27 agosto, 2009

Adoro drogas 2: postagem longa

Querido Blog:
Dia cheio! Postagem longa. Meu problema é com Zero Hora, seus editoriais e artigos assinados, que -gentilmente- cede a ilustração da postagem de hoje. Por ter precedência no tempo, dá uma olhadinha nos trechos que selecionei do artigo coordenado a seguir:

A utilidade da ONU. 20/03/2009 16:10:26 Wálter Fanganiello Maierovitch
[...] Na semana passada, em Viena, reuniu-se a Comissão de Narcóticos para debater políticas sobre o fenômeno das drogas, matéria regida pela vetusta Convenção de Nova York de 1961, que consagra a falida war on drugs. O encontro foi inócuo. Nada mudou, apesar da falência da linha proibicionista, criminalizante e militarizada. Por incrível, repetiu-se a fantasiosa fixação de prazo para colocar termo aos problemas relativos às drogas proibidas. Explicando melhor: em 1961, na Convenção de Nova York, foi fixado o prazo de 25 anos para a erradicação de cultivos ilícitos, a contar de 1964. O prazo terminou em 1989, com aumentos de produção, oferta e demanda. Acrescente-se que nesse arco temporal nasceram os cartéis de Cali, dos irmãos Orejuela, e de Medellín, de Pablo Escobar. Erro igual deu-se na Assembleia Especial da ONU de 1998, que estabeleceu dez anos para o alcance da mesma meta. O fracasso foi absoluto, no decênio findo em 2008. Basta atentar para o insucesso dos militarizados Plan Colombia e Mérida (México), bem como para o aumento de narcoestados e de países com o Produto Interno Bruto dependente da droga. Numa apertada síntese, a droga proibida continua um bom negócio. No encerramento do encontro da referida Comissão de Narcóticos da ONU, não se abdicou da tradição. E com mais dez anos contarão os Estados membros para liquidar com os malefícios causados pelas drogas proibidas. Enquanto isso, e diante da crise financeira da Califórnia, o deputado Tom Ammiano apresentou um projeto legislativo para tirar o estado do buraco e levar aos cofres públicos, todos os anos, 1,3 bilhão de dólares. O projeto contempla o monopólio estatal para a venda de maconha, com o tabelamento do preço do cigarro canábico a 1 dólar norte-americano. [...] Agora, em relação à utilidade da ONU, talvez seja pior sem ela.


Pois bem, agora começa a p.19 de Zero Hora. Dá uma olhada no artigo:

Foco nas convergências, por Bo Mathiasen*
Os governos e as sociedades de diversos países estão enfrentando um novo desafio: como se preparar para responder ao surgimento de substâncias psicoativas cada vez mais diversificadas e com efeitos cada vez mais potentes? Essas mudanças fazem com que o debate em torno das políticas sobre drogas fique ainda mais complexo. Não se trata apenas de contrapor uma postura “liberal” a favor da legalização a uma posição “conservadora” de controle. É preciso avaliar o impacto social, de saúde e de segurança pública relacionado às drogas. Um exemplo é o da maconha hidropônica, cultivada em ambientes fechados e que possui um poder alucinógeno até quatro vezes maior do que o da maconha tradicional. Mais difícil ainda é a questão do crack, uma droga derivada da cocaína que chegou à maioria dos grandes centros urbanos brasileiros e cuja dimensão ainda não é plenamente conhecida. O crescente aumento das restrições ao uso de tabaco e de álcool é uma tendência internacional amplamente aceita – uma postura que contradiz a das campanhas pró-legalização das drogas. Essas campanhas costumam ignorar o fato de que, enquanto o tabaco e o álcool atingem entre 25% e 50% da população mundial, as drogas ilegais são consumidas por menos de 5% das pessoas – um problema comparativamente muito menor do que o das drogas legais. Isso quer dizer que, sob a perspectiva de saúde, o controle associado a programas de prevenção está funcionando na prática. A edição 2009 do Relatório Mundial sobre Drogas, publicado recentemente pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mostra que, globalmente, nos últimos anos, a produção e o consumo de drogas vêm se mantendo praticamente estáveis – ainda que, nos países em desenvolvimento, inclusive no Brasil, observem-se pequenos índices de crescimento, principalmente entre as drogas sintéticas. Entretanto, não se pode pensar apenas em termos de controle. A recomendação das Nações Unidas aos Estados-membros é de que se desenvolvam cada vez mais políticas de saúde para usuários de drogas, tratando-os como pessoas que precisam de acesso ao atendimento – e não de punição criminal. É importante compreender que, ainda que sejam estimuladas nos países mudanças de legislação no sentido de se aplicarem penas alternativas aos usuários, há consenso entre os Estados-membros sobre a posição de manter as drogas ilegais. Uma eventual legalização implicaria um custo social e a exigência de um aparato de proteção de proporções que a maior parte dos países não teria condições de oferecer. Afinal, as drogas não são prejudiciais porque são ilegais, são ilegais justamente porque são prejudiciais. A aparente contradição entre legalização ou não legalização tende a tirar a discussão do foco que realmente interessa e que, na verdade, revela muito mais convergências do que divergências: a busca por uma abordagem equilibrada entre as ações de prevenção, incluindo o amplo acesso aos serviços de saúde para os usuários, e as ações de repressão, focadas no controle ao crime organizado transnacional e aos grandes financiadores do tráfico. Se as convergências forem mais observadas do que as divergências, o debate em relação às políticas sobre drogas poderá se converter em um processo que efetivamente resulte em benefícios concretos para todos. *Representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) para o Brasil e o Cone Sul


Claro que posso chamar esta linha de argumentação de demagógica. Esse troço da "tendência internacional amplamente aceita" não era bem assim, não é Sr. Maierovich? O exagero instilado pela retórica de Bo M. é que as cifras de 5% e 50% não levam a entendermos que o consumo das drogas está aumentando onde nos interessa e o de tabaco está caindo nos países que também têm usado belas políticas de preços para reduzir a quantidade demandada. O custo da legalização poderá ser sufocado se o autinho da foto acima for substituído por uma ambulância? Nota a retórica: "Afinal as drogas não são prejudiciais porque são ilegais, são ilegais justamente porque são prejudiciais." Fino trato! E os cigarros? É legal e extremamente benévolos para os alvéolos. Ou este troço de ser bom ou mau para a saúde nada tem a ver com a proibição? Escravatura também faz mal para a saúde, é ilegal e ainda assim existe. Ok, admito que esta frase, por atacar o Dr. Inocêncio de Oliveira (segundo Carta Capital já glosada aqui), também pode ser declarada como originária da retórica.

A frase final do artigo é precisamente uma forma de exibir autoritarismo. Que diálogo pode ocorrer entre uma pessoa que acha que a proibição é a solução e outra que acha que o conceito de droga recreativa é que deve reger todo o tratamento do problema? O avanço do tratamento passa, naturalmente, pela definição de quem pode escolher (criança, criminoso e louco não pode!) e pelo prazo de implementação de um projeto que aproxime o Brasil e o Cone Sul da democracia, do cultivo das liberdades individuais, com renda básica e educação. Se esta postagem tivesse o marcador de "Vida Pessoal", eu também iria indagar: "como é que faz para ser representante do UNDOC no Brasil?". E indagar: "tem Função Gratificada?". E clamar: "também quero!".

Por fim, que quer dizer "punição criminal"? Cível? Crime? Aquelas coisas de advogado? Ou queremos dizer apenas que, se houve crime, haverá punição? Parece evidente que é necessário um freio às drogas recreativas. Quem se exceder deve ser punido. Sem meias palavras: punido, punido.

Faço a solução demagógica do artigo de Bo Mathiasen rimar com o editorial da p.18, cujo título -por pura coincidência- é "Solução Demagógica". A propóposito do despropósito de ter regulada na constituição da república a duração da jornada de trabalho no território nacional, o jornal argumenta que

A discussão sobre o tema [da redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais] deve ser feita tendo em vista também as consequências estruturais que haverá para as empresas e para o país. Não há dúvida de que a redução da jornada-padrão implicará aumento de custos de produção para as empresas, o que será repassado para o preço dos produtos, num processo que afetará negativamente os próprios trabalhadores.

Primeira pausa: eles falaram em "consequencias estruturais"? E que não há dúvida sobre consequencias negativas sobre todo o universo conhecido? Pois eu prevejo como consequencia estrutural da redução compulsória da jornada de trabalho que haverá, in due time, redução dos custos, por causa do aumento da produtividade que as empresas jornalísticas (e outras) eficientes irão alcançar. Ou seja, o repasse aos preços dos produtos, em minha modesta maneira de ver, dada a relação inversa entre preços e produtividade, afetará positivamente os trabalhadores. Digo melhor, os consumidores, inclusive os de insumos. "Não há dúvida"? Não há dúvida que Zero Herra é um jornal danadinho! Mas segue:

A crise global, que devastou algumas das economias tidas como mais sólidas, ensejou uma rediscussão desses temas. A retomada do crescimento da economia e dos empregos só poderá ser efetivada se as empresas forem fortes. Onerar os custos num momento de crise é reduzir a capacidade de ampliar a competitividade nos mercados interno e externo.

Segunda pausa: nem sei o que dizer. Uma das mais sólidas economias do planeta devastada pela crise foi a ex-União Soviética, não é isto? Claro que não, sô! O Brasil não foi devastado, sendo considerado mais sólido do que quando o blim-blim-blim das 44 horas entrou na Constituição da República, por iniciativa da direita, da direita, da direita, da direita. Se as empresas forem fortes mesmo, o que podemos esperar é crescimento sem emprego. Emprego precário não é emprego que amplie competitividade de ninguém. Uma lei que altere os custos com salários de todas as empresas penaliza apenas aquelas de menor produtividade, em menor medida, pois o efeito original é de neutralizar o ganho ou perda de competivididade. Zero Herra não prima por análises econômicas acuradas. Falta-lhe boa vontade. Ela é reacionária! Ela defende um horizonte de curto prazo dos patrões. Usa uma retórica de defesa dos trabalhadores para mantê-los no clube da baixaria em que eles ingressaram pelo menos desde a abolição da escravatura (eu disse "foi abolida"?...). Ela não se dá conta de que o mundo do futuro é sem emprego. E que, se lesse este blog, saberia que não há solução no bloco B21 da matriz de insumo-produto e extensão rumo à matriz de contabilidade social. O excedente produtivo cada vez mais é redistribuído no jogo entre instituições e não entre produtores e fatores. Sabes? Segue nossa prestigiada "Herra":

Por razões como esta, a redução da jornada de trabalho pode ser um tiro no pé, além de ser extemporânea, já que ocorre num momento em que cada vantagem competitiva precisa ser valorizada. Num país tão complexo e de assimetrias econômicas tão visíveis, a redução da jornada não pode ser objeto de uma decisão geral que afete todas as empresas e todas as regiões. Melhor seria se, setorialmente, empregados e empregadores trabalhassem para estabelecer acordos com abrangência mais restrita e com atenção a situações objetivas.

Cara, não dá mesmo! Tiro no pé de quem, se os consumidores (inclusive de insumos) ganhariam com aumentos de produtividade e consequentes reduções de preços? Extemporânea, em que sentido? Já veio tarde? Não podemos esperar que o setor privado (ou seja, o "mercado") faça algo para corrigir assimetrias e complexidades do mundo real. Ou o objetivo da empresa, de acordo com Milgrom & Roberts, é maximizar a geração de emprego? Considerando um guri que me disse ter sido posto para a rua, quero dizer, tirado da rua, como vendedor de jornal, não é no jornal ZH que veremos alguma solução para estas questões. Disse um rapaz mais à esquerda de Zero Hora no espectro político (Karl Henrich Marx) que nada há de mais marcante do que a "inexorável lei das médias". Se uma empresa do norte não consegue aguentar a concorrência da do sul, que vá à falência, qual é o problema? O capital se desvaloriza e o novo dono ficará satisfeito com a taxa de lucro gerada pelo mesmo montante de mais valia. Epa, mais valia? Bem, resolvido o problema do Banco Central como criador de valor, só nos resta entender esta expressão como sinônima de lucro, pois o chamado problema da transformação ajuda a transformar as horas de trabalho em que a mais valia é medida nos $$$ usados para mensurar a diferença entre receita e custos, id est, lucros. Por fim, este troço de livre negociação só pode ser saudado com entusiasmo, a partir de um patamar regulatório que começa com a abolição (quando, meu Deus?) do trabalho escravo, seguindo por patamarizar (epa!) a segurança no trabalho, o repouso remunerado, as férias, e por aí vai.

Por falar em "meu Deus", mudo de assunto e apoplexio-me (epa!) com o que diz a mesma Zero Hora na p.10: "-Porque eu sou marxista cristã, que Deus nos abençoe e nos acompanhe." Quem disse isto foi a Deputada eleita pelo PT Sra. Stela Farias. Quando eu digo que há deputados, vereadores, senadores, e tudo o mais, nefelibatas, dizem em retorno que sou sinecurista. Em resumo, o que dou como última palavra é que o dicionário é o melhor amigo do homem. E que precisamos cuidar com os termos, pois -dependendo do que a Sra. Stela quer dizer com "marxista", pode ser que Zero Hora tenha mesmo razão ao alardear que, no Brasil, são os trabalhadores que exploram os capitalistas. Valham-me os deuses!
DdAB
p.s.: Por que chamar ZH de "Zero Herra"? olha o box da p.22: "2. Estabilidade pré-aposentadoria; Trabalhadores há menos de um ano da data da aposentadoria ganhariam estabilidade, não podendo mais ser demitidos." Ou seja, riamos com há, ha, a! Quem ri por último ri melhor, o que nos força a ficar com "Trabalhadores a menos de um ano...", não é mesmo?
:: e na p.34 Economia, tem um box que usa a nova ortografia sinelibática: "4. Se você está competindo por um esporte coletivo, qual desses dois pensamentos lhe orienta?" O verbo "lhe" era adjunto pronominal e passou a ser considerado "persona não grata". O advérbio adjetivivo "o", no sentido pronominal, passou a declarar-se "neutrino".

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