29 julho, 2010

Se eu soubesse naquele dia o que sei agora, então...

querido blog:
pode-se ler algo antes de ser escrito? claro, pelo menos de acordo com Carlo Ginzburg e seu maravilhoso artigo sobre o "modelo conjetural", de que não lembro o nome agora, mas que -numa aposta de P$ 1,00 ou até menos- não me seria difícil rastrear. disse Ginzburg às folhas tantas: "por isto [...], a humanidade aprendeu a ler antes de escrever", querendo dizer que os humanóides e sucessores aprendemos a decifrar signos muito antes de saber registrá-los. gostei, claro.

mas no outro dia caíram-me aos olhos outros signos, menos lineares. o signo, a sina do subdesenvolvimento latino-americano. estou hospedado no país de Raúl Prebish, vejo as ruas de Buenos Aires lembrando as de Porto Alegre, uma sujeira e sua causa, a terceirização dos serviços de limpeza urbana a trabalhadores desqualificados, alcoólatras (senti um BTL horrivel originando-se da boca de um deles...), desvalidos. mas não foi apenas o lixo, há informalidades aos magotes nesta capital. mas este ar esculhambado, esculachado, que por aqui vejo não se deve apenas à terceirização dos Serviços Industriais de Utilidade Pública, grupo da limpeza urbana, pois os camelôs, os cambistas e tudo o mais mostra os limites da sociedade igualitária. pode rua organizada com orçamento familiar precário? the answer is no.

e pode saber que este troço não vai acabar bem? se eu soubesse naquele dia o que sei agora, eu não seria este ser que chora, eu não teria perdido a chance de fazer uma crítica radical ao modelo de substituição de importações dos anos 1950s, bem na origenzinha da transformação das teses em ideologias nacionais. hoje eu juro que o problema é a condução da ação de formação da politikon, digo, da política pública, para o mercado de bens e serviços, deixando de lado os demais mercados, nomeadamente, o de arranjos institucionais e o de serviços dos fatores. se eu soubesse, eu teria proibido a imersão do governo na criação de empregos na Petrobrás, empregos que geram desigualdade, pois colocam os ganhos do ascensorista da Av. Rio Branco milhares de vezes acima dos ganhos de um professor titular doutor de qualquer universidade pública ou privada do país. e milhões de vezes acima das professorinhas de primeiro grau.

não é que ontem o amigo de meu amigo Leonardo Monastério chamou-lhe a atenção para o paper de Bacha e Fishlow fazendo um balanço dos últimos anos, um paper de abril mal passado? eles não dizem, lógico, o que acima digo eu. eles são mais, digamos, escorreitos. até fazem certo elogio da industrialização substitutiva de importações, mas sinalizam-lhe contornos muito rígidos e, principalmente, se forem direcionados aos tempos presentes.

se eu soubesse o que está avant la lettre! se eu soubesse o que chegou antes da carta, se eu soubesse antes que fosse escrito, se eu soubesse antes que soubéssemos. parece que não pode. mas, se pudesse, ao sabermos avant la lettre, saberíamos antes de sabê-lo. gosto disto, parece que pode, bastando dar um jeitinho para começar... não deixa de ser um elogio da intuição: primeiro vem o conhecimento ou primeiro vem o flash? não deixa de ser um elogio da sinédoque: se não fosse antes da carta, seria antes da letra D, de desenvolvimento, ou da letra G, de Gini e a mensuração do grau de desigualdade. igualitaristas de todos os matizes, recortes e frações, uni-vos.
DdAB
captura da imagem: http://opinionsur.org.ar/O-preco-da-astucia.

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