22 setembro, 2009

Sociedade Justa e Good Society

Querido Blog:
Se entendi sutilezas, ao procurar simplesmente "good society" no Google Images, isto é uma marca de jeans. Por outro lado, é o título do livro de John Kenneth Galbraith que estou lendo -every once in a while- desde 6 de agosto. No outro dia, fiquei furioso, porque li no começo do capítulo da p.67: "A sociedade justa não almeja a igualdade na distribuição da renda." Pensei que aquela dupla que vivo citando (John Rawls e David Harvey) estar-me-ia enganando... Em particular, entendo que o seguinte poema resolve todas as questões:

a sociedade igualitária,
usando ou não avental,
e buscando o nivelamento
dos níveis de consumo per capita
de tudo quanto é jumento
é o canal.
ou seja, sem nivelamento tal,
não haverá paz social,
nem por um momento.
ergo a necessidade vital
da solução rápida.

Por que não termino logo de ler o Galbraith para ver se há algo de mais interessante? Não posso, pois sou muito dispersivo. Se o fizesse, deixaria de ser dispersivo, o que criaria problema para os milhares de tema de que me ocupo atualmente. Não tenho tempo para nada, vivo cansado e inconsolável, pois aposentados não têm direito a férias!

Seja como for, acabo de ler o Boletim da APUFSC de que falei ontem, estupefato. Hoje li um artigo de uma coroa (p.3) totalmente antagônico a meu ódio à Andes, onde achei uma pérola interessante:

[...] condensação do tempo único que habita, segundo Santo Agostinho, no mais íntimo do espírito humano: o presente do passado, que é memória; o presente do presente que é visão atenta; o presente do futuro, que é expectativa, esperança.
Considerando que estou lendo também Marx, Engels etc., Keynes, Skidelsky etc., além de milhares de outros ensaios, romances, biografias, histórias da arte, manuais de etiqueta e livros de culinária indiana, pensei que esse troço de Keynes ter inventado as expectativas não estava tão bem contado assim... Seja como for, isto rima com o ódio que o keynesiano Galbraith instilou contra seu intelectual daddy:

É esse [basicamente, a crença na possibilidade de mudarmos o mundo, que tá na frase anterior da p.159] otimismo que sustenta o trabalho árduo do pensamento e da autoria; assim se demonstra o derradeiro poder das idéias que John Maynard Keynes, em seu enunciado mais famoso, afirmou que governavam um mundo governado por poucas outras coisas.

Aí surgiu a primeira tríade de que quero falar, voltando a Galbraith, uma vez que sou dispersivo, mas não sou muito burro. Se é verdade que Marx enrolou-se no conceito de trabalho produtivo e improdutivo e endeuzou a produção (por contraste à alocação, ou seja, o funcionamento do mercado de fatores de produção, então somos forçados a vê-lo colocar o proletariado em primeiro lugar. Já escabreado com o comunismo soviético, Cornelius Castoriadis começou a identificar uma classe trabalhadora, muito mais ampla do que apenas o proletariado: neguinho que trabalha numa agência de propaganda não é proletário, mas é trabalhador. Por fim, volto a Galbraith. Para ele, a grande divisão contemporânea é feita entre pobres e ricos. Ele deu coro, avant la lettre (ou seja, antes da carta que lhe poderia -mas não o fiz- ter enviado) a minha legenda num paper que fiz sob encomenda da revista "Economia" da UFSC: precisamos substituir a luta entre classes pela luta entre instituições.

Acho isto importante e, desde que estudei inglês, comecei a ver que essa macacada fala mais em upper class e lower class do que productive worker e leisure class. Também entendo que a questão é distribuir a riqueza, sem precisamos indagar como ela foi produzida. Mas Galbraith até dá a resposta que citei ontem, de certa forma:
.a. nada inspira tanto o esforço socialmente útil quanto a perspectiva de recompensa financeira (p.5) e, seguindo-se à frase da p.67 que citei acima:
.b. A igualdade não é compatível quer com a natureza humana ou com o caráter e a motivação do sistema econômico moderno. Como todos sabem, as pessoas diferem radicalmente no empenho em ganhar dinheiro, bem como na competência em fazê-lo.

Claro que esse item .b. lá desse neguinho merece todo o scorn, com que ontem tratei a ministra Dilma. Vejamos:
.a. "natureza humana" é um blim-blim-blim que ainda não está adequadamente definido, logo o melhor é pensarmos que não existe such a thing; se o homem pertence à natureza, a natureza -o que quer que ela seja- humana também pertence à natureza; só que o homem, ao transformar a natureza, transforma sua própria natureza, ou seja, a natureza transforma-se, porque o homem que é parte dela transforma ela, logo transforma ele himself (e a mulherada também...);
.b. tirando este desastre desnecessário, a frase fica: "a igualdade não é compatível com a motivação do sistema econômico". este é o erro de Marx, de certa forma, no sentido de pensar que o sistema econômico é puramente mercado, luta de classes, oferta e procura de bens regulares, de mérito e de demérito. eu disse ontem ou anteontem que o mercado é o mais potente provedor de incentivos para levar a negadinha ao trabalho, mais potente -até- do que as vergastadas que a rapaziada do Dr. Inocêncio de Oliveira andou levando de seus feitores.
.c. uma vez que não sou infenso a contradições, permito-me afirmar: a natureza humana adora a equalização do consumo per capita (refraseamento da motivação dos conceitos de aversão à desigualdade e inveja);
.c. tem o outro veinho, Mino Carta que diria que até os paralelepípedos da Av. Paulista sabem que as pessoas diferem das criaturas humanas, uns querendo ganhar dinheiro, uns podendo fazê-lo e todos, todos, todinhos, sem uma única exceção (descontado o caso das crianças, criminosos e loucos, querem equalizar seu consumo com o dos mais beneficiados pelas regras distributivas vigentes. e -feito isto- querem ultrapassá-los.

Nestes casos, somos forçados a deslocar o foco de nossa atenção para a política, eis que estamos numa postagem de "economia política". Em outras palavras, como é que se resolve o problema de escolha coletiva suscitado por estas contradições. Claro que com uma síntese, que afirme e negue essas parcialidades por meio de uma categorização mais nobre, mais elevada (você notou que estou citando Carlos Roberto Cirne-Lima, não é mesmo?).

Galbraith não fala diretamente do binômio estado-comunidade como encaminhamento do problema de escolha coletiva assim surgido. Mas ele talvez esteja pensando nestes termos. Seja como for, ele diz apenas que o neo-liberalismo consagrado nas eleições americanas de 1994 (das quais -queixa-se- os conservadores venceram com votos de cerca de um quarto da população, por omissão dos pobres) tentou destruir ou transformar:
.a. o estado do bem-estar social (basicamente, o seguro desemprego; agora acrescento que é a renda básica, pois criança, criminoso, louco, velho etc., também têm direito à vida e à liberdade)
.b. o aparato regulador (do governo)
.c. o papel do governo.

Uma vez, em Barcelona (epa, detalhes pessoais no marcador "economia política"), dei-me conta de que o papel do governo é três (epa!):
.a. prover informação
.b. prover fiscalização
.c. prover bens públicos e bens meritórios.
Eu disse: "prover" e não necessariamente "produzir"; até acho que "produzir" me jogaria no colo -por assim dizer- da ministra Dilma.

Na verdade, nem quero dizer bem (naquele tempo eu não poderia dizer isto) que é papel do "governo". Pode ser papel da avó do Badanha, dos marcianinhos verdes e altruístas, sei lá de quem. O problema é como é que consenting adults iriam degustar as alternativas à ação governamental (cobrar impostos, por exemplo) e comunitárias (dar gelo em delator, por exemplo). Desde a débacle do PT, mas até antes, eu penso que precisamos criar o governo paralelo que se expressaria por meio de um novo partido político (certamente não estou falando do Partido Verde e da Senadora Marina, que nasceu para abespinhar a vida da vereadora -não é isto?- Heloísa Helena).

Mas o assunto de Galbraith, ainda que assemelhado a minhas considerações do parágrafo acima, encaminha-me para outro extremo. Entendo que o voto não pode ser obrigatório como -menciona ele- a Áustria e a Bélgica, um é depositário das valsas dos bosques de Viena e o outro é uma monarquia. Ainda assim, ele mesmo diz na p.164, em seus "finalmente" que o voto compulsório é uma droga (que deve ser declarada ilegal...): "[...] direitos soberanos e inalienáveis do cidadão norte-americano poder boicotar o processo eleitoral."

Ao mesmo tempo, entendo que a falsa consciência ou o que seja que não leva os pobres a votarem no doutor Olívio tanto quanto este gostaria (ver postagem de ontem) pode ter uma resposta diferente. Fora da esfera política -no sentido atual do termo-, com seu estadinho-nação, sua representatividade por meio de partidos, coalizões partidárias, essas coisas. Se eu quero o fim do estado-nação, só imagina o que penso sobre a política. O que preciso pedir aos homenzinhos verdes é:
.a. renda básica universal e seu corolário, a Brigada Ambiental Mundial
.b. a ser financiada com dinheiro do Banco Central Mundial
.c. que cobraria o Imposto de Tobin e, além disto, uma fração a definir (provisoriamente pelos homenzinhos altruístas e depois veremos) do world GDP.
DdAB

little p.s.: ontem fui acusado de já estar falando 40% de inglês a maior parte do tempo.

baita p.s.: olha o que que minha amada Zero Hora publicou hoje na p.17:
22 de setembro de 2009 | N° 16102
Façam suas apostas!
Themis Groisman Lopes*

Em meio a tantas controvérsias a respeito da legalização dos bingos e das máquinas caça-níqueis no país, não entrarei no mérito da polêmica. Gostaria de abordar o assunto sob outra forma, ou seja, estabelecer uma conceituação capaz de diferenciar o jogo motivado pelo prazer do jogo patológico.

A primeira situação é referente àquelas pessoas que consideram o jogo uma diversão apenas. São indivíduos sadios, que jogam por derivativo, como uma forma de satisfação pessoal. Encaram o jogo como qualquer outro hobby: um esporte, uma academia, uma aula de música, uma corrida, e tantos outros que todos conhecem. A atividade, no caso o jogo, permite que interajam com outras pessoas, ocupando-se e sentindo-se participativos. Outras vezes, encontramos pessoas que, solitárias ou mesmo desencantadas com o convívio familiar, procuram fora deste sentir-se mais valorizadas socialmente. Existem grupos de jogos de carta, que se reúnem uma vez por semana, na casa de cada um, fazendo um rodízio semanal. Estes encontros são úteis para trocarem ideias, fazerem confidências, ou até mesmo para sentirem que têm um compromisso, sendo este também um objetivo. Nesses casos, não há, geralmente, nenhum envolvimento financeiro. Se houver, será apenas simbólico. Muitos frequentam bingos e cassinos separando determinada quantia para apostar, nunca a ultrapassam. Têm absoluto controle sobre o que gastam. Nos defrontamos ainda com situações vivenciadas com muita tristeza, como mulheres que ficaram viúvas ou que perderam um filho. Nestes casos, o jogo controlado é um atenuante aos seus corações aflitos.

Agora, passaremos a abordar a segunda situação, ou seja: o jogo compulsivo. Este só passou a ser reconhecido como doença, pela Organização Mundial de Saúde, a partir de 1992, passando a denominar-se jogo patológico. Sua principal característica é incapacidade total de controlar o hábito do jogo, mesmo sabendo de todos os malefícios que possa acarretar para suas vidas: tanto financeiro quanto familiar e mesmo profissional. O jogador compulsivo tem comprometimento em sua personalidade, como todos aqueles portadores de transtorno impulsivo-compulsivo, ou seja, a tendência natural para a compulsão e impulsividade. O jogador doente dificilmente aceita sua doença, por isso não procura ajuda psicológica. Diz que o jogo é apenas um divertimento e para quando lhe aprouver. Não aceita perder. Em função disto, joga cada vez mais, na tentativa de recuperar o perdido. Fantasia que a sorte vai mudar, não consegue prever o óbvio das desvantagens de suas atitudes. Apresenta um pensamento mágico, não percebendo o que aposta e quanto gasta. Muitos autores referem-se à sensação de euforia que os dependentes têm, semelhantes aos das drogas e do álcool. Vários perdem imóveis, carros, casamento, amigos, desesperando-se e indo até o suicídio. No mínimo, diante de todo o descalabro, entram em depressão severa. O jogo patológico é uma entidade mórbida, não diferente de outras compulsões como: compras compulsivas, trabalho compulsivo, amor compulsivo, emagrecimento compulsivo. Essas pessoas devem ser observadas com carinho, pelos familiares e amigos, que podem auxiliá-los, insistindo no tratamento médico. O mais eficiente meio de tratamento é realizado, com resultados bastante satisfatórios, pelo Grupo dos Jogadores Anônimos, que os acolhe, tornando-se continente a toda problemática apresentada e principalmente objetivando que o jogador reconheça ser doente e apresente o desejo efetivo de tratar-se. Se assim ocorrer, o jogador deve compreender que, nem mesmo por “brincadeira”, poderá sentar-se numa mesa de jogo, pois o risco de recaída será muito grande.

Isto eu aposto.
*Psiquiatra

ultra mini-p.s.: Eba!

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