02 junho, 2010

Pena de Morte: sobre gatos e chineses

querido blog:
tento entrar na discussão sobre a pena de morte. trago um argumento contrário a sua aplicação em qualquer caso. além das questões, digamos, ideológicas, tenho um argumento estatístico. sendo um tanto radical para iniciar o assunto, direi que a estatística é um ramo da matemática, como tal, uma ciência lógica na qual ocorrem "verdades absolutas", que resultam simplesmente dos axiomas que criamos e deles buscamos derivar consequências lógicas. neste contexto, a estatística estuda de modo absolutamente exato as leis que regem o acaso. quem não obedece 100% às leis do acaso é o mundo empírico, desde o movimento dos planetas às motivações das crianças, criminosos e loucos (um trio que nós economistas gostamos de jogar no mesmo palco, por merecerem anteparos a sua autonomia decisória). ou seja, a estatística determina leis que regem o comportamento "normal" dos seres humanos, havendo -claro- discrepâncias entre as distribuições das probabilidades que regerão certos eventos e a ocorrência realmente real do evento.

pulemos para o caso da República Popular da China e suas cerca de oito mil condenações anuais à penas de morte (criminosos?, loucos?). este número é tão grande que a disposição dos casos num gráfico conveniente mostrará o formato de um sino, uma distribuição normal. a distribuição chinesa poderá aderir à normal, reservando às caudas (à esquerda e à direita de um ponto médio) pequenas frações dos casos estudados. os procedimentos estatísticos permitem-nos estudar se a distribuição das sentenças de morte na China seguem mais ou menos a normal. neste caso, a própria estatística reconhecerá uma área de indefinição em cada rabeira: haverá criminosos que serão inocentados e haverá inocentes que serão incriminados.

agora volta o raciocínio estatístico. não é absurdo imaginarmos que estes erros de julgamento (estatístico, incapacidade do teste em capturar a realidade realmente real) alcançarão pelo menos um ou dois casos por ano. um caso, em oito mil, significa 0,0125%, ou seja, um valorzinho insignificante. e poderemos esperar que, a cada ano, com esta probabilidade será inocentado um criminoso e, o que é pior, e aí repousa minha antipatia (ideológica) pela pena de morte, condenar um inocente (mesmo que haja confissão do crime) à morte.
parece evidente que, cada vez que a sociedade tira a vida de um inocente, ela comete um crime absolutamente irreparável. se acharmos que esses 0,0125% são pouquíssimos, podemos pensar então nos 80.000 que serão mortos em 10 anos, 800.000 no século, e assim por diante. o desagradável da estatística é que ela nos garante (tanto quanto as analogias podem ser feitas, e elas podem, sabemos que elas podem, pois a própria estatística nos ensina esta terrível lição que vem simplesmente "do acaso") que em qualquer sistema penal haverá inocentes incriminados e culpados que serão inocentados. é estatístico, é matemático e, pior, é da natureza do universo que obedece a leis menos elegantes mas nem por isto menos inexoráveis. as leis do acaso ajudam os homens a reunir fortunas ou dilapidá-las. e certeza absoluta só é perfeitamente verificável no mundo das idéias. sempre haverá alguma sombra de dúvida, mesmo para réus confessos. sempre haverá erros de julgamento (pelos juízes etc.), sempre haverá obnubilação, paralaxe, argueiros nos olhos de seres humanos que decidirão sobre nossa vida ou nossa morte.

DdAB
captura da imagem: http://www.livrosdificeis.com.br/_img/produtos/331/1.jpg. lembro do tempo em que esta peça passou (não a vi), e sempre me indagava o que queriam dizer, culminando com um inflexível "e daí?". não era comigo, né?

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