25 outubro, 2010

Responsabilizar é Punir?

amado diário:
no outro dia, meu querido amigo e mestre Eugênio Cánepa lembrou-me de um conceito que aprendi em 1969, a diferença entre responsabilidade e autoridade. naqueles tempos, também estudei algumas noções de direito, tudo inserido na grade curricular de meu curso de graduação em economia. na época nem era economia, mas um ciclo básico daquelas que hoje chamo de ciências empresariais, e nem todas. mas esqueci tudo. e não fosse Cánepa, talvez nem lembrasse hoje desta importante diferença. claro que, digamos, o prefeito dá autoridade para o chefe da polícia enquadrar os corruptores da infância e juventude (quero dizer, meninos de rua), ou mesmo enquadrá-los a eles themselves, se estiverem cabulando aulas.

mas a responsabilidade pela tragédia urbana é indelegável: a responsabilidade é do prefeito e apenas dele. foi ele que pleiteou o cargo, foi ele que obteve o cargo, foi ele que ganhou os estipêdios (nababescos, comparados com os ganhos dos pais dos meninos de rua de que falo) compatíveis com o cargo. ele, prefeito, é o responsável. a vida urbana foi-lhe colocada sob a responsabilidade. civis: civilização, cidadão, cidade, prefeito, não é isto? chez moi, a responsabilidade pelo pagamento das contas mensais é minha. se esqueço, posso pedir perdão, mas não posso dizer que deleguei a um moto-boy ou a quem mais quer que seja a responsabilidade. ter-lhe-ei dado a autoridade, os meios, e ponto.


se Zero Hora é edificante e tem lá suas virtudes, ela também, além das burrices naturais, tem outras, digamos agora, cultivadas. pois não é que hoje, na p.3 do caderno "Meu Filho" (que leio porque tenho prole e serodismo). pois li que existe uma campanha intitulada "Não bata, Eduque", de responsabilidade de uma sra. intitulada Márcia Oliveira. chamou-me a atenção o título da colunata: "Educação sem palmada ou castigo?". pensei: é por isto que o Brasil não vai para frente. dá uma olhada:

A coordenadora da campanha [...] garante que responsabilizar uma criança ou um adolescente por algo é diferente de puni-lo.
-Você pode fazê-lo reparar um dano ou corrigir um erro, obrigá-lo a pedir desculpas por malcriações, limpar uma sujeira que tenha feito. Issso não é punição, e sim reparação - diz.
Mas, quando o assunto é addolescência, o desafio é maior.
-Temos de dar limites. Em casa, toda liberdade deve ter responsabilidade. Caso aconteça algo, tem de existir um castigo. Mas não é preciso usar de violência física - acredita a empresária Denise Sant'Anna, 45 anos, mãe de um adolescente e de uam menina.
Para ela, o castigo somado a um bom diálogo sobre o porquê da sua necessidade é a forma mais eficaz de fazer com que os filhos compreendam náo só os limites, mas também a preocupação que os pais têm com eles. Em vez de castigos, Márcia Oliveira fala em limitações de privilégios, que, na prática, são medidas alternativas ao uso de castigos corporais e podem ensinar a criança a pensar nos prós e contras de obedecer ou não aceitar os acordos.
-Acredito que surtam mais efeito se não são impostas de formma arbitrária e sejam coerentes. Se as regras são claras e foram estabelecidas em conjunto, os resultados do uso de restrição de privilégios serão mais efetivos - afirma.

claro que esta simples colunata deixou-me pensativo sobre os rumos do Universo Amplo. o bem e o mal, o certo e o errado. a sociedade humana e suas peculiaridades, a concepção de que a liberdade é o mais supremo princípio a reger o associativismo humano. e, claro, falando em liberdade, associativismo, convivência, caímos na questão da delimitação dos direitos. na sociedade justa, ninguém avançará sobre minha liberdade, nem eu -by the way- na dos outros.

mas qualquer pessoa tem obrigações educativas para com as demais e estas magnificam-se no caso de pais e professores, além de chefes, militares e milhares de outros exemplos. pensemos em pais e professores, temas que mais se aproximam de meu cotidiano. em ambos os casos, outras gerações utilizarm corretivos físicos. epa, acabei de dizer "corretivos", ou seja, um instrumento de retroalimentação do processo, se este -processo- vier a repetir-se no futuro (se não o fizesse, não falaríamos em retroalimentação). claro que a admoestação (ou o mais brando termo que quisermos usar, conselho, talvez, apelo, sei lá) é um exemplo de feed-back negativo, se e quando funciona. ou seja, se me admoestam por inventar palavras (e levo a sério), deverei reduzir a taxa de palavras inventadas. se, ao contrário, recebo elogios por tal atitude, passarei a esmeraldar-me em sua criação (esta do "esmeraldar-me" é influência de Mia Couto).



houve tempo quem alunos e filhos (para não falar naquela história do "bater na mulher dos outros sem pedir permissão") eram submetidos a pancadas. e ainda hoje tal privilégio é bastante generalizado, como exceção, mas suspeito que seja mais prevalente (%) na classe pobre, por fazer-se acompanhar de baixo nível educacional, de formação cultural, essas coisas, informação sobre elementos elementares de obviedades. no outro dia, vi uma pessoa inspirada traduzir "bullying" por "provalecimento", com o erro de ortografia (ou era nova palavra que inventáramos?) indicando precisamente o fenômeno: neguinho provalecido batia em guria, em menores em peso, altura e idade. uma baixaria inominável. e até hoje bate. e é anti-social, e como tal deve ser punido. punido? adomoestado?

volta e meia insisto no ponto de que não devemos preocupar-nos excessivamente com questões de palavras. meu exemplo de hoje é uma macacada que insirgiu-se contra a prática de se chamar de abobado o indivíduo mentecapto. e acharam que iríamos reduzir o desprezo expresso na palavras ao substituirmos por "excepcional". pois bem, já se vão mais de 10 anos que chamar um neguinho de excepcional tem o mesmo significado: "passa a farinha aí, oh, excepcional!" o carinha passa a farinha com ar de enfado, fingindo que estava pensando em questões filosóficas nas 20 vezes em que -por abobado- não ouviu o pedido do churrasqueiro. para mim, estamos também discutindo a questão do "politicamente correto". minha sinonímia derivada do artigo: responsabilizar, punir, reparar, pedir desculpas, limpar sujeira, castigar, bem dialogar, limitar, adotar medidas alternativas, induzir a obediência, restringir privilégios, tudo é da mesma categoria gramatical: criar feed-backs negativos, induzir neguinho a mudar o comportamento. e mais ainda: a criança que não sente a proteção do adulto é mais ou menos o animal que não sente a proteção do adulto. algo assim.


finalmente: ainda temos a questão da educação baseada em evidência. como é que toda essa turma sabe tudo isto? eu trago algumas evidências empíricas da minha própria experiência, mas muito mais da literatura que andei compulsando, inclusive a leitura assistemática do caderno "Meu Filho", os livros de Spock e Delamare e milhares de outros, nem todos completamente old-fashioned.
DdAB
meu dicionário - cabular: um cábula é um agente que mata aula. aprendi esta palavra lendo a revista "Bolinha" em 1957 ou 1958, em Campo Grande do Matto Grosso. serodismo: substantivo que acabo de inventar e que quer dizer que sou avô extemporaneamente (o que serão mentiras).
ilustração: http://abnoxio.weblog.com.pt/arquivo/jornais_e_revistas/index0.

2 comentários:

Sílvio e Ana disse...

Acho que tanto as regras do jogo, quanto os motivos delas terem sido escolhidas-criadas de uma determinada forma, têm que ficar muito claras(os) para filhos-alunos e pais-professores. Quem é punido, seja pai ou filho, tem que saber que não foi punido porque uma outra pessoa assim o quis, arbitrariamente. Quem é punido já deve saber, antes de efetuar o "ato criminoso", que há punição para aquele ato, determinada de comum acordo ou por quem seja adulto o suficiente para diferenciar o certo do errado, e que a punição virá com certeza. Se eu deixei bem claro para os meus alunos que a fraude em uma prova será punida com uma nota zero, quem cola já sabe que está arriscando perder aquela nota. Se eu deixo de cumprir o combinado e não dou o zero, eu é que errei e devo ser punido. O motivo para a existência de uma tal regra tem que ser compreendido por todos, e todos terão que ter várias oportunidades de mudar o seu comportamento (nas diversas provas subsequentes, por exemplo); mas aquela ali onde o carinha colou, babaus, é zero.
É um assunto bem complexo, e eu gostaria de escrever muito mais sobre isso; mas vamos deixar pra conversar um dia destes no boteco.
Um grande abraço.
(Sílvio)

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

é mesmo, Sílvio!
creio que conversas de boteco -para nem falar nas nossas- são infinitamente mais elevadas do que o tom das campanhas. todo político é ladrão, diz a premissa maior de meu maior silogismo...
DdAB