15 julho, 2009

Liberta que serás também

Querido Diário:
Naturalmente, tudo o que o ser humano pode escrever poderia ser chamado de "política", tivesse eu tal marcador, ainda que não possamos, legitimamente, dizer que os animais da foto ou myself sejamos humanos, ou -claro- vice-versa. Libertas quae sera tamem foi a legenda que coloquei no Google Images para obter os dois seres humanos que, definitivamente, encontramos acima, na efígie. "É proibido proibir", disseram os rapazes de maio/1968. E quem disse que é "liberta que serás também"? Não sei quem foi o primeiro a inventar esta deliciosa-dolorosa tradução. Quem será liberto é porque ainda não o é, não é? E quem foi? Carlos Drummond de Andrade, num poema que -agora- faz mais de uma década ou duas, sabe-se lá, que não leio. Seja como for, ele mora em meu livro de Poesia Completa dele, Drummond, que já foi meu poeta preferido. Parecia até que eu entendia que ele era o maior.

E que tem a ver a liberdade passaral da foto de hoje? Vi-me solicitado a explicitar meus valores. Eu terei dito que, para início de conversa, tenho um valor: a liberdade humana, seu cultivo é o valor supremo, para mim. Ser livre é estratégia dominante, pois acomoda os que não desejam exercitar sua própria liberdade. A servidão voluntária e o direito de abrir mão dos direitos. Também falei ser contra o relativismo cultural, não -óbvio- como princípio libertador, mas -ao contrário- como elemento de escravidão. Falo do espancamento de crianças por razões religiosas, de mulheres, de cortar mão do ladrão, essas coisas do mundo perfeitamente associado ao Clube da Baixaria.

Então foi-me indagado o que é liberdade. Embasbaquei-me para dizer claramente. Já respondi a esta saia justa dizendo não saber o que é liberdade, mas poder trabalhar com o conceito de sociedade justa. Rawls, como já falei por aqui, diz que o primeiro requisito da sociedade justa é precisamente a condição de que cada um desfrutrará da maior liberdade possível compatível com a dos demais indivíduos. Isto impede-me, por exemplo, de comprar escravos ou vender-me como escravo.

Há anos, tento ler o livro de Isaias Berlin cujo título é "Quatro Ensaios sobre a Liberdade". Lá aprendi, por exemplo, o conceito de liberdade negativa: não podemos dizer que não sou livre por não saber voar, ou seja, voar não me é proibido, apenas que tenho a liberdade negativa de não voar. Nenhum humano ou humanóide conhecido pode voar on his/her own. Mas que é liberdade? Diz o Dr. Aurelião:

11. Filos. Caráter ou condição de um ser que não está impedido de expressar, ou que efetivamente expressa, algum aspecto de sua essência ou natureza. [Quanto à liberdade humana, o problema consiste quer na determinação dos limites que sejam garantia de desenvolvimento das potencialidades dos homens no seu conjunto -- as leis, a organização política, social e econômica, a moral, etc. --, quer na definição das potencialidades que caracterizam a humanidade na sua essência, concebendo-se a liberdade como o efetivo exercício dessas potencialidades, as quais, concretamente, se manifestam pela capacidade que tenham os homens de reconhecer, com amplitude sempre crescente, os condicionamentos, implicações e conseqüências das situações concretas em que se encontram, aumentando com esse reconhecimento o poder de conservá-las ou transformá-las em seu próprio benefício.] [Cf., nesta acepç., autodeterminação (2) e autonomia (5).]

Daí, pulamos para o assunto: "que é crime"? Inspirado em minha intuição sobre o conceito de liberdade, eu disse: "crime é qualquer ação praticada pelo indivíduo que reduz a liberdade dos demais". Fui aplaudido por um menino de rua, o que não me satisfez, pois sabia-o analfabeto e eleitor, o que dá na mesma, neste país de ladravazes detentores de mandatos eletivos. Dissatisfeito fiquei por ter percebido que algumas externalidades reduzem a liberdade de terceiros, mas que não são crimes. Por exemplo, ligar uma esteira de exercícios de caminhada estática faz um barulho inferior ao mínimo proibido pela lei, mas reduz a liberdade dos vizinhos, digamos, de baixo.

Em resumo, cheguei a sugerir aos meninos de rua que:
.a. abandonem a política
.b. sejam cautelosos ao quererem criar definições, pois estas exigem mais reflexão do que um simples dá-cá-aquela-palha.
DdAB

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