narrador é que era perverso, ou as crianças de Sapiranga é que tinham um apetite desmedido para a fase histórica do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. hoje, com tais e tantas lavanderias de dinheiro, não é mais crível que os ungidos pelas urnas deixem-se a usar meias chulepentas. compram meias novas. viajam com o público, isto é, parentes, pagos pelo erário, isto é, dinheiro público. tudo se equilibra.

eu nunca pensara em uma explicação de aparente elitismo do narrador: o caos se deve à precipitada democratização. isto quer dizer nem tanto o fim da ditadura militar. digo "militar", pois não me conformo em dizermos que estamos infensos às mazelas de uma ditadura civil. políticos ganhando "salários" de R$ 30 mil mensais não podem classificar-se como servindo a uma democracia civil. nem a uma teocracia, nem ao que de mais seja que não seus interesses familiares.

apenas o direito de herança é que os faz acumularem tanto. é impossível, a não ser pela compra de iates, gastar tudo o que se ganha, quando se passa expressivamente dos R$ 545,00 do salário mínimo brasileiro contemporâneo. merendas e trabalhadores sempre atrapalharam o desenvolvimento do capitalismo nestes vergéis tropicais e temperados (como é o caso do Rio Uruguay e suas duas margens).

de sua parte, a ideia do "preconceito que dogmatiza", opondo-se à "observação que discrimina" é maravilhosa. claro que eu apenas emito opiniões que discriminam, ao passo que vejo muitos oponentes ao ideário igualitarista exibirem preconceitos dogmatizantes... seja como for, parece-me que foi mesmo a apressada urbamização brasileira que não apenas ajudou a quebra da "democracia" mais uma vez em 1964 como também que, impedindo a ação pública, destruindo a ação pública, os laivos de ação pública que havia, lotando de "cabos eleitorais" os postos de comando da administração pública, acabando com o ensino (ajudados por um sindicalismo herdado precisamente do dr. Getúlio Vargas, um dos ditadores da parada) via greves, greves e greves. ponto. parece-me que foi mesmo, repito, a urbanização, o caos dos grandes números que se evadiu da tragédia da vida rural da primeira metade do século XX, que fez com que tenhamos exatamente os políticos que hoje empalmam os poderes da república e sua oposição, tão capilarmente enrustida nos mesmos cargos e funções, mutatis mutandis. diz-se por aqui "é pura bucha"!

e as fraldas? tem muita gente que defende a proibição da segunda reeleição para tudo o que é político. no Brasil fala-se de uma reforma política em estudos no momento. li que o deputado Henrique Fontana é que é o "relator". pensei em sugerir-lhe ler as obras completas de Eça de Queiróz, em outros tempos eu mesmo já sugerira que o político seja forçado a matricular-se num curso de teoria da escolha pública, forçado a aprender as primeiras letras, forçado a tomar chá de honestidade, forçado a ter um emprego que lhe possibilite existência digna, antes da eleição e depois dela.

existência digna significa ganhar estipêndios mensais mais próximos dos R$ 545 do que dos R$ 30.000 e ainda assim que não provenham de "cargos em comissão", pois os cargos públicos deveriam ser abertos a todos e não apenas aos parentes!

defenda as crianças, as merendas, as fraldas. e troque de políticos regularmente! happy Easter.
DdAB

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