27 março, 2009

Bolsa Família e Renda Básica

Querido Blog:
Sigo com o assunto da relação entre a renda básica e sua incipiente introdução no Brasil, com o que temos chamado de bolsa-família. São já 11 milhões de famílias atingidas, no bom sentido, no sentido de terem um dinheirinho (isto é, MV, estoque de moeda vezes a velicidade de circulação) para gastar no que bem entendem (dada a restrição que lhes é interposta pelos preços das mercadorias que desejarem adquirir).

Na condição de poeta -que inegavelmente alguns me consideram-, tomei a licença poética de reproduzir por aqui como pude da charge de Iotti, de Zero Hora de 25/mar/2009. Sobre ela, fiz a postagem correspondente no dia correspondente. Por coincidência, recebi de meu colega Jesiel de Marco Gomes (como podemos ver em meu site, lá há um registro de seu nome, apontando a maravilhosa coincidência de que seu primeiro nome Jesiel rima com Duilio, no sentido de terem ambos os nomes seis letras. Depois, ambos temos "de". Avila rima com Marco, ou seja, ambos temos cinco letras depois do "de" e finalmente Bêrni associa-se maravilhosamente com Gômes, não é?) um e-mail que ora transcrevo e que é o mote da postagem. Não juro, mas presumo que o autor é Antônio Cardoso Neto, e pelo que sigo presumindo é "gente como a gente", o que -acredito- haveria de levá-lo a ver com benevolência o uso que vou estar dando (gerundivamente) a seu texto. Diz ele, o texto (que editei ligeiramente):

Hoje de manhã, vi uma entrevista com Dilma Roussef no Bom Dia Brasil. O assunto era o lançamento do programa do governo de construção de um milhão de casas para as famílias que mais precisam. Trata-se de um programa de grande alcance social, que vai possibilitar que 13% das pessoas mais pobres que não têm onde morar possam por fim ter uma casa. Mas voltemos ao Bom Dia Brasil. Dilma estava espremida entre [dois jornalistas. Um deles,] pegou a cartilha do programa, na qual há a foto de uma casa ao fundo e uma típica e sorridente família brasileira de baixa renda, composta de marido, mulher e quarto filhos. Daí [o jornalista recém citado] mostrou a capa da revista para a câmera e perguntou a Dilma se ela não achava que o governo estava fazendo um desserviço à nação ao sugerir que as famílias tenham quatro filhos, se negando a promover o planejamento familiar [...].

Já que é o dia de citar amigos, cito Leonardo Monastério e começo endereçando comentários à questão final do texto que acabo de transcrever, editadamente, educadamente, presumo. Um dia, falei para ele que um pacote interessante de políticas econômicas voltadas à promoção da sociedade justa (na linha da definição de John Rawls e seu desdobramento trabalhado por David Harvey) também deveria preocupar-se com o crescimento populacional que parece estar acima da capacidade de carregamento do planeta. Se não está, estará, dizia eu. Ele, Leonardo, disse-me apenas que a melhor política econômica destinada a equilibrar a demografia é a própria: eleva a renda e -como ilustram as experiências modernas- a taxa demográfica cede. Eu pensei que esta visão é muito poderosa, pois permite evadirmos diversos problemas de caráter normativo, substituindo pelo objeto final da questão, ou seja, redistribuição.

Ou seja, quem luta pela sociedade igualitária -ao vê-la vencedora- também verá a estabilização do crescimento demográfico, ao lado de outras variáveis-finalidade do sistema econômico, como a promoção da maior liberdade possível a cada indivíduo ou da felicidade nacional bruta. Rawls, meu chapa, nem precisamos falar em Bentham. LeoMon, na verdade, não é lá tão igualitarista quanto eu, penso. Ele que desminta, se for o caso. Mas Rawls não é tudo. Tem Harvey.

O conceito de sociedade justa de David Harvey requer a adesão aos seguintes princípios:
1. Desigualdade intrínseca: todos têm direito ao produto, independentemente da contribuição
2. Critério de avaliação dos bens e serviços: valorização em termos de oferta e demanda
3. Necessidade: todos têm direito a igual benefício
4. Direitos herdados: reivindicações relativas à propriedade herdada devem ser relativizadas, pois, por exemplo, o nascimento em uma família abastada pode ser atribuído apenas à sorte
5. Mérito: a reivindicação associa-se ao mérito; e.g., mineiro e cirurgião querem maior recompensa [do que deputado e senador]
6. Contribuição ao bem-comum: quem mais beneficia aos outros pode clamar por mais recompensa
7. Contribuição produtiva atual: quem gera mais resultado do que quem gera menos ganha mais
8. Esforços e sacrifícios: quanto maior o esforço, maior a recompensa.

Eu podia ter parado no primeiro princípio: todos têm direito a alguma fração do valor adicionado. Ou, em outras palavras, todos têm direito a uma cesta de consumo que lhes possibilite existência decente. Isto, a meu ver, quer dizer simplesmente: renda básica da cidadania. Ou seja, a partir de certa idade (nascimento? se for este o caso, o valor da bolsa deve ser guardado na caderneta de poupança do nascituro? maioridade?), um dinheirinho começa a pingar na conta de quem-quer-que-seja. Para evitar o uso oportunístico da expansão da prole, claro, o rendimento do indivíduo menor de idade poderia ser-lhe devotado na forma de criação de um fundo de lançamento empresarial, quando este alcançasse a maior idade (24 anos?).

Ou seja, o programa Bolsa Família é uma maravilha, mas apenas no caso de uma sociedade que sequer poderia pensar em "dar dinheiro para os pobres", se não a sociedade, todos os deputados e senadores e -cá entre nós- jornalistas e outros agentes sociais um tanto encafifados com a possibilidade de que o ganhador da renda básica passe o dia na frente da TV comendo batata frita em pacote. Em minha maneira de ver o mundo, Lula é o maior político da história do Brasil, pois entendeu que não poderia falar em cumprir a Lei Suplicy, mas o Desvio-Cristóvão seria bem-vindo. Afinal, é melhor meter o filho na escola do que levá-lo a pedir troco no sinal. Inclusive porque não há sinaleiras para todos...

Deste modo, a explosão demográfica tem dois inimigos devidamente catalogados:
.a. a renda criada pela sociedade via Banco Central, ou seja, MV = Y (onde Y = PQ, P é o nível geral de preços e Q é a renda real), que simplesmente vai matando a criança. Assim o fez em tudo quanto é lugar conhecido; não seria o nordeste, o noroeste gaúcho, o Bairro Passoca (em Floripa, com seus lajeanos?) a contrariar tão forte determinismo econômico, mais forte do que a atração gravitacional, como terei dito há alguns dias...
.b. a renda básica, que retira qualquer associação entre o número de filhos ee os rendimentos familiares originários de transferências governamentais. Por meio deste mecanismo, cada um escolherá o número de filhos atendendo a determinantes alheios ao oportunismo.

Que diria eu a Iotti? Isto, o problema das cinco criancinhas da casa guenza que acima vemos será o de não viverem tão bem quanto outra família cujos rendimentos também se derivem exclusivamente da renda básica e que tem apenas um casalzinho de filhinhos. E mandá-los à Disneilândia, meu chapa? Apenas se papai e mamãe conseguirem complementar os rendimentos que lhes seriam garantidos desde a maioridade (falei 24 anos, ou seja, maioridade etária e não legal, que tem neguinho, filho de político, ganhando a maioridade legal e financeira até 24 anos antes do nascimento, os famosos 10% - para o leite das crianças).

Haveria dinheiro para todos? O espantoso é que, se a sociedade decidisse gastar em bobagens 80% do valor adicionado, sobrariam 20% para pagar uma renda básica de R$ 500 a cada um dos 80 milhões de brasileiros em idade economicamente ativa. Lula, Vavá, Severino, Alexandre, Jenniffer, Jefferson, Vas-ingue-ton, Daiana, Daiane, Camila, Elizabete Regina, Doroty Malone Moreira da Silva, essa turma toda. Que faria eu com meus opíparos proventos da aposentadoria (também transferências muito do consideradas por deputados e senadores também aposentados)? Não sei se interessa tanto ao leitor, mas digamos que eu poderia usá-los para abater o benefício do imposto de renda incidente sobre o restante de meus proventos, um troço destes, de modo que não precisaria dar a Mamón o que não é de Deus, sei lá...

Tu entendeu, tchê? Bye now!
DdAB

Nenhum comentário: