20 setembro, 2009

O Mundo no dia 20 de Setembro: sirvam-se

Querido Blog: Eu ia fazer uma postagem contra este ufanismo gauchesco que fala em seu hino (tão citado recentemente por humoristas de alto calibre), em ordem direta: "[Que] nossas façanhas [s]irvam de modelo a toda a Terra". Toda a Terra lembra-me a Organização das Nações Unidas (não é a organização dos "estados unidos"), ainda que minha amiga argentina (meio artesã, meio astróloga e meio anarquista) diga propugnar pela criação da Organização dos Povos Unidos. Este troço de "modelo a toda a Terra" não se referia aos escândalos que temos visto correntemente no solo demarcado como do Rio Grande do Sul. 

Por exemplo, um carinha que roubou milhões de reais vendendo selos para a Assembléia Legislativa, outro que tomou conta do Tribunal de -você pode adivinhar- de Contas, outro que roubou merendas dos escolares de Sapiranga, ou Sapucaia, ou mesmo Sapucaí, sei lá, outro que roubou o departamento de trânsito, e não lembro se as façanhas modernas pararam neste caso. Queriam fazer o impeachment de minha professora e depois colega, a Econ. Yeda Rorato Crusius, e tiraram do governo o César Buzatto, meu colega de diretório acadêmico e também o Econ. Delson Martini, meu aluno dileto. cheguei a pensar que também iria acabar preso... ainda assim, embora não me sinta premido por chantagens de ninguém, lancei o MAL*, o Movimento de Anistia aos Ladrões Estrela. quero dizer: começar a faxina logo com a Iedinha? e esquecer o Quércia, o Collor, o Vavá, o Fábio, o Prisco Vianna, o Inocêncio de Oliveira, o Jader, os juízes de direito, o aposentado do tribunal superior que abriu um escritório especializado na defesa de traficantes de drogas ilegais, essa macacada toda? 

o melhor mesmo seria começar vida nova, atrevi-me a sugerir, daqui a 20 ou 50 anos, quando os políticos atuais, ao descontarem seus pay-offs, estarão propensos à honestidade. ou seja, estes malfeitores poderiam legar-nos pelo menos a estrutura institucional adequada a salvar as gerações futuras. façanhas? países? toda a terra? só bebendo! seja como for, além disto, nada mais falarei sobre o glorioso 20 de setembro, exceto: 

.a. que há bom tempo em Porto Alegre e 
.b. que mostrarei a edição de um e-mail em processo de redação e remessa a meu colega Jesiel de Marco Gomes . em outras palavras, seguirei falando deste troço de modelos a toda a terra. será uma postagem longuíssima. dane-se! primeiro, Jesiel enviou a seus amigos dois endereços, muito esclarecedores:
FILME 1
FILME 2

então eu disse prá ele um troço assim, oh!: oi, adorado irmão: esta é uma "resposta interativa" a teu e-mail dos dois filmes. dá uma olhada em http://19duilio47.blogspot.com/2009/09/o-mundo-no-dia-20-de-setembro-sirvam-se.html onde verás o e-mail abaixo reeditado. ou seja, comecei aqui, fui para lá, postei este conteúdo e voltei para cá para despachar-te o e-mail. e voltarei para lá, a fim de editar o que poderás ler abaixo. dito isto por lá, digo agora: estou aqui, entendeu? The Who? o segundo filme -não tinha presente, se é que algum dia tive- a semelhança do 11 de setembro chileno (Milton Friedman) e americano (George Winston Bush). é marcante. 

comove-me e me retém preocupado com a estupidez humana, que comporta-se de acordo com modelos que se aplicam perfeitamente à descrição do comportamento animal disputando territórios. jamais vou esquecer o dia -que hoje é claramente o 11 de setembro-, quando esperava minha mulher (eu dentro de nossa 'brasília' e ela saindo do Palácio Piratini, onde ela trabalhava) e ouvia a Rádio Gaúcha, o noticiário do dia (ou -talvez- do dia anterior, deixando claro que a ferocidade do golpe não deixava dúvida sobre quem venceria, ou até que Allende já estava morto). não sei se era um protesto político dos radialistas que não podiam manifestar sua estupefação ante o ocorrido, por causa da ditadura local, uma ironia daquele jornal que sempre foi de direita, ou pura casualidade, mas o fato é que a vinheta de encerramento do programa noticioso emendou-se com a trilha sonora do filme cujo título, se não me engano, é "c'e era una volta la rivoluzione", um daqueles westerns de Sérgio Leone (creio que no velho oeste). 

não posso garantir que chorei, não lembro mais. se bem lembro, o herói do filme era o ator James Coburn o.s.l.t., um imigrante irlandês, anarquista. claro que isto me evoca, a respeito do segundo filme outro tipo de canção: Engenheiros do Hawaii e a "toda forma de poder", que diz que "eu começo a achar normal que algum boçar atire bomba na embaixada". apenas alguns anos depois é que fui começar a achar anormal. e mais: "toda forma de poder é uma forma de morrer por nada". eu tenho a esperança de que, vencida a escassez dentro de poucos séculos, vamos ingressar numa era de mais harmonia, neste sentido vulgar de uns animais predarem os outros em busca de território ou excedente econômico. 

tenho em mente o mel e o urso, o que não é "excedente" da abelha, por definição. a abelha e o urso, ao produzirem e consumirem mel, apropriam-se da natureza. não é legítimo falarmos na "distribuição do mel" entre bichos. pelo menos não para um rapaz de meu porte, que se declara "economista político". as ciências sociais -que abrigam a ciência específica que pratico mais quantitativamente do que a média dos bichos- garantem à espécie humana a condição de envolver-se em processos produtivos que geram "valor da produção". ou seja, estamos falando de economias monetárias em que vigora a "lei do valor". ao se gerar valor da produção, gera-se -se tudo correr bem- valor adicionado (desastres naturais, por exemplo, podem fazer valor adicionado negativo). ao mensurarmos o valor adicionado, fazemo-lo por meio da ótica do produto (que é gerado), da renda (quando o produto é apropriado) e da despesa (momento em que a renda é absorvida). 

Marx, by the way, disse que tudo começa na produção. eu não sei se entendi mal, mas achei que ele queria dizer que tudo começa é na alocação. minhas reflexões sobre o segundo filme talvez não tragam os mesmos esclarecimentos que te trouxeram (disse eu no e-mail ao Jesiel, lançando-lhe uma odiosa provocação...). andei postando algumas coisas em meu blog sobre o que -muito rubinianamente- chamei de pressal. eu acho que a chave é o que fazemos com a categorização mercado-estado-comunidade para enquadrar a organização econômica da vida societária. se o golpe do Chile marcou-me como um tijolaço na cabeça, começar a estudar a teoria da escolha pública colheu-me como outro tipo de tijolaço. acho que foi nosso amado Eugênio Cánepa que começou a doutrinação, ainda nos anos pré-constituinte. o primeiro ponto é a diferença entre produção e provisão. [by the way, sempre fui contrário à constituinte, ao plebiscito sobre monarquia e ao referendum sobre porte de armas: apenas maneiras de dar dinheiro a sinecuristas que imprimem títulos eleitorais, cédulas, programas de computador, tráfico de influência, corrupção, essas coisas] [[by the way, nunca pensar que o MAL* pode ter-se originado em minha antipatia contra essas campanhas de voltar a reviver 'as taras da ditadura' e voltar a processar a milicada anistiada]. dizem uns que quem esquece o passado não tem futuro. 

eu não discordo, acrescentando que esse troço de brincar de pegar milico no século XXI por crimes do século XX é contemplar a história que se descortinou como tragédia e revivê-la como comédia! já temos uma indústria da anistia: pensões milionárias, muita entrevista na imprensa, eleição de políticos engajados no eleitorado dos descendentes das vítimas, livros com denúncias cada vez mais escabrosas, chantagem emocional prá cima da Ministra Dilma, grupos de interesse, uma tragédia. mas, mesmo sem a teoria da escolha pública, eu já intuía que havia algo de podre no estilo brasileiro, cujo estado criara "uma rede de distribuição de gasolina", quando o que deveria ter feito era criar "uma rede de distribuição de refeições". digo que intuía, pois estas duas frases eu as usei precisamente no ano de 1982, quando voltei (pela primeira vez, que na segunda voltei em agosto de 1998) de Floripa e lecionava (pela primeira vez) Introdução à Economia (antes ensinara apenas Microeconomia e Economia Industrial). 

era uma frase dita para os alunos. tento, neste momento, recoletar o que pode ter-me levado à intuição que as instila. não muito tempo depois, escrevi um artigo para uma das revistas da FEE (tempos em que convivíamos, tu e eu, mais proximamente, já em meu apartamento da Demétrio, e discutíamos, por exemplo, o significado de política de estoques reguladores e estoques mínimos, pensando precisamente nesta coisa de acabar com a fome) em resposta a uma diatribe do então senador Carlos Chiarelli contra a existente União Soviética. cara, em -digamos- 1985 ou 1986 - eu simplesmente defendia o comunismo! seja como for, achava estranho este tipo de hierarquização de prioridades no Brasil. e, especificamente, sobre estoques reguladores, bem naquele período, não esquecerei de que vi uma notícia no jornal denunciando um político do Brasil Central que era dono de silos alugados ao governo (em Goiás ou o que seja) e que pressionou as autoridades para mobilizarem os grãos de outro local para algum desses programas benemerentes, de sorte a manter o recebimento dos aluguéis dos grãos que zelosamente guardava. fora os prédios catarinenses da elite (política) local, todos alugadinhos para o governo estadual. e será apenas lá na Bela e Santa Catarina ou também all over Brazil

 ou seja, a teoria da escolha pública tinha em mim um converso potencial. esse troço de grupos de interesse, apontando para as falhas de governo (que as falhas de mercado eu já conhecia desde o mestrado no IEPE, em 1975), com a formação de grupos de interesse constitui o segundo tijolaço a que me referi. mais estupefato ainda fiquei ao identificar que as comunidades também têm falhas, como é o desagradável caso dos linchamentos, além da infibulação, do achatamento do pé das chinesinhas, e por aí vai. por um lado, tudo isto leva-me a crer que a saída está na bebida! mas haverá outras saídas, outro lado, tema em que até até hoje busco pensar. acho que estes caras do "um outro mundo é possível" são uns idiotas, e que muito mais sábio é nosso colega Gerônimo Wanderley Machado, quando diz que queremos "reformas democráticas que conduzam ao socialismo". ou seja, não queremos socialismo, pois nem sabemos bem que é isto. bastar-nos-ão, por alguns anos, as reformas democráticas que conduzam a ele. acho que, quanto menos estado, melhor. 

Estou com Marx: substituir o governo dos homens pela administração das coisas. também acho que, quanto menos mercado, melhor (o mercado provê assassinatos, crack etc.). finalmente, também acho que, quanto menos comunidade, melhor (desagrada-me ser linchado ou apenas levar um "gelo"). para mim, o primeiro princípio absoluto é o da liberdade humana (e até já andei criticando quem falava da falta da liberdade na CCCP, pois dizia que tínhamos, no Brasil, liberdade de morrer de fome. hoje acho isto um disparate, inclusive pensando no que ocorre na China: 8 mil executados por sentença de morte impingida pelo estado chinês anualmente; em teste bicaudal, juro por tudo o que conheço, que haverá pelo menos um culpado condenado "legitimamente" e um inocente executado por puro azar).

Sempre achei uma bela problematização discutir os limites da liberdade humana. claro que o crack faz mais mal para a saúde do que pega-varetas. mas mesmo jogos banais já destruíram indivíduos e famílias. Claro que, ao falarmos dos limites da liberdade humana que (como quer John Rawls) deve ser a maior possível, compatível com a dos demais). isto nos leva a aceitar o conceito de "drogas recreativas" e, como tal, jogos. viciado não usa "droga recreativa", nem "bingo recreativo". viciado é "louco", o que o associa às crianças e criminosos como um trio que não deve receber autonomia decisória (da família, comunidade ou governo). redução de consumo do que quer que seja (digamos, bens de demérito) se consegue [mais eficientemente], via mercado, com a cobrança de impostos, o que eleva o preço. 

com o mesmo imposto do cigarro, provavelmente o crack não teria matado ninguém... por falar em reticências, uma vez que sou divulgador da teoria da escolha pública, eu as teria acrescentado a tua frase: "teríamos que acabar com quase todas as atividades, sem falar do próprio governo (essa até não seria má idéia) [reticências...]." ou seja, acabar com o governo não é má idéia apenas como ironia. democratizar o governo é que é a questão que -creio- fugiu do futuro imediato do Brasil com -agora é claro- um dos apaniguados da ditadura militar, o Partido dos Trabalhadores e seus principais fundadores. comunidade, mercado e estado -talvez nesta ordem ["genético-histórica"] de criação- são bons mas passíveis de predação por "caroneiros" e, mesmo sem estes, são passíveis de falhas. ainda assim, um outro mundo é possível! [epa!, na postagem, eu disse esse troço de "um outro mundo é possível"? uma legenda de idiotas contrários à globalização e favoráveis à participação do governo dos homens como indutor do desenvolvimento econômico que gerou um índice de Gini que já chegou a 0,65 no Brasil; por amor de Deus, ou como diria Karl Heinrich Marx, num daqueles pubs do Soho, "for God's sake!"]. 

DdAB
Vamos com calma nestes negócios de roubar merendas de crianças e de meter o governo a pagar geólogos e ascensoristas para extrair petróleo e pagar 50% dos lucros ao governo federal. no caso das merendas, a solução é comprar duas para cada aluno, uma para ser roubada e outra para consumo do próprio aluno, mas isto apenas por 50 anos, quando todos passaríamos a comportar-nos honestamente. no caso dos lucros do pressal, não vejo razão para o governo escolher dirigentes da petrobrás, petrossal, petroquisa, petrocultura, petromicopreto, banco do brasil, banco do brasil no exterior, banco do rio grande do sul (envolvido, segundo Zero Herra) na corrupção do governo de minha colega, mais bancos, mais empresas, mais empresas, mais ladrões, mais ladrões. 

uma solução social-democrata é, digamos, o governo criar uma empresa pública de propriedade comunitária e dar a cada brasileiro no dia de seu nascimento (não transferível) uma ação desta empresa que geraria dividendos (a partir dos lucros tributados aos permissionários da exploração do petróleo, do dinheiro do povo, das construções de estradas, das produções de merendas, uniformes, transportes escolares, e por aí vai). ainda mais radical não é nem pensar neste troço de distribuir apenas o lucro do pressal, mas criar o mecanismo da renda básica universal. abração do .d. [end of file] 

DdAB pe-ésses: já que esta postagem não acaba nunca, vão dois: .a. o Doutor Paulo Brossard (ex secretário de segurança pública do governo Ildo Meneghetti oslt, senador da república e ministro da justiça do governo José Sarney oslt) deitou e rolou sobre o diagnóstico recitado pelo Presidente Lula (ex deputado federal) relativo à "marolinha" em que o Brasil (e seu administrador, o FMI, acrescento) iria transformar a crise internacional. pois no outro dia postei algo na linha da Carta Capital. hoje, Zero Herra cita o L'Humanité (ou era o Canard Enchanté?). 

Na p.19, o jornal gaúcho diz: "Le Monde - Na quinta-feira, o jornal francês afirmou que o presidente Lula teve uma visão 'bastante correta' ao dizer, no ano passado, que a crise no Brasil provocaria apenas uma 'marolinha'. O diário argumenta que a recessão no Brasil durou apenas um semestre." .b. na p.30, ZH cita o neto de um caudilho da zona da pobreza da "metade norte" do estado. diz o neto: "Os vencedores da guerra descrevem a história e esquecem as mágoas. Os perdedores, não." 

Acho que isto rima com outra frase de ZH, desta vez, do cronista David Coimbra e que contribuiu para inspirar-me a criar o MAL*: no país da tolerância, tornamo-nos intolerantes. sou de opinião que os perdedores precisam de tratamento psiquiátrico especializado, de sorte a superarem a derrota. e que seus descendentes deveriam zelar por sua memória, mesmo que à custa de tratamentos psiquiátricos. A mágoa é prima-irmã da vingança e não faz sentido um rapaz, em 2012, vigar-se do bisneto de um coronel que perseguiu a Coluna Prestes, na tentativa de punir o perdedor.

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